Se reeleito, desafio de Maduro será driblar sanções e aprofundar chavismo na Venezuela

Brasil de Fato

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, saberá em 28 de julho se suas políticas dos últimos 12 anos foram reconhecidas pela população a ponto de se reeleger para um 3º mandato. Bloqueios, movimentos violentos da oposição e uma pandemia estiveram no caminho do chefe do Executivo, que colocará à prova sua força neste domingo para tentar vencer outros nove candidatos opositores. Para o eleitor chavista, a grande dúvida em caso de vitória é saber como será um novo governo Maduro pelos próximos seis anos. 

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato entendem que há duas opções muito bem definidas: ou ele potencializa uma forma de governo mais pragmática ou volta a um ideal chavista que marcou o início de seu primeiro mandato, em 2013. Naquele ano, Maduro foi eleito depois da morte do ex-presidente Hugo Chávez. Novas eleições foram convocadas e o então vice de Chávez venceu o pleito.

A estrutura estava montada. O ex-presidente havia ficado 14 anos no governo e não só implementou um sistema de governo como conceitualizou um modelo próprio da esquerda venezuelana.

A chamada Revolução Bolivariana estava em curso e tinha suas bases já fixadas. Faziam parte do governo chavista um Estado forte, distribuição de renda e as chamadas “Grandes Missões” – programas sociais voltados para resolver problemas de diferentes setores, como moradia, alfabetização e saúde nos bairros. Maduro assume com esse legado e mantém durante os primeiros anos de sua gestão o que foram os pilares do chavismo. 

No entanto, as quedas nos preços internacionais do petróleo impactam o país, que entra em um ciclo de crise crescente e o governo começa a enfrentar disputas internas. Em 2014, a oposição radicaliza o discurso e realiza manifestações violentas –as chamadas guarimbas– contra as políticas de Maduro e a situação do país. Ao mesmo tempo, empresários começam a aumentar os preços acima do ritmo inflacionário para ampliar a margem de lucro, e colocam o país em uma espiral inflacionária.

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Somado a isso, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sanciona a Lei de Defesa dos Direitos Humanos e da Sociedade Civil da Venezuela, que bloqueia ativos de mais de 50 venezuelanos no exterior. Mais tarde, com a eleição de Donald Trump nos EUA, as sanções se intensificam e o país bloqueia completamente o setor petroleiro venezuelano.

Segundo o cientista político Juan Carlos Valdez, a política de Maduro foi se moldando ao longo do tempo de acordo com as condições externas que foram colocadas a Caracas. No entanto, as escolhas do governo também tiveram reflexo na economia local.

“A política de Maduro mudou substancialmente do primeiro para o segundo governo. No seu primeiro governo, ele tinha uma posição mais ferrenha em relação à intervenção do Estado na economia. No segundo governo, ele abriu claramente, houve uma abertura ao setor privado, que voltou a ter um protagonismo na economia venezuelana. Muitas das coisas que foram expropriadas por Chávez se mantiveram, mas houve uma abertura ao setor privado. Sem dúvidas teve reflexo na economia, mas também na desigualdade”, afirma ao Brasil de Fato.

Se nos primeiros seis anos Maduro tentou controlar os preços dos produtos, ampliar as missões e subir os salários de forma constante, no segundo mandato ele promoveu uma abertura de capital, segurou os gastos públicos e tentou controlar a inflação

Com essas medidas, o governo conseguiu reduzir o aumento dos preços e controlar o câmbio do país. A moeda está estável e a alta dos preços não passou de 1,5% ao mês este ano. A dúvida é se com uma economia mais equilibrada, Maduro voltará ao que foi seu primeiro governo, com valorização de salários e melhoria do bem-estar social, ou tenderá a controlar ainda mais os indicadores econômicos para tentar dar um sinal positivo ao mercado.

Segundo Ociel Lopez, sociólogo e autor do livro “Eleições na Venezuela 2024: o que vai acontecer?”, é muito improvável que Maduro seja “mais liberal”. De acordo com ele, o chefe do Executivo pode manter um pragmatismo caso seja eleito, mas com foco na população venezuelana, que viu a condição de vida piorar nos últimos anos.

“Ele será um ator pragmático, não um dogmático ideológico. Sabe jogar as fichas da economia, conseguiu estabilizar no governo e isso ninguém pode negar. Poderíamos dizer que, em um ‘Maduro 3’ voltaria a conquistar direitos sociais. Ele está muito consciente de que o grande problema é melhorar os salários, porque os salários estão perdidos. As conquistas sociais e trabalhistas deixaram de existir em um governo que se diz trabalhador. Obviamente as sanções têm muita culpa, mas havia uma crise prévia. Aconteça o que acontecer, ele vai ter que voltar para esse caminho”, afirmou.

Com o setor petroleiro bloqueado, o governo venezuelano viu a entrada de dólares despencar, o que fez disparar a inflação e reduziu drasticamente o poder compra dos trabalhadores. Com isso, a população começou a montar suas reservas em dólares para garantir que seu dinheiro não perdesse valor.

Para o sociólogo e mestre em comunicação política Franco Vielma, a expectativa é que Maduro continue com uma política de defesa dos indicadores econômicos, mas com uma orientação social. 

“Maduro de 2025 terá uma política econômica que fortalece o sistema cambiário e que segue com estímulos para o desenvolvimento da atividade produtiva nas empresas privadas, estatais e sociais – as comunas. Há a ideia de ampliar o sistema de crédito, fomentando o empreendimento e as pequenas e médias empresas. Ou seja, vai se pautar em uma economia de bens e serviços mais robustas”, afirma. 

Um dos objetivos destacados pelo governo é a criação de pequenas e médias empresas para refletir no emprego. Este setor emprega 40% dos trabalhadores venezuelanos. O objetivo é que, com isso, haja um intercâmbio maior de bens e serviços, fazendo circular mais dinheiro, aumentando a demanda para o consumo e gerando crescimento econômico. A lógica é parecida com o que os primeiros governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fizeram no Brasil.

O petróleo também é um ponto crucial para o governo de Maduro, que tem como objetivo ampliar cada vez mais a produção. A meta é produzir 2,5 milhões de barris por dia em 2025. Mas não só ampliar a arrecadação da indústria petroleira, o governo quer também diversificar a fonte de receitas. Uma dessas opções, é ampliar a captação com o Imposto de Renda. 

“Se perfila uma economia onde o petróleo não é a única fonte. O petróleo seguirá sendo muito importante, mas o Executivo vai arrecadar 13 bilhões de dólares de tributos em 2024, o maior valor da história da Venezuela. Há a ideia de taxar as grandes fortunas. Há também um bom momento de relação do Estado com as empresas privadas, que antes estavam tensionadas. As sanções uniram o chavismo com o empresariado na ideia de que o país precisa de estabilidade para garantir a confiança e os investimentos”, afirma Vielma.

Apoio da população

A crise econômica não impactou só nas finanças do país. A imagem do presidente também ficou desgastada. Muitos chavistas que apoiavam o governo passaram a ser críticos conforme a situação econômica piorou. Para Vielma, a melhora nos indicadores já alivia essa pressão, ao menos para as eleições de domingo.

“Toda essa situação gerou uma baixa popularidade em algum ponto, porque o Estado perdeu a capacidade de construir e fazer políticas públicas. Isso tem a ver com o fato de que trabalhadores públicos tiveram uma queda nos seus salários. Então a popularidade de Maduro e da Revolução foi afetada, mas isso se recupera à medida que a economia se recupera. Ou seja, é algo que está muito vinculado à economia”, afirmou.

A forma de governo também criou uma discussão interna entre aqueles que continuam apoiando o governo. O advogado especialista em economia política Juan Carlos Valdez, entende que essas duas formas de governar de Maduro abriram uma discussão em que uma das correntes entende que as condições econômicas externas são mais importantes para definir as políticas. Há um outro lado, no entanto, que recorre à política de Hugo Chávez como norte para a condução do governo. 

De acordo com ele, é preciso ter um amplo diálogo entre os revolucionários para entender qual o caminho para os próximos seis anos.

“Esperamos que se abra um processo de discussão no seio das forças que apoiam a Revolução. Para primeiro tentar resolver aquelas situações que conduziram para que muitos revolucionários se distanciassem e que até se opusessem ao governo. Esse é um desafio para Nicolás: reunificar as forças revolucionárias por meio do debate. Só no debate vamos conseguir as soluções para os problemas que não resolvemos”, afirma ao Brasil de Fato.

A popularidade e o desempenho do governo de Maduro serão avaliados neste domingo. Para as eleições de 2024, a campanha do governo usou os dados econômicos como grande argumento e deixou claro que há uma boa relação com empresários do país. Para Ociel Lopez, a ideia é promover não só uma imagem adaptada, mas um discurso que possa mostrar uma continuidade, ao menos dos resultados, de seu último governo.

“Isso faz com que tenhamos um outro Maduro, com um marketing diferente, com um repertório diferente. Vai apostando em outras classes sociais ascendentes, classes médias. Ele tem sua aposta para as eleições a partir daí. Um novo marketing social, que não é socialista –como era no século 20, com cor vermelha, dogmática, com um repertório discursivo marxista-leninista. Mas de abertura, empreendimento, deixar fazer, deixar acontecer. E com uma oferta eleitoral muito sincera”, afirmou.

Da Redação