‘Não restava alternativa do ponto de vista jurídico’, avalia jurista sobre banimento do X/Twitter no Brasil
Brasil de Fato
A qualquer momento, a plataforma X (antigo Twitter) vai sair do ar em todo o Brasil, depois de uma ordem de banimento da rede, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. O magistrado tomou a decisão após a empresa se negar a instituir um representante legal no país. Na quarta-feira (28), Moraes havida dado 24 horas para a rede social atender essa determinação. O prazo venceu às 20h07 de quinta-feira (29).
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi notificada para cortar a rede em todo território nacional e cabe a ela executar a decisão. Já as lojas de aplicativos terão cinco dias para deixar de oferecer o aplicativo da plataforma X.
Para o professor, sociólogo e especialista em mídias digitais Sérgio Amadeu, não há que se falar em censura, já que se trata do descumprimento de ordem judicial baseada na legislação brasileira. Além disso, ele afirma que a inação do Supremo diante do caso poderia abrir um precedente perigoso para o marco jurídico do Brasil.
“Elon Musk não quer cumprir ordens judiciais. As ordens eram específicas sobre perfis criminosos e conteúdos, só que ele não quer cumprir. Então, o que o STF fez foi aplicar o ritual do Marco Civil da Internet“, disse o professor ao Brasil de Fato. “Agora, se o STF aceita que uma empresa não cumpra ordens judiciais, a pergunta é: por que você tem que cumprir?”, questionou.
Amadeu destaca que o empresário sul-africano promoveu transformações na rede X para servir aos interesses da extrema direita mundial, e considerou a decisão de Morais uma resposta à altura.
“O que ele fez foi nitidamente dizer: eu não cumpro ordens judiciais do Poder Judiciário brasileiro. E aí, não tem outra saída porque, senão, o Poder Judiciário fica deslegitimado. Então tem de bloquear os IPs e todas as formas de acesso ao Twitter, para que a República democrática seja protegida contra um playboy que acha que o Brasil é uma ‘república de bananas'”, defende.
A advogada e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) Tânia Maria de Oliveira concorda que não restava alternativa ao Poder Judiciário brasileiro, diante das sucessivas insubordinações do empresário e seu grupo de empresas ao ordenamento jurídico do Brasil. “A decisão é perfeita, não tem muito o que pensar. Ele [Elon Musk] deixou de cumprir decisão judicial que já havia sido dada lá atrás para suspender perfis que estão investigação policial, por participação criminosa de diversas pessoas, inclusive ameaça concreta contra delegado federais. (…) Não restava alternativa do ponto de vista jurídico, a não ser o juiz realmente suspender a rede”, considera.
Na mesma linha, o juiz de direito Rubens Casara afirma que se trata de um “ato judicial que expressa a soberania do Brasil”, pelo que considera uma decisão acertada, diante do descumprimento das decisões judiciais. No entanto, criticou a imposição de multa de R$ 50 mil diária a empresas ou indivíduos que utilizem ferramentas como VPNs e outros sistemas de navegação privada para acessar o X enquanto estiver banido. “A decisão me parece equivocada ao fixar, fora das hipóteses legais, multa para as pessoas que tentem o acesso à rede X por ‘subterfúgios tecnológicos'”, avalia.
Liberdade de expressão
O advogado Thiago Barison avalia que a decisão de Moraes é uma medida dura, de limitação da liberdade de expressão e “estreitamento do pluralismo”. No entanto, ele alerta que o “todo pluralismo é restrito”, a depender das condições sociais em que ele se dá.
“Todo pluralismo é restrito, ele tem limites. Nesta quadra da história, ele vem se restringindo cada vez mais. O capitalismo vende a ilusão de que na democracia liberal o pluralismo é irrestrito. É uma ilusão porque encobre o poder dos grandes grupos capitalistas que controlam os meios de expressão”, pondera.
Apesar disso, Barison considera que a medida é necessária, já que o STF tem sido, com todos seus limites, um muro de contenção sobre o avanço do neofascismo no Brasil. “É preciso fechar os canais pelos quais o neofascismo se alimenta da base popular. Então nós temos que apoiar essas medidas”, defende.
Nesse sentido, o advogado destaca a dupla moral da mídia hegemônica ao tratar as determinações da Justiça brasileira, e decisões similares tomadas em países não alinhados com os Estados Unidos.
“Quando esse tipo de coisa acontece na Rússia, na Venezuela, na China, em qualquer país que não seja alinhado do imperialismo estadunidense, isso é tratado da mesma forma como os bolsonaristas tratam, dizendo que é um regime ditatorial. Veja que nada disso leva a mídia a tratar o Brasil como regime. Não, é uma ação do Judiciário, há separação de poderes. Então primeiro é preciso demarcar o que a coisa é na realidade e distinguir da ideologia liberal”, propõe.
Musk, um insubordinado
Na decisão desta sexta-feira, o ministro Alexandre de Morais destaca os “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais e inadimplemento das multas diárias aplicadas, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros, para instituir um ambiente de total impunidade e ‘terra sem lei’ nas redes sociais brasileiras, inclusive durante as eleições municipais de 2024”.
O ministro ainda afirma que a empresa X Brasil foi instrumentalizada por grupos extremistas e milícias digitais, “com massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio, antidemocráticos”, e novamente cita o contexto das eleições deste ano.
Moraes menciona ainda as mensagens publicadas pelo bilionário Elon Musk, em que declarava não se submeter às decisões judiciais brasileiras. Também destacou que o empresário anunciou a extinção da subsidiária brasileira, “com a flagrante finalidade de ocultar-se do ordenamento jurídico brasileiro e das decisões do Poder Judiciário.
Reportagem do Brasil de Fato é citada em decisão
Em um trecho da decisão de Moraes, o ministro cita reportagem do Brasil de Fato sobre a entrada da Starlink no Brasil, marcada por irregularidades. A empresa também é de propriedade de Elon Musk. “Em março, após pedido de acesso a documentos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o site Brasil de Fato colocou uma troca de mensagens entre representantes do Ministério das Comunicações e a SpaceX, indicando uma pressão da empresa para agilizar a autorização do serviço no País pela Anatel. No sistema eletrônico da agência, os dois últimos processos relativos à Starlink estão censurados como ‘acesso restrito'”, escreveu o ministro.
A reportagem destacava ainda a relação entre a revenda de sinais de internet da Starlink para a compra de ouro e cassiterita extraídos ilegalmente da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.