A resistência dos povos indígenas do Sul
Brasil de Fato
“Eu não sabia que tinha indígenas no Sul”. Essa é uma das frases que mais tenho escutado desde que lancei o livro de poemas Retorno ao ventre – mỹnh fi nugror to vẽsikã kãtĩ sobre o processo de invasão dos territórios indígenas no Paraná e sua resistência ancestral. Pois fique sabendo: eles existem, existiram e existirão.
Não é nada raro ouvir de bocas progressistas que a região Sul é um caso perdido, atrapada no sangue movediço do neofascismo, que seria melhor para todo mundo que se separasse do restante do país. Há argumentos bastante recentes que embasam essa rechaça, mas há também um detalhe dos mais importantes: ao dizer isso, estamos abandonando aliados à própria sorte, e boa parte deles são indígenas, no fronte há mais tempo do que se pode calcular. Muito antes dos barcos repletos de europeus pobres aportarem por aqui com suas imensas levas de trabalhadores e trabalhadoras. Muito antes da invenção dos barcos.
Mas nem precisamos ir tão longe. Pense na luta contra o Marco Temporal, uma pauta recente das mais imprescindíveis, que, ao defender as retomadas e territórios indígenas, advoga por uma causa comum: a preservação ambiental num contexto de distopia climática, ou seja, a preservação da própria espécie humana.
Apesar de ser uma pauta geral defendida por povos e associações indígenas de todo o país, o pleito que subiu ao Supremo Tribunal Federal (STF) descende de uma peleja dos povos xokleng, kaingang e guarani pela terra indígena Ibirama-Laklãnõ, em Santa Catarina – sim, Santa Catarina tem mais do que papagaios fascistas, prédios de arquitetura duvidosa em seu famoso balneário, hordas bolsonaristas e argentinos curtindo uma praia ridiculamente deslumbrante: Santa Catarina tem povos indígenas que resistem, que precisam, merecem e demandam nosso apoio.
Se voltarmos um pouco no tempo, podemos lembrar de lideranças como Ângelo Kretã. Já ouviu falar dele? Kretã esteve à frente das grandes retomadas de terras indígenas no Paraná e Rio Grande do Sul durante a década de 1970. Ele foi o primeiro legislador indígena do Brasil, eleito vereador em 1976 pelo MDB, em plena ditadura militar. Morreu em circunstâncias bastante controversas em janeiro de 1980. Procure saber. O legado de Kretã precisa ser preservado.
Esses são apenas dois exemplos das diversas, e cruciais, lutas que se apresentam à nossa geração – a luta pela terra e pela memória – e não permitem titubeios ou procrastinação. Do contrário, um futuro nebuloso nos espera, se é que haverá futuro.
* Jr. Bellé é poeta, escritor e pesquisador. Mestre em Estudos Culturais (USP) e doutorando em Estudos Literários (UFPR). Acaba de lançar seu quarto livro, “Retorno ao ventre – mỹnh fi nugror to vẽsikã kãtĩ” (Elefante), que venceu o mais recente Prêmio Cidade de Belo Horizonte
**As opiniões contidas neste artigo não representam necessariamente as do Brasil de Fato