Filme ‘Alien: Romulus’ volta às origens da série entrelaçando horror cósmico com o terror da expansão colonial
Brasil de Fato
[Atenção: o texto contém spoilers do filme].
Quem entrasse desavisado numa sala de cinema e contemplasse os primeiros planos de Alien: Romulus (Fede Alvarez, 2024), que estreou esta semana, talvez tivesse a impressão de estar vendo um remake do clássico de 1979. Computadores com teclados mecânicos, embalados pelo ruído de fitas e HDs magnéticos, impulsionando monitores de fósforo monocromáticos: uma imagem do futuro imaginado no passado.
Assim como no clássico de Ridley Scott, o filme começa com o despertar de uma máquina.
A referência (ou reverência) à estética retrofuturista não é gratuita. Todo bom artista sabe que a citação é um valioso método criativo. Não apenas eficaz, mas muito sofisticado. Só os medíocres buscam a originalidade dentro da própria cabeça, atormentados pela “angústia da influência”. No caso do roteiro assinado por Fede Alvarez e Rodo Sayagues a citação ganha sentido artístico e também narrativo.
De volta à origem
O enredo de Alien: Romulus se passa cronologicamente em 2142, ou seja, vinte anos depois dos acontecimentos de O 8º Passageiro, que está cronologicamente situado em 2122, e um pouco antes de Aliens (James Cameron, 1986) que é ambientado em 2179.
Parece que finalmente teremos uma trilogia, mesmo que “afetiva”, para uma história que tinha ficado marcada por enterrar bons diretores. As sequências de David Fincher e seu planeta prisão em Alien 3 (1992) e o humor involuntário dos clones de Alien: A Ressurreição (1997) de Jean-Pierre Jeunet podem ser deixadas de lado.
Fede Alvarez, conhecido pelos bons trabalhos em filmes de terror como A Morte do Demônio (2013), se apoia naquilo que é sólido nos clássicos de Scott e Cameron para alcançar seus próprios voos. A cena do parto do monstro, aqui mais literal e menos metafórica e psicoanalítica que nos filmes antigos, é um bom exemplo disso. Os tempos são mais literais. As sequências de ação, como do ácido verde flutuante, não deixam nada a desejar às passagens megalomaníacas de James Cameron, com a frágil garotinha nadando na piscina a poucos centímetros do monstro xenomorfo.
Planeta colonial
Aliás, o planeta colônia, com trabalhadores superexplorados pela megacorporação Weyland-Yutani, que renova contratos unilaterais de maneira compulsória, e superpovoado com gigantescas máquinas de mineração, lembra os melhores momentos do subtexto ambiental de Avatar (2009) de Cameron e do movimento cyberpunk, algo que comentei de maneira mais demorada no meu artigo anterior aqui no BdF.
A elite humana avança pelo espaço sideral apenas para reproduzir a lógica do capital, que vê a natureza como Éden concedido por Deus, onde tudo está aí, “grátis”, para ser explorado. Mas esse progresso catastrófico aqui é barrado não pelo limite material do colapso do planeta Terra, já ultrapassado, mas pelo próprio corpo humano.
Organismo perfeito
A raça humana não se adapta à lógica da exploração e crescimento econômico infinito, da competição desenfreada, da aceleração da acumulação do capital sem limites. Nada disso é inato à “natureza humana”. Tampouco ao corpo humano. Ao contrário do falacioso discurso de coaches e ideólogos do neoliberalismo, o capitalismo não é um espelho da “alma humana”. São necessários muitos mecanismos de coerção física, ideológica e moral, além de aditivos farmacológicos, coquetéis de alto desempenho, para manter a ilusão de adaptação pacífica, para uma pessoa funcionar, mesmo que adoecida, sob o regime da exploração.
Para se realizar plenamente, se expandir rumo ao crescimento sem limites, a grande corporação precisa inventar um organismo perfeito, um “Frankenstein Espacial”, cujo corpo seja adaptável a qualquer desafio que as inóspitas colônias espaciais possam ter.
As ruínas do império
“Sob o comando deste (…), aquela famosa Roma igualará sua autoridade sobre a terra com a grandeza do Olimpo”. Este é um trecho da Eneida, de Virgílio, sobre o nascimento do império romano. Esse homem que vai comandar essa terra equivalente aos próprios deuses é Rômulo, descendente de troianos exilados e fundador, junto com seu irmão Remo, do povo que governou grande parte da Europa da antiguidade.
No filme, os jovens trabalhadores querem fugir da sombria colônia de mineração e acabam descobrindo a Estação Espacial Renaissance, uma monumental nave em ruínas, vagando em trajetória de colisão com restos de asteroides e detritos de rochas que formam os lindos aneis do planeta colônia. Os planos à beira do anel de asteroides são o ponto visual mais interessante de um filme que deixa Prometheus parecendo cada vez mais um belíssimo e estéril comercial de Citroën.
A imagem de ruína sobre ruína ligada ao renascimento científico não é gratuita: a razão iluminista é o pai do extermínio colonial.
Os jovens com aspirações de liberdade, acompanhados por um então ingênuo robô, vão descobrir da pior maneira possível, que essa estação, cujos módulos se chamam Rômulo e Remo, é um grande laboratório para desenvolver experimentos com biotecnologia que visam impulsionar a expansão espacial. Ou seja, desenvolver corpos mais aptos ao trabalho em colônias de mineração, mais adaptados à lógica do lucro sem fim.
A ironia é que esse discurso vem da boca do ator Ian Holm, que faleceu em 2020, e havia feito em 1979 o papel do sintético (nome dado aos robôs nesse universo), e foi agora recriado digitalmente para o mesmo papel. Um ator que trabalha após a morte. Impedido de parar de trabalhar. Ressuscitado para continuar trabalhando, quase como Murphy, de Robocop (1987).
Mas os desejos de crescimento exponencial dos gráficos da exploração esbarram nos limites incompreensíveis do horror cósmico.
Em um horizonte de eventos que se expande incomensuravelmente no espaço e no tempo, muito além dos limites da nossa compreensão, não podemos prever que espécie de mal puro está à espreita. Um mal tão antigo, incomensurável, como o próprio universo. E sem quaisquer matizes morais impostos pela nossa psicologia infantilizada, pueril, limitada pelo antropomorfismo iluminista.
Uma força capaz de devastar quaisquer expectativas, como um silencioso buraco negro, torcendo a própria estrutura do espaço-tempo, desde as entranhas da matéria, despedançando moléculas e átomos e os próprios vestígios desse mesmo desaparecimento.
Nem mesmo a mais leve e brilhante partícula de luz pode se esconder.
* Marcos Vinícius Almeida é escritor, jornalista e redator. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, colaborou com a Ilustríssima da Folha de S. Paulo e é autor do romance Pesadelo Tropical (Aboio, 2023). www.marcosviniciusalmeida.com.