Relembre acusações contra Marçal; candidato à Prefeitura em SP é associado ao crime por adversários
Brasil de Fato
O empresário e autodenominado coach Pablo Marçal (PRTB), que concorre à Prefeitura de São Paulo, tem uma série de processos judiciais contra si e uma teia de relações com pessoas do crime organizado, apesar de negar todas as acusações.
Pico dos Marins
Em um desses processos, Marçal é investigado pela Polícia Civil por tentativa de homicídio ao levar um grupo de pessoas, como parte de seu programa de coaching motivacional, ao Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo, que fica a 2.420 metros acima do nível do mar.
O empresário promoveu a empreitada no começo de 2022, a despeito das advertências dos guias, como o risco de hipotermia, e das regras de segurança, que proibiam o acesso ao local em caso de visibilidade reduzida. Como resultado, o grupo precisou ser resgatado pelo Corpo de Bombeiros.
Depois do ocorrido, Marçal foi proibido pela Justiça de realizar atividades na natureza sem a autorização da Polícia Militar, da prefeitura e da Defesa Civil. “O contexto dos autos denota que Pablo Marçal bem sabia que não era ‘temporada de montanha’ e época apropriada para a escalada, tanto que desprezou a contraindicação dos guias e promoveu a subida mesmo assim”, escreveu o Ministério Público de São Paulo ao pedir a medida cautelar contra Marçal à Justiça.
Recentemente, o candidato afirmou que não cometerá o mesmo erro duas vezes ao falar sobre o caso em entrevista ao G1. “Fizeram uma desossa com a minha imagem em relação a isso, e ninguém que estava nessa subida reclamou de nada disso. Eu subi cinco horas depois, eu não liderei grupo nenhum, coisa nenhuma. Então, assim, aquilo foi um erro? Sim, as pessoas erram. Você não vai me ver cometer o mesmo erro duas vezes”, disse, no começo de agosto.
Morte em maratona motivacional
Marçal também é investigado pela Polícia Civil pela morte de um de seus funcionários durante uma maratona de rua promovida por uma de suas empresas, a XGrow, em Alphaville, em Barueri, em junho do ano passado.
Bruno da Silva Teixeira, de 26 anos, teve uma parada cardíaca durante a corrida longa de 42 quilômetros, promovida por Marçal sob o lema de “romper os limites” das pessoas.
Ao GLOBO, no ano passado, o advogado do candidato, Tasso Renam Souza Botelho, afirmou que Marçal, diferente do que afirmam os familiares da vítima, não foi o responsável pelo evento. “Não se trata de uma maratona nem de uma corrida ligada à empresa. Foi um treino desenvolvido por algumas pessoas, algumas são funcionárias que compõem o grupo empresarial e outras, não. Algumas passaram lá para deixar os carros porque o ponto de encontro do treino era um posto de gasolina próximo”, disse Botelho.
Na mesma reportagem, Clara Serbim, melhor amiga de Teixeira, disse que “a corrida foi organizada dentro da empresa para funcionários. Eles decidem no dia cedo: ‘à noite vamos fazer uma corrida’. Não existe preparação, não existe exame, nada. Só dizem que à noite vão fazer corrida. Tanto que não sabiam se seria 21 km ou 42 km. Aí foi decidido que iriam fazer maratona, 42 km”.
Quadrilha especializada em golpes
Em 2010, Marçal foi condenado a quatro anos e cinco meses de reclusão por furto qualificado pela Justiça Federal por desviar dinheiro de contas bancárias por meio de golpes digitais. Na época, a defesa entrou com um recurso, que só foi analisado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em 2018. Devido à demora, o caso prescreveu, e Marçal não cumpriu a pena, apesar de ter sido considerado culpado.
Segundo o processo, o candidato era responsável pela manutenção dos equipamentos de informática da organização criminosa e por levantar contatos de e-mails de possíveis vítimas. Com os endereços eletrônicos em mãos, o grupo disparava softwares maliciosos que roubavam dados bancários.
Também era utilizado software que permitia acesso a informações sem precisar de e-mail das vítimas. Em salas de bate-papo, os criminosos ofereciam fotos eróticas se passando por mulheres. Ao baixar as imagens, as vítimas tinham seus computadores infectados por vírus, e seus dados bancários eram enviados aos golpistas, que faziam transferências e pagamentos fraudulentos.
Em um dos documentos que constam no processo, obtidos pelo GLOBO, o chefe do grupo faz cobranças a Marçal: “Quero ver a produção de e-mail capturado. Aqueles e-mails que você capturou no primeiro dia não estavam bons”. Marçal, então, perguntou se ele mesmo não poderia enviar o malware às vítimas: “Não tem jeito de eu enviar de lá [endereço onde o grupo se reunia]? Eu mesmo pôr para enviar os que eu estou pegando?”.
Na decisão de condenação contra Marçal, a Justiça defendeu que os conhecimentos do candidato sobre informática permitiam “claramente compreender a perfeita dimensão do que ocorria, ainda mais com os programas maliciosos existentes nos computadores”. Marçal teria recebido entre R$ 300 e R$ 350 por mês.
Recentemente, o candidato disse que não tinha conhecimento do esquema de fraude bancária. “Ano que vem, que é 2025, vai fazer 20 anos disso. Eu ganhava R$ 350 trabalhando para esse cara. Ele me colocava para consertar computador e pedia algumas coisas. Lá na sentença está escrito que eu não auferi lucro nenhum. E desafio. Ache alguma coisa que eu ganhei com isso que eu vou imediatamente fazer um Pix pagando. Fui processado durante 13 anos de forma injusta”, disse o candidato em um podcast.
Crimes eleitorais
No ano passado, Marçal também foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF), que investigou falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita eleitoral e lavagem de dinheiro durante as eleições de 2022. Na época, Marçal foi candidato à Presidência e à Câmara dos Deputados pelo Pros, mas, em ambos os casos, teve as candidaturas barradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por irregularidades jurídicas no partido.
Segundo a PF, Marçal e um sócio de uma de suas empresas fizeram doações a campanhas, que, posteriormente, redirecionaram os recursos às próprias empresas.
Na época, Marçal fez uma transmissão ao vivo na qual disse que a operação estava investigando doações lícitas, movimentadas para “usar as aeronaves e veículos de propriedade empresarial do grupo societário” da qual faz parte “com escopo eleitoral”.
“Quero ressaltar que a perseguição política engendrada contra a minha pessoa é fruto do pacote que todos estão sofrendo por terem apoiado o presidente Bolsonaro. Claramente existe uma tentativa de silenciar as vozes daqueles que defendem a liberdade nessa nação”, afirmou à época.
“Eu estou animado com a perseguição, porque perseguição aumenta a conexão com aqueles que foram chamados. Aumenta sua prosperidade, faz com que você fique mais forte. Eu quero é que o peso da lei recaia sobre mim, mas recaia sobre todos. Estão fazendo um regaço com a minha vida e estou animado”, disse.
Amizade com suspeitos
O candidato também mantém relações de amizade com pessoas suspeitas de ligação com o crime organizado. Uma delas é o influencer e empresário Renato Cariani, que foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por tráfico de drogas, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Segundo a corporação, Cariani teria desviado produtos químicos para a produção de toneladas de drogas. “As investigações revelaram que o esquema abrangia a emissão fraudulenta de notas fiscais por empresas licenciadas a vender produtos químicos em São Paulo, usando ‘laranjas’ para depósitos em espécie, como se fossem funcionários de grandes multinacionais, vítimas que figuraram como compradoras”, informou a PF na época da Operação Hinsberg.
Outro nome que está muito próximo de Marçal é o do presidente nacional de seu partido, o principal fiador da candidatura do coach: Leonardo Alves de Araújo, conhecido como Leonardo Avalanche. Em uma conversa com Thiago Brunelo, filho de um dos fundadores do PRTB, Avalanche fala que foi um dos responsáveis pela soltura de André do Rap, um dos líderes de uma facção criminosa. Ele está foragido desde 2020, quando foi solto após ser beneficiado por uma decisão do então ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Eu sou o cara que soltou o André [do Rap]. A turma não sei se vai te contar isso. Esse é o meu trabalho, entendeu? A próxima, agora, a gente vai botar um lugar acima dele. Esse é o meu dia a dia […] Eu faço um trabalho bem discreto”, afirmou Avalanche em áudio divulgado pela Folha de S. Paulo.
No mesmo áudio, Avalanche afirma ter relações com Francisco Antonio Cesário da Silva, conhecido como Piauí, ex-chefe da mesma facção criminosa na favela de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, segundo investigação da Polícia Civil. Marçal foi visto com o irmão de Francisco, Valquito Soares da Silva, na comunidade. Ambos tiraram uma foto, que posteriormente foi publicada nas redes sociais.
Marçal também tem relação com Tarcísio Escobar de Almeida e Júlio César Pereira, investigados por tráfico de drogas e organização criminosa. Segundo uma apuração do Estadão, Escobar já foi nomeado presidente do diretório estadual do PRTB pelo próprio Avalanche em março deste ano. Ele teria ficado apenas três dias no cargo, por não ter título de eleitor, mas o suficiente para se apresentar como dirigente e ter reuniões com aliados.
Escobar e Pereira foram indiciados no ano passado. De acordo com a Polícia Civil de São Paulo, ambos utilizavam o dinheiro da venda de veículos de luxo para a compra de grandes quantidades de cocaína, que era revendida a preços elevados, com a ajuda de um integrante de uma facção criminosa.
Tanto Marçal quanto Avalanche negam qualquer relação com o crime organizado.