Frei Betto afirma que, na vida das pessoas, religião e política estão ‘entremeadas’
Brasil de Fato
“Desde o tempo de Jesus você tem uma religião libertadora e uma religião opressora”: é assim que o frade dominicano e escritor Frei Betto define as disputas que existiram no passado e continuam a existir no presente quando o assunto é religião e política.
Frei Betto participou neste sábado (10) de evento na Escola Paulo Freire, em São Paulo, em memória dos 50 anos da morte de Frei Tito. Os dois religiosos se conheceram ainda na juventude e militaram juntos contra a ditadura civil-militar. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele recordou o companheiro e falou sobre fé e revolução.
Brasil de Fato: O que Frei Tito representa para o senhor?
Frei Betto: Frei Tito, além de ter sido um companheiro da Juventude Estudantil Católica (JEC) nos anos 1960 comigo – ele era dirigente da JEC Regional do Nordeste e eu era dirigente da JEC Nacional -, depois nós ingressamos na Ordem dos Frades Dominicanos, estudamos juntos, fomos presos na mesma época, ficamos presos na mesma cela, e o Frei Tito representa não só para mim, mas representa para milhões de pessoas um símbolo de todas as vítimas da ditadura militar brasileira que durou 21 anos, de 1964 -1985, e um símbolo de resistência, porque Frei Tito acabou sacrificando a própria vida para não delatar outras pessoas. Então, portanto, foi alguém que deu a sua vida para que outros tenham vida como ensina Jesus no Evangelho.
O senhor poderia destacar alguma ideia, algum pensamento dele que considera importante para as lutas por justiça social atualmente?
Muito antes de surgir a ideia de fundar um partido dos trabalhadores, num dos textos que o Tito escreveu ainda na época da prisão, ele fala “o Brasil só será libertado o dia que houver um partido dos trabalhadores, com P e T minúsculos”, ou seja, foi uma escrita profética. De fato, a libertação, ela vem dos oprimidos, que se organizam em partidos, grupos, movimentos populares, ou ela jamais virá. E o Tito teve essa intuição, e, curiosamente, anos depois, o Lula e outros sindicalistas tiveram a ideia de fundar um partido que, nos seus primórdios, realmente se comprometia com a libertação de um Brasil e a construção de um Brasil socialista, ênfase que hoje não é tão forte como nos primórdios do do PT.
Para terminar, estavam falando aqui na mesa que o Frei Tito representava a aliança entre a fé e a revolução, inclusive por isso também ele era considerado tão perigoso para o regime ditatorial. Hoje em dia a gente vê como a capilarização da ultradireita no Brasil se apoia muito em setores os conservadores. Como o senhor vê hoje essa possível aliança entre fé e revolução?
Bem, isso sempre houve. Desde o tempo de Jesus você tem uma religião libertadora de Jesus, você tem uma religião opressora dos fariseus, dos saduceus, aquela que predominava no templo de Jerusalém, no tempo de Jesus. Então, A religião, como a política, pode servir para libertar, pode servir para oprimir, depende como é conduzida. E, sem dúvida nenhuma, o movimento Fé e Política,
que agora acaba de realizar o seu décimo segundo encontro nacional em Belo Horizonte, é um movimento que articula essas duas dimensões, da fé libertadora com a política, até porque não há como separar nas nossas vidas pessoais as duas coisas. Institucionalmente, é importante que se separe, importante manter o equilíbrio de não partidarizar as religiões e não confecionalizar a política. Agora, na vida das pessoas, as duas coisas estão entremeadas e, portanto, é muito importante refletir a questão política da religião, que ela sempre teve uma forte incidência política.