O que está acontecendo em Bangladesh?

Brasil de Fato

O vencedor do Nobel da Paz Muhammad Yunus, criador de um sistema de microcréditos para a população pobre, vai liderar um governo interino para acabar com a grave crise política em Bangladesh. Mesmo sem estar  ainda no país, ele se comprometeu a organizar eleições em breve, após a dissolução do Parlamento e a fuga da primeira-ministra Sheikh Hasina.

Yunus está na Europa e retornará a Bangladesh na quinta-feira (8). Ele escreveu em artigo publicado na revista britânica The Economist que fará o possível para que “eleições livres e justas sejam celebradas nos próximos meses”.

“Precisamos, acima de tudo, de jovens que não estejam obcecados com vingança, como muitos de nossos governos anteriores”, destacou. O economista de 84 anos também fez um “apelo fervoroso a todos para que mantenham a calma”.

“Fiquem tranquilos e preparem-se para reconstruir o país. Se seguirmos o caminho da violência, tudo será destruído”.

Consenso

A decisão de formar um governo interino comandado por Yunus foi tomada durante reunião entre o presidente Mohamed Shahabuddin,comandantes militares e líderes estudantis que organizaram protestos desde julho, informou a presidência do país.

Nahid Islam, líder do movimento estudantil, confirmou a decisão após uma reunião de três horas com o presidente. Ele descreveu as conversas como “frutíferas”. O presidente Shahabuddin concordou que o governo interino “seja formado o quanto antes”.

O presidente também dissolveu o Parlamento na terça-feira, uma das principais exigências dos estudantes, compartilhada com o principal partido de oposição, o Partido Nacionalista de Bangladesh (BNP), que exige a convocação de eleições nos próximos três meses.

Yunus é conhecido por ter retirado milhões de pessoas da pobreza por meio da concessão de microcréditos, uma iniciativa pela qual recebeu em 1988 o prêmio Príncipe das Astúrias da Concórdia e em 2006 o Nobel da Paz.

Fuga de cinema

Mas ele ganhou a inimizade da premiê Sheikh Hasina, que o acusava de “sugar o sangue” dos pobres. Hasina, 76 anos, estava no poder havia 15 anos, e seu último mandato, que começou em janeiro, foi marcado pelo boicote da oposição às eleições, denunciadas como nem livres, nem justas.

A premiê acabou renunciando e fugiu do país na segunda-feira (5), pressionada por uma onda de protestos que começou no mês passado com um movimento estudantil contra um sistema de cotas para os funcionários públicos, e que evoluiu para uma mobilização mais ampla contra o governo.

A fuga cinematográfica – em um helicóptero – aconteceu pouco antes de centenas de manifestantes invadirem sua residência oficial em Daca, a capital do país.

Cronologia

No dia 16 de julho, um dia após o início da violência, o governo Hasina ordenou o fechamento de todas as universidades, faculdades e escolas de ensino médio do país por tempo indeterminado. 

Três dias depois, em 19 de julho, o governo convocou o exército e impôs toque de recolher com ordens de disparo, após a disseminação da violência em todo o país. A Internet e outros serviços de comunicação também foram suspensos. Mas as ordens do governo não surtiram efeito: os manifestantes rejeitaram a oferta para dialogar e continuaram a chamar manifestações em grande escala contra o sistema de cotas. 

Em resposta, o governo pediu aos manifestantes que aguardassem o julgamento da Suprema Corte. Mas os manifestantes alegaram que o governo não proibia as cotas por estas beneficiarem membros do partido e seus apoiadores. Entretanto, o governo argumentou que a cota era um reconhecimento dos sacrifícios feitos pelas pessoas durante a luta pela liberdade. 

Controvérsia sobre cotas 

A cota em empregos públicos foi criada pelo pai de Hasina, Sheikh Mujibur Rahman – logo após ele se tornar o primeiro-ministro de Bangladesh independente – como forma de reconhecer os sacrifícios feitos pelo povo. A Liga Awami esteve na vanguarda da guerra de libertação de Bangladesh em 1971 contra o Paquistão, na qual centenas de milhares de pessoas foram mortas pelo exército paquistanês e por colaboradores locais conhecidos como Razakars.

Desde então, mais da metade dos empregos públicos eram reservados para militares que lutaram na guerra de independência ou seus descendentes.

Mas devido ao aumento do desemprego entre os jovens do país e à crise na economia, essas cotas se tornaram cada vez mais impopulares. Após um protesto estudantil em 2018, o governo de Hasina eliminou o sistema de cotas para os melhores empregos públicos.

No entanto, em junho deste ano, uma ordem do Tribunal Superior anulou a medida de 2018, tornando as cotas efetivas novamente. Esse veredicto foi o que provocou a onda de protestos estudantis. No dia 20 de julho, a Suprema Corte considerou ilegal a decisão do Tribunal. 

No entanto, o veredicto de domingo também eliminou a cota de 10% para mulheres e pessoas de distritos subdesenvolvidos e a cota de 5% para minorias religiosas em empregos públicos. Os setores progressistas do país, incluindo o Partido dos Trabalhadores de Bangladesh (BWP) e o Partido Comunista de Bangladesh (CPB), já haviam exigido que essas cotas “progressivas” para mulheres e minorias fossem protegidas e que fosse iniciado um processo para atender outras demandas legítimas de reformas.

Da Redação