Pai relata sofrer transfobia em hospital enquanto aguarda há três meses por cirurgia em recém-nascido
Brasil de Fato
Desde que chegou ao mundo, no dia 28 de abril de 2024, Sol Capel de Souza espera por uma cirurgia de colocação de marcapasso. O bebê nasceu com uma cardiopatia que mantém seus batimentos numa média de 50 por minuto – em um recém-nascido saudável, a frequência fica em torno de 130 batimentos por minuto. A cirurgia, que seria realizada poucos dias depois do nascimento, foi postergada por cinco vezes.
“Os médicos que nos acompanhavam diziam que o Sol ficaria no máximo 20 dias internado”, relata Vênuz Capel Faria de Souza, pai do bebê. Perto de completar três meses, Sol continua internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Paulo, na capital paulista.
O bebê nasceu pesando 2,250 kg e, segundo a equipe médica, precisaria alcançar 2,5 kg para ser submetido ao procedimento. Quando atingiu a marca, os médicos estabeleceram uma nova meta, de 3kg, ampliando o tempo da espera. O agendamento da cirurgia foi adiado novamente, dessa vez para quando Sol chegasse aos 4kg.
Por fim, a intervenção foi marcada para o dia 12 de julho, mas um dia antes foi reagendada para o dia 18 do mesmo mês. Naquela data, a família recebeu a informação do cancelamento. “Ele já estava de jejum e um pouco antes da cirurgia, avisaram que não ia ser feita”, lamenta Vênuz.
O pai protocolou uma reclamação na ouvidoria do hospital e recebeu como justificativa a falta de material. Conforme o documento emitido pela unidade de saúde, a equipe de compras não teve tempo hábil para adquirir os insumos. “A Diretoria Clínica recebeu o aviso da cirurgia, hoje às 07h32, sem a antecedência necessária”, dizia o texto da resposta. A cirurgia seria realizada às 8h.
Procurado pela reportagem, o Hospital São Paulo informou que a cirurgia será realizada nesta quinta-feira (25). “Qualquer indicação cirúrgica é feita a depender de condições técnicas e clínicas, que precisam estar favoráveis, para a segurança do paciente e êxito do tratamento”, informa a entidade, por meio de nota encaminhada pela assessoria de imprensa.
Pai relata transfobia na rotina hospitalar
Vênuz, pai de Sol, é um homem transgênero e usuário dos serviços do Núcleo Trans do Hospital São Paulo, onde faz terapia hormonal. “Lá eu não tenho problema, eles são bem incríveis. Mas é só lá”, lamenta. Após o parto, ele recebeu um crachá com a palavra mãe. Essa foi a primeira de uma série de situações desrespeitosas.
“É uma coisa que vive se repetindo, as pessoas me chamando de mãe do Sol, me chamando no feminino”, relata. Ele divide a rotina de acompanhamento de Sol com a mãe do bebê, Ana Paula Vieira. O casal chegou a ouvir de uma funcionária do setor administrativo que o bebê não poderia ter duas mães como acompanhantes.
“A gente foi oficializar a internação do Sol e falaram que eu e minha esposa não poderíamos entrar [juntos]”. Essa situação levou Vênuz e Ana Paula a procurarem a assistência social da unidade de saúde para mediar a situação, que acabou por ser revertida.
Atualmente, Vênuz tem um crachá onde é classificado como pai. Essas situações, no entanto, acrescentaram novos desgastes a um cenário já angustiante. Para ele, a falta de preparo dos profissionais soma-se ao preconceito das pessoas que prestam serviço no local.
“É também uma falta de os funcionários quererem, sabe? Eu não acho que as pessoas tentam. Elas nem tentam”, lamenta.
Por meio da assessoria de imprensa, o Hospital São Paulo afirma que não recebeu denúncias de transfobia. “Todos os colaboradores são orientados e treinados para oferecerem o devido tratamento aos pacientes e familiares, sem preconceitos relacionados à raça, condição social, gênero, pessoas da comunidade LGBTQIA+ e outros”, informa a unidade de saúde.