Cerrado em chamas: número de incêndios no bioma já é maior que total de focos registrados em 2023

Brasil de Fato

O Cerrado está em chamas. 54.298 incêndios atingiram o bioma desde o início deste ano até a metade da segunda semana de setembro. O número já ultrapassa o total de focos computados ao longo dos doze meses de 2023, quando foram registrados 50.713 incêndios. Os dados são do monitoramento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

As queimadas destroem a biodiversidade local e impactam profundamente a vida das comunidades que são guardiãs do Cerrado, como os povos indígenas e quilombolas e as populações ribeirinhas.  

Setembro acaba de começar, e o painel do Inpe mostra que o número de focos de incêndios identificados no bioma até esta terça-feira (10) já é maior do que o total registrado durante todo o mês de setembro do ano passado.

Segundo Isolete Wichinieski, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Articulação Agro é Fogo, os números são um retrato da expansão do agronegócio no Cerrado e da seca que se alastra desde o ano passado. 

“No ano passado, as chuvas não foram abundantes, como era necessário. A seca facilita esse processo [de queimadas] e facilita também a entrada das formas que os grileiros usam para atingir as comunidades. O fogo se torna uma das armas nesse sentido, para que as comunidades sejam impactadas. É uma forma de expulsão das comunidades. Pode ser que não seja uma questão que seja colocada como intencional, mas em si, acaba afetando”, explicou ao Brasil de Fato DF. 

Entre janeiro e agosto de 2024, o fogo consumiu 4 milhões de hectares de mata no cerrado brasileiro, sendo 79% de vegetação nativa. Esse valor representa um aumento de 85% em relação ao mesmo período do ano passado, quando 2,2 milhões de hectares foram queimados. Os dados são do Monitor do Fogo, da plataforma Mapbiomas.

Onde há desmatamento, há fogo

Os incêndios no Cerrado também estão diretamente relacionados ao desmatamento. As queimadas são utilizadas como técnica de limpeza de áreas para pastagem e plantio. Além disso, o solo desflorestado fica mais desprotegido e suscetível ao rápido alastramento do fogo, mesmo que de origem acidental. 

No ano passado, pela primeira vez desde o início da série do MapBiomas Alerta, o Cerrado foi o bioma com maior área desmatada do Brasil, ultrapassando a Amazônia. 

“Isso também é um fator que influencia o aumento das queimadas: a facilidade com que o fogo chega nesses espaços onde há desmatamento e depois ultrapassa os limites das áreas desmatadas, além da falta de controle e de prevenção ao fogo”, destacou Wichinieski. 


Desmatamento avança sobre Matopiba, uma das áreas mais devastadas do Cerrado / Divulgação/IPAM

Em 2023, o Cerrado correspondeu a 61% da área desmatada do país, e a Amazônia a 25%. Apenas no Cerrado, houve um crescimento de 68% no desmatamento em relação a 2022. A expansão da agropecuária é responsável por 97% do desmatamento no país. Os dados são da edição mais recente do Relatório Anual do Desmatamento (RAD) no Brasil, divulgado pelo MapBiomas em maio deste ano. 

O documento também aponta um incremento no desmate de territórios que abrigam comunidades tradicionais e guardiãs do bioma. Na comparação com 2022, o desmatamento em terras indígenas no Cerrado aumentou 188% e 665% em território quilombola (TQ).

O Cerrado é considerado o berço das águas brasileiras, já que abriga os três principais aquíferos da América do Sul – Guarani, Bambuí e Urucuia – e as principais nascentes que abastecem grandes rios no Brasil e oito das doze regiões hidrográficas do país. 

No entanto, a remoção da vegetação reduz a umidade e impacta o ciclo de chuvas e o controle local do clima. Tudo isso contribui para a seca no Cerrado, que este ano, segundo estudo da Universidade de São Paulo (USP), é considerada a pior em 700 anos.


Em seis dias de incêndio, chamas consumiram mais de 10 mil hectares no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros / Foto: Coordenação Comunicação ICMBio

Wichinieski detalhou que o agronegócio também contribui para esse fenômeno. Segundo ela, a monocultura leva ao assoreamento de rios e impacta áreas de recarga hídrica.

“A seca, juntamente com os incêndios, prejudica ainda mais a permanência das comunidades que são guardiãs desse bioma, da floresta, das sementes, da biodiversidade que existe somente no Cerrado”, destacou a integrante da CPT.

Fogo na Chapada dos Veadeiros 

Após seis dias de chamas, o incêndio que se alastrava pela Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso de Goiás (GO), começou a ser controlado na manhã desta quarta-feira (11), segundo informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo o Instituto, “praticamente todos os focos” dentro e nas imediações da unidade de conservação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foram controlados. As equipes ainda lutam para combater um último foco de calor na região do Moinho.

O incêndio, ainda sem informações quanto à origem e às causas, queimou uma área estimada em 8 mil hectares no interior do Parque. Somando a área queimada no entorno da unidade de conservação, a extensão total do dano alcança cerca de 10 mil hectares, conforme o ICMBio.

 

Da Redação