‘Farsa e ataque à vida dos povos indígenas’, diz Apib ao se retirar de mesa de conciliação no STF sobre marco temporal
Brasil de Fato
Em coletiva de imprensa, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apontou os motivos que levaram a se retirar da comissão de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal. A decisão foi anunciada nesta quarta-feira (28), durante audiência pública na Corte.
“Nesse momento, estamos nos retirando dessa mesa de conciliação, porque ficou muito claro que é uma farsa e um ataque à vida dos povos indígenas”, declarou Edinho Macuxi, Tuxaua do Conselho Indígena de Roraima (CIR). “Nós estamos indo para o nosso território, vamos fazer essa frente de luta, entendendo que nós também vamos ainda sofrer perseguição, vamos sofrer grandes ameaças, mas a gente não vai abrir mão do nosso território. O marco temporal, para nós, não existe, os nossos diretos não podem ser negociados, a nossa vida não pode ser negociada”, afirmou.
Os indígenas criticam a sub-representação da Apib na composição da comissão, e a frequente negativa ou ausência de resposta de pedidos da entidade, que é autora de uma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra a Lei do Marco Temporal. Também defendem que o ministro relator, Gilmar Mendes, adote medida liminar para suspender os efeitos da lei aprovada pelo Congresso. O jurista e advogado da Apib, Maurício Terena, criticou a forma como Mendes tem conduzido as ações e lembrou que a matéria já foi objeto de decisão do STF sobre relatoria de outro magistrado.
“Existe um pedido da Apib para que seja tramitada pelo ministro relator Edson Fachin, que é o relator prevento dentro do direito. O ministro já trouxe a questão do marco temporal no julgamento do recurso extraordinário. O ministro Gilmar não respondeu esse pedido de prevenção. Existem alguns recursos das decisões do ministro Gilmar que estão pendentes de apreciação”, afirmou. “É importante que toda a sociedade brasileira e a imprensa que está aqui presente. Saiba que o Supremo Tribunal Federal já declarou a tese [do marco temporal] inconstitucional, em setembro, por 9 a 2 no plenário virtual”, recordou Terena.
O advogado afirmou que ocorreram conversas com ministros da Suprema corte para que as condições de representatividade fossem garantidas na comissão e defendeu que o Judiciário brasileiro necessita se atentar aos moldes como busca realizar uma conciliação sobre um tema tão complexo. “Todas essas reivindicações que a Apib fez foram conversadas com outros ministros também, e até agora não fomos atendidos, então por isso que hoje chegamos aqui e tomamos essa decisão de maneira clara. (…) Nós confiamos no colegiado dos ministros, que já se posicionou contra a tese do marco temporal. Qualquer medida conciliatória, a partir do dia de hoje, feita sem a presença dos povos indígenas, é uma conciliação ilegítima”, disse.
Coordenação dos trabalhos minimiza retirada da Apib
Durante a abertura da audiência desta quarta-feira (28), o chefe de gabinete do ministro Gilmar Mendes, Diego Viegas, acusou a Apib de tentar esvaziar a comissão de conciliação, e afirmou que as negociações não serão interrompidas pelo posicionamento da articulação. Sobre esse aspecto, Terena acusou o STF de “inovar” e lembrou que a Apib é parte nas ações que tramitam no Supremo, pelo que não pode ser considerada uma representação genérica dos povos indígenas. “A parte autora é insubstituível”, afirmou.
“O que a gente vem percebendo na condução desse processo e o próprio juiz condutor da mesa de conciliação vem dizendo que o Supremo Tribunal Federal está inovando. Ele irá inovar novamente”, afirmou. “Pensem vocês, vocês não indígenas entram com um processo no Poder Judiciário, o juiz marca uma conciliação, vocês falam que não querem, eles vão lá e colocam a vizinha de vocês, colocam outra pessoa que não tem nada a ver com essa questão. Isso é uma medida jurídica incabível”, finalizou, defendendo a suspensão dos trabalhos da comissão e alertando que a protelação do tribunal em reafirmar seu entendimento sobre o marco temporal tende a agravar o cenário de conflitos entre ruralistas e indígenas que têm se espalhado pelo Brasil.
A deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) suplente na comissão de conciliação do STF também pediu a suspensão temporária dos trabalhos e declarou que permanecerá no espaço, embora reconheça como legítimas as reivindicações da Apib. “Estaremos vigilantes para impedir que qualquer retrocesso aconteça contra os direitos dos povos indígenas”, declarou a deputada.
Em resposta aos pedidos, o juiz Viegas disse que “a conciliação continua normalmente”. O Brasil de Fato entrou em contato com o gabinete do ministro Gilmar Mendes para que se posicione sobre as críticas feitas pela Apib, mas não obteve retorno até o momento.
A comissão de conciliação foi criada por Mendes para resolver uma controvérsia gerada por duas decisões diferentes, de poderes distintos. Em setembro de 2023, o STF decidiu que não era possível utilizar o ano de 1985 para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas. Já em dezembro, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023 e restabeleceu o marco temporal. Desde então, quatro ações questionam a validade da lei (ADI 7582, ADI 7583, ADI 7586 e ADO 86), e outra pede que o STF declare sua constitucionalidade (ADC 87).