Indicados por Lula ao Copom contrariam governo e se alinham a Campos Neto sobre Selic

Brasil de Fato

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu nesta quarta-feira (30) manter a taxa básica de juros da economia nacional, a Selic, em 10,5% ao ano. A decisão contrariou pedidos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de seus ministros. Contou, entretanto, com votos de indicados ao Copom pelo próprio Lula.

O Copom é composto por nove membros da diretoria do BC. Desses, quatro foram indicados pelo presidente Lula: Gabriel Galípolo, diretor de política monetária, e Ailton Aquino, de fiscalização, que tomaram posse em julho do ano passado; além de Paulo Picchetti, diretor de assuntos internacionais e gestão de riscos, e Rodrigo Alves Teixeira, diretor de administração, que tomaram posse em janeiro.

Os quatro alinharam-se à visão do presidente do BC, Roberto Campos Neto, nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em todas as reuniões das quais participaram para debater a Selic, com uma única exceção.

Em maio, Galípolo e demais diretores indicados por Lula se posicionaram por um corte da Selic de 10,75% ao ano para 10,25% ao ano. Acabaram, entretanto, sendo vencidos pela maioria que optou por cortar a Selic em só 0,25 ponto, a baixando para os 10,5% ao ano.

Além de Campos Neto, votaram a favor de um corte menor, dois diretores do BC também indicados por Bolsonaro – Diogo Abry Guillen, de política econômica, e Renato Dias de Brito Gomes, de organização do sistema financeiro–, além de Carolina de Assis Barros, de relacionamento e cidadania, indicada por Michel Temer (MDB), e Otávio Ribeiro Damaso, diretor de regulação, indicado Dilma Rousseff (PT).

Desde então, a taxa não caiu mais. Em junho e nesta semana, o Copom voltou a reunir-se para debatê-la sob pressão do governo –além de empresários e de trabalhadores. Lula chegou a dizer que Campos Neto tem “tem lado político e atua para prejudicar o país” mantendo a taxa de juros acima do necessário. Apesar disso, seus indicados mantiveram-se alinhados com Campos Neto sobre a Selic.

Segundo todos eles, a inflação no Brasil ainda dá sinais de que precisa ser controlada e as contas do governo ainda causam desconfiança. Por isso, a Selic não pode ser reduzida conforme deseja o governo.

O que é Selic?

A taxa Selic é referência para a economia nacional. É também o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país.

Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.

Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.

A Selic também é uma taxa de referência para os títulos da dívida que o governo emite para financiar suas atividades. Isso significa que, quando ela sobe ou desce, isso também influencia no gasto com juros e até no valor total da dívida brasileira.

Por isso, Lula tem cobrado a redução da taxa desde que ele voltou à Presidência.

Trajetória

Em janeiro de 2023, quando Lula tomou posse, a Selic estava em 13,75% ao ano. Naquele momento, o Copom não tinha nenhum indicado por ele. Dos 11 membros, cinco haviam sido escolhidos por Bolsonaro, três por Temer, e um por Dilma.

Em julho, Galípolo e Aquino chegaram, substituindo um indicado por Bolsonaro e um indicado por Temer. No início de agosto, eles participaram de uma reunião do Copom. Votaram por um por corte da Selic de 13,75% ao ano para 13,25% ao ano.

Naquela reunião, quatro diretores votaram por um corte menor, de só 0,25 ponto. Campos Neto, porém, desempatou a votação em favor dos indicados por Lula e, de certa forma, alinhou-se ao governo, que cobrava reduções da Selic havia meses.

Dali até maio, a Selic foi reduzida em 0,5 ponto em mais cinco reuniões, sempre por unanimidade. Em duas dessas reuniões, Picchetti e Rodrigo Teixeira já haviam sido empossados e também votaram pelo corte.

A divergência ocorreu em maio. Naquela época, o governo continuava cobrando reduções, mas elas acabaram não vindo como desejado. Em junho e julho, apesar dos pedidos de Lula, até os seus indicados votaram pela manutenção dos juros, como Campos Neto.

Perfil

O economista Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), disse que o alinhamento da diretoria do BC em torno de uma política monetária mais conservadora tem a ver com o perfil dos seus membros. Dantas analisou durante seu doutorado a trajetória acadêmica e profissional dos diretores do BC entre o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de Dilma. É também autor de um dos artigos do livro Os Mandarins da Economia: Presidentes e Diretores do Banco Central Do Brasil (Editora Almedina, 2023). Segundo ele, independentemente do governo, membros do Copom costumam ter uma visão mais alinhada aos interesses do mercado financeiro.

“Não podemos esperar nenhum cavalo-de-pau no BC, mesmo quando os indicados do Lula forem maioria, o que acontecerá neste ano. O perfil dos diretores se mantém e a pressão do mercado continua enorme”, disse ele.

Galípolo, por exemplo, foi indicado por Lula para ocupar uma das diretorias mais importantes do BC para definição da Selic, a de política monetária. É formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e foi presidente do Banco Fator.

Cenário

Maurício Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também defende uma composição mais plural do Copom. Ele argumentou que, nas últimas reuniões, especificamente, o cenário se impôs por uma manutenção dos juros.

“Estamos com muita pressão na taxa de câmbio e o desemprego não para de cair”, disse ele. “Era esperado uma interrupção na queda nos juros.”

Pedro Faria, também economista, concorda que o contexto atual não é favorável ao corte de juros. Ele, contudo, também vê questões políticas envolvidas no posicionamento dos indicados por Lula. Para ele, Galípolo, cotado para assumir a presidência do BC após a saída de Campos Neto, tem evitado criar divergências no Copom justamente para não criar uma resistência tão forte ao seu nome por parte dos que apoiam a atual gestão.

Campos Neto tem respaldo dos agentes do mercado financeiro e de políticos conservadores. Foi homenageado neste ano pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

Da Redação