Indígenas retomam área no Pará sob domínio da Agropalma e são agredidos por seguranças
Brasil de Fato
Um grupo de cerca de 50 indígenas Turiwara ocupa, desde o dia 19 de agosto, parte da fazenda Roda de Fogo, de 22 mil hectares, no município de Tailândia (PA). O território é alvo de disputa entre a Agropalma, que tinha a posse mas teve a matrícula cancelada, e os indígenas, que estão em um movimento de retomada da área.
No dia 22, seguranças da empresa Agropalma, produtora de óleos e gorduras de palma, fizeram uma investida contra os indígenas. “Estamos sofrendo pressão da empresa, muitos já foram atingidos com tiros”, informou um homem, em vídeo publicado em uma rede social. Há denúncias de disparos de bala de borracha e ameaças com arma de fogo.
“Eles foram atingidos com bala de borracha, inclusive uma criança”, informa um porta-voz dos indígenas, que está em contato com o grupo e pede para ter sua identidade mantida em sigilo. Ele explica que a área fica distante da zona urbana e só há sinal de celular em alguns pontos, o que dificulta a comunicação.
Em um vídeo encaminhado pelo WhatsApp, os indígenas mostram cercas cortantes instaladas na região. Embora a Agropalma exerça domínio sobre as terras, elas não pertencem mais à empresa. Uma ação civil pública conduzida pelo Ministério Público do Pará (MPPA) identificou que as matrículas do imóvel foram lavradas em um cartório fantasma. Isso significa que os documentos que a empresa usava para certificar a propriedade são inválidos.
“Aquela área agora é do Instituto de Terras do Estado do Pará. A matrícula foi cancelada, é uma terra pública”, informa o advogado Paulo Weyl, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) que acompanha o conflito fundiário entre a empresa e as comunidades tradicionais daquela região.
No passado, indígenas e quilombolas habitavam o território. Ainda há resquícios dessas comunidades, como os cemitérios onde estão enterrados antepassados dos ocupantes. Na tentativa de reaver as terras, a Agropalma pediu o desarquivamento de um processo de reintegração de posse movido contra a Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade da Balsa, Turiaçu, Gonçalves e Vila Palmares do Vale do Acará (ARQVA) e de outros “terceiros incertos e desconhecidos”, segundo o processo. Como resposta, a associação emitiu um comunicado informando que não há quilombolas envolvidos na ocupação.
“Eles retomaram a aldeia deles. A terra lá nunca teve título, não tem documento, teve um título, mas é falso”, informa Joaquim dos Santos, presidente da associação. “Eles já tinham a aldeia deles lá há muito tempo, foram expulsos e agora retomaram”, diz. Na quarta-feira (28), o delegado Alberone Lobato, da Delegacia de Conflitos Agrários, esteve no local. O Brasil de Fato entrou em contato com a Polícia Civil que informou que, por enquanto, não irá se manifestar sobre o caso.
Em resposta enviada à reportagem, a Agropalma mantém a posição de proprietária da terra. “O intuito da companhia foi o de proteger mais de 700 funcionários que ali se encontram, pois se trata de área de plantio e de atividade de trabalho destes colaboradores. Além da área de produção, também foram afetadas áreas de reserva florestal, que a Agropalma tem o dever legal de proteger. A contenção dos invasores foi feita de forma protetiva e sem qualquer uso de violência”, informa por e-mail. Na resposta, a empresa não menciona os indígenas.
Guerra do dendê
Em 2023, o município de Tailândia tinha cerca de 41 mil hectares de plantação de dendê, de acordo com dados do Mapbiomas. Em 1985, eram 2.031 hectares. A expansão dessas lavouras no Pará, a partir da década de 80, invadiu territórios tradicionais, gerando uma série de conflitos com quilombolas e indígenas Turiwara e Tembé.
Os indígenas denunciam a contaminação dos igarapés pelos agrotóxicos aplicados nas plantações. “A situação do povo indígena Turiwara e Tembé do Alto rio Acará é insuportável, sem terra para trabalhar, sem água potável para consumir, pois os igarapés estão contaminados”, informou a cacica Hilda Turiwara, em carta assinada em 22 de agosto e encaminhada a Nicolao Dino, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.
“A informação que eles nos trazem é que sempre estiveram lá e quando a Agropalma chegou para tornar tudo aquilo monocultura, na década de 80 para 90, houve expulsão deles”, explica o advogado Jorde Tembé Araújo. Naqueles anos, alguns indígenas chegaram a ser recrutados pela empresa para trabalhar no plantio das palmeiras-de-dendê. “Depois que eles deixaram de servir, foram simplesmente descartados”, conta o advogado.
Em novembro de 2023, o indígena Turiwara Agnaldo da Silva, de 33 anos, foi assassinado no território. Ele seguia de moto pela mata, junto de dois amigos, quando os três foram alvejados por seguranças. De acordo com informações do Relatório de Violência Contra Povos Indígenas de 2023, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os três jovens seguiam por uma antiga trilha na direção da floresta, em busca de caça e pesca, porque estavam com dificuldades de encontrar alimentos na área onde viviam, cada vez mais ameaçada pelo avanço da monocultura das palmeiras.