Macron deu ‘bofetada’ na democracia e fortaleceu extrema direita na França, apontam analistas
Brasil de Fato
Ao nomear o político de direita Michel Barnier como primeiro-ministro do país, o presidente Emmanuel Macron deu uma “bofetada” nas tradições democráticas da França e fortaleceu a extrema direita, pois agora depende da aprovação do partido Reagrupamento Nacional (RN) de Marine Le Pen, para garantir a formação de um novo governo.
Essa é a opinião de Paulo Velasco, professor do departamento de Relações Internacionais da UERJ, que destacou o caráter negativo da medida, embora afirme que não se trata de “uma medida ilegal stricto sensu“.
“O primeiro-ministro indicado sequer faz parte dos dois principais grupos [esquerda e extrema direita], porque embora seja um nome conhecido da centro-direita tradicional, não era sequer da própria coalizão do presidente, que ficou em segundo lugar nas eleições”, disse ao Brasil de Fato.
Barnier iniciou nesta sexta-feira (6) os contatos para formar “um governo de unidade”, cuja sobrevivência dependerá de uma decisão da extrema direita sobre apoiar ou não uma moção de censura. Após semanas de consultas, sua nomeação aconteceu graças ao fato de o partido de Le Pen ter descartado, ao menos por enquanto, vetar a indicação enquanto aguarda a divulgação de seu programa de governo.
“A extrema direita acaba se favorecendo porque ela sabe que acaba funcionando como um fiel da balança nessa condição. E há demandas concretas, Macron não vai conseguir o apoio do grupo de Marine Le Pen de graça”, aponta Velasco.
Le Pen, que afirmou que não participará em uma coalizão, reiterou suas prioridades para não votar uma moção de censura contra o novo governo: combater a “imigração fora de controle” e a insegurança, além de modificar o sistema eleitoral.
Em seu primeiro discurso nesta quinta-feira (5), Barnier já citou o controle da migração entre as suas prioridades, assim como o acesso aos serviços públicos, escola, segurança, trabalho e nível de vida.
“Quem teve a última palavra, a mão firme, foi o Reagrupamento Nacional, o que é muito preocupante e muito vergonhoso por parte de um presidente que fez todo esse processo desde o mês de junho, fingindo que ele queria combater esse partido”, disse ao Brasil de Fato a cientista política francesa Florence Poznanski.
Macron provocou uma crise política na França ao antecipar para junho as eleições legislativas que estavam previstas para 2027. A votação deixou a Assembleia Nacional (Câmara Baixa) com três principais blocos, todos distantes da maioria absoluta.
Para Poznanski, a atitude do presidente francês confirma o discurso da esquerda no país que acusa o presidente de não respeitar o resultado eleitoral. Jean-Luc Mélenchon, líder do partido de esquerda A França Insubmissa (LFI), principal agremiação da coalizão vencedora das eleições parlamentares francesas deste ano, a Nova Frente Popular (NFP), disse na quinta-feira que Macron “negou a democracia” ao nomear o político de direita Michel Barnier como primeiro-ministro do país e que “a eleição foi roubada do povo francês”.
“O presidente acaba de decidir negar oficialmente os resultados das eleições legislativas que ele próprio convocou”, disse Mélenchon num discurso transmitido ao vivo após o anúncio. “A Nova Frente Popular, que ficou em primeiro lugar nas eleições, não ocupará o posto de primeiro-ministro e a responsabilidade de se apresentar aos deputados. Portanto, a eleição foi roubada do povo francês”, afirmou.
Durante todo o processo de negociação para a formação do novo governo, Macron buscou isolar a LFI que acusa o mandatário de “golpe”. Na última semana, o presidente rejeitou nomear como primeira-ministra a candidata de esquerda Lucie Castets em nome da “estabilidade institucional”.
Na quarta-feira, a LFI apresentou uma proposta de destituição de Macron, pela recusa em nomear como primeira-ministra Lucie Castets, candidata da NFP, e convocou uma grande manifestação para o próximo sábado (7).
“Haverá uma primeira mobilização chamada pelos partidos políticos e alguns movimentos estudantis. Agora é o papel da Nova Frente Popular de remobilizar seu eleitorado para justamente demonstrar a insatisfação, o roubo eleitoral, o próprio golpe político feito por Macron e construir a instabilidade política”, aponta Poznanski.
Os sindicatos franceses, por sua vez, estão preparando uma mobilização contra a decisão de Macron para outubro. Para a cientista política, as condições em que Barnier foi nomeado colocam o novo governo em uma grande instabilidade.
“Não vai ser fácil para o Barnier, porque ele não tem maioria nenhuma. Ele não vai poder governar, ele não vai poder trabalhar, certamente. E o próprio Reagrupamento Nacional pode, a qualquer momento, resolver mudar. Não tem acordo, é um ponto de vista político nesse ponto, eles terem tolerado. Então isso cria uma instabilidade política enorme.”
“O que a gente pode entender é que vai ser um período complicado para o Macron daqui até 2027 e ele vai ter que negociar a sobrevivência política dele permanentemente, quase que semana a semana”, aponta Paulo Velasco.
*Com AFP