Após sete décadas e 15 anos de estudos, China aumenta a idade de aposentadoria
Brasil de Fato
Pela primeira vez em mais de 70 anos, a China decidiu aumentar a idade mínima de aposentadoria. Em meados de setembro, o Comitê Permanente do 14º Congresso Nacional Popular decidiu aumentar gradualmente a idade de aposentadoria na China, uma medida que vinha sendo estudada e debatida no país havia pelo menos 15 anos.
A idade de aposentadoria para os homens passou de 60 para 63, para as mulheres nos empregos que normalmente exigem trabalho manual, o limite de idade passou de 50 para 55, e para as trabalhadoras de escritório ou serviços, passou de 55 para 58.
A ministra dos Recursos Humanos e Seguridade Social, Wang Xiaoping, argumentou que umas das razões da mudança é que a expectativa média de vida quase dobrou desde a fundação da República Popular da China, passando de cerca de 40 anos para 78,6 anos.
Ela também afirmou que atualmente há um atraso generalizado na idade em que as pessoas começam a trabalhar, em comparação com o passado. “O número médio de anos de educação para a força de trabalho também aumentou de 8 anos na fase inicial da reforma e abertura da China para os atuais 14 anos”.
A mudança na idade de aposentadoria valerá apenas para pessoas nascidas a partir de anos específicos. Assim, não se aplicará aos homens que nasceram antes de 1965, as trabalhadoras braçais que nasceram antes de 1975 e as de serviços que nasceram antes de 1970.
Ao mesmo tempo, a implementação não funcionará de forma completa para todos durante um período de 15 anos. O cálculo adiciona um ou alguns meses na idade mínima para aqueles que estão próximos a se aposentar. A partir de 2040, as idades mínimas de 63, 58 e 55 passarão a valer para todos em cada categoria.
A reforma da aposentadoria na China ainda prevê o aumento de tempo de contribuição de 15 para 20 anos. Mesmo com as mudanças, os números da China continuam estando bem abaixo em comparação com o resto do mundo. No Brasil, por exemplo, o tempo de contribuição mínimo é de 30 anos para mulheres e 35 para homens.
Envelhecimento e declínio populacional
O envelhecimento populacional é uma das maiores preocupações socioeconômicas atuais da China. No final de 1991, o número de pessoas com mais de 60 anos era de mais de 100 milhões. No ano passado, essa população atingiu 297 milhões, passando a responder por mais de 20% da população total.
Já a população em idade ativa, com idades entre 16 e 59 anos, atingiu um pico de 930 milhões de pessoas em 2012. No ano passado ela caiu para 860 milhões.
O panorama não deve mudar, segundo o economista e professor da Universidade de Pequim, Yao Yang. Ele destaca o decrescimento populacional do país, que começou em 2022, e continuou no ano passado, quando o país teve pouco mais de 9 milhões de nascimentos e o número de mortes foi de 11,1 milhões.
“Isso é realmente terrível, a população vai declinar muito rapidamente. Nós teremos cerca de 400 milhões de pessoas acima dos 65 anos até 2045, em algum momento por volta dessa data, então esse é um grande desafio”, lamenta Yao Yang, que pertence ao Centro de Pesquisa Econômica da China, da Escola Nacional de Desenvolvimento.
O fenômeno de aumento da expectativa de vida e redução na taxa de natalidade não é exclusivo da China. Uma análise do Centro de Pesquisa Pew de 2019 com base em dados das Nações Unidas mostra que a única região que terá crescimento populacional neste século será o continente africano, que passará dos atuais 1.4 bilhão para 4.3 bilhões de pessoas em 2100, com a região subsaariana sendo a principal responsável, triplicando sua população no período.
Os dados da ONU mostraram que os segmentos de pessoas com mais de 65 anos é o que mais cresce, e que em 2019, pela primeira vez na história da humanidade, superaram em número as crianças menores de 5 anos.
Ainda segundo a projeção da ONU, a população da China pode cair para 1,313 bilhão até 2050, e para menos de 800 milhões até 2100.
Preocupações
Alguns especialistas na China indicam que a mudança na idade mínima de aposentadoria terá um impacto limitado em termos de arrecadação, principalmente devido a que o limite era um dos mais baixos do mundo, e uma boa parte da população já continuava trabalhando além desse mínimo.
A questão do caixa da Previdência, é um dos argumentos utilizados em países, por exemplo, latinoamericanos que vêm implementando ou debatendo reformas previdenciárias, como no caso do Brasil que implantou uma reforma em 2019 ou o Uruguai, onde no próximo mês um plebiscito promovido pelo PIT-CNT, a central única de trabalhadores do país, visa mudar o sistema reformado em 2019.
Para o economista Yao Yang, a preocupação com as mudanças demográficas na China, não está do lado da produção. Ele afirma que o rápido processo de incorporação da automação e da Inteligência Artificial na indústria podem compensar a redução da população em idade produtiva.
Em relação à previdência e cobertura de saúde, ele afirma que são um desafio mas que existem medidas para lidar a possível falta de recursos no futuro.
“A China tem um enorme setor estatal, o patrimônio líquido do setor estatal, a chamada economia real, excluindo empresas financeiras, é de 60 trilhões de yuans”. Ele afirma que são recursos suficientes para que o Estado possa mobilizar ações ou lucros das empresas públicas para os fundos de previdência. A outra opção era justamente aumentar a idade mínima de aposentadoria para manter um número maior da população em idade ativa.
O verdadeiro desafio para Yang é o cuidado de idosos. Na China, tradicionalmente os avós tendem a se mudar com os filhos, e as casas de repouso são incipientes. Por conta da política de filho único – agora extinta –, cada casal terá que se encarregar de quatro pais e mães, além dos filhos, argumenta o economista. O Estado deverá desenvolver cada vez mais políticas de cuidados, como lares para idosos, em sua avaliação.
Avós e neto no parque Honglingjin em Pequim / Mauro Ramos
A resolução da terceira plenária, que colocou metas de políticas a ser implementadas até 2029, determinou políticas “para responder ativamente ao envelhecimento da população”. De acordo com o texto, serão refinadas políticas e mecanismos “para desenvolver programas e indústrias de cuidados a idosos”, além de desenvolver a chamada “economia prateada” e apoiar a criação de empregos diversos adaptados a idosos.