Partidos não avançam sobre as leis eleitorais, e número de mulheres e pessoas negras para a Câmara de SP é baixo
Brasil de Fato
Das 955 candidaturas à vereança em São Paulo, deferidas pela Justiça Eleitoral, 622 são de homens e 333 de mulheres, sendo 65,13% contra 34,87%, respectivamente, segundo o Portal de Dados Abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A proporção de mulheres aumentou timidamente em relação às eleições municipais de 2020. Num universo de 1.866 candidaturas deferidas, 1.250 eram de homens (66,99%) e 614 de mulheres (32,90%). O crescimento foi de 1,97%.
No recorte de raça, candidaturas de pessoas brancas ainda representam mais que a metade do total. São 163 pretos e 232 pardos, somando 395 negros (41,36%), seguindo a nomenclatura do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Brancos somaram 542 candidatos, representando 56,75% de todas as candidaturas. Indígenas são representados quatro nomes, ínfimos 0,42%.
Nesse recorte, também foi registrado um leve aumento de negros em relação ao pleito municipal anterior. Eram 38,53% dos candidatos, sendo o aumento de 2,83%. Brancos eram 60,08%, e indígenas 0,38%.
Os dados mostram que o percentual de 34,87% de mulheres candidatas ainda está restrito ao que estabelece a Lei das Eleições: cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. O texto da legislação, no entanto, não diz qual dos dois limites percentuais deve se destinar ao sexo feminino. Nesse sentido, as siglas poderiam ter, por exemplo, 70% de candidatas mulheres e 30% de candidatos homens. Mas convencionou-se a estabelecer os 30% como uma espécie de teto para candidaturas femininas.
Beatriz Sanchez, professora substituta no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutoranda do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), afirma que o fato de as pessoas se referirem ao texto como “lei de cotas de mulheres” demonstra “que os partidos estão interpretando a legislação de cotas muito mais como um teto do que um patamar mínimo”.
“Se a gente considera a porcentagem de mulheres e negros na população, a paridade seria o objetivo. Então a gente ainda está muito distante do ideal. Os dados mostram uma inclusão maior do que nas últimas eleições, mas pouco significativo, a passos lentos. Representam mais um respeito à lei do que uma vontade política de incluir as mulheres”, reforça Sanchez.
Apesar de a legislação ser de 1997, foi só nas eleições de 2010 que os partidos passaram a ser obrigados a preencher as cotas, e não somente reservar, mediante a sanções como a impugnação de chapas em caso de desrespeito. Oito anos depois, nas eleições de 2018, as legendas também passaram a ser obrigadas a financiar com pelo menos 30% dos recursos partidários as candidaturas femininas.
A Lei das Eleições, no entanto, não fala de percentuais mínimo e máximo para cada raça, o que é considerado uma lacuna por especialistas. O que há em vigência são resoluções do TSE que determinam a proporcionalidade do financiamento entre as candidaturas, que também vale para as mulheres.
Nesse caso, a destinação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – mais conhecido como Fundo Eleitoral – deve ser feita proporcionalmente ao percentual de candidatas negras em relação ao total de candidaturas femininas e ao percentual de candidatos negros em relação ao total de candidaturas masculinas. Essa divisão foi estabelecida a fim de que os homens negros não sejam privilegiados em relação às mulheres negras.
No caso das cotas para os sexos, a legislação também determina que os partidos devem enviar o montante de recursos proporcional à quantidade de candidatas, respeitando os percentuais de 30% e 70%. Isso significa que se 50% do total de candidaturas for de mulheres, 50% do total do Fundo Eleitoral deve ir para elas.
Fragilidades, lacunas e saídas
A cientista política Beatriz Mendes Chavez, que estuda o financiamento de candidaturas femininas e negras, defende que os dados demonstram que os avanços têm ocorrido de forma “paulatina e gradual”. “A gente está falando da Câmara Municipal de São Paulo, que é a maior câmara municipal de todo o Brasil, com 55 lugares. A gente está falando da cidade mais rica da América Latina, que traz o reflexo de uma política que ainda é muito masculina, conservadora e hostil à participação de mulheres e, principalmente, de mulheres negras”, afirma.
Hoje, dos 55 vereadores eleitos em São Paulo em 2020, apenas 12 são mulheres e 11 são negros, sendo cinco pardos, seis pretos e apenas quatro mulheres. “A questão racial tem sido invisibilizada e negligenciada na política institucional. Isso surge como resultado de processos históricos que têm sistematicamente excluído principalmente mulheres negras dos espaços políticos decisórios. A gente tem como legado uma política extremamente excludente, que acontece por vias institucionais, que garante a participação predominante de homens brancos”, diz a cientista política.
Chavez aponta para algumas das lacunas do processo eleitoral que conformam esse cenário, como uma fiscalização insuficiente. Um exemplo são as candidaturas laranjas, que são apresentadas apenas para cumprir o mínimo que a legislação determinada para cada sexo. Tais candidaturas femininas, no entanto, não recebem o investimento adequado para serem eleitas. Em 2020, a Justiça Eleitoral autuou 141 candidaturas à vereança por fraude à cota de gênero e 107 por serem fictícias em todo o Brasil, num universo de um milhões de autuações, segundo dados do TSE.
A pesquisa também defende que, da forma como a legislação está estabelecida e a fiscalização, enfraquecida, os partidos políticos conseguem concentrar os recursos financeiros em poucas candidaturas, gerando uma distribuição injusta.
“As pesquisas demonstram que as mulheres são fortemente dependentes do financiamento público, porém, acessam muito pouco esse recurso”, explica Chavez. Paralelamente, os homens têm mais acesso a outros recursos que se somam ao Fundo Eleitoral. “Mesmo que a legislação fosse integralmente cumprida, existem outros aspectos, como a construção de capital social e político e apadrinhamento que trazem mais força para as candidaturas restrita a homens. No geral, os homens brancos herdam capital político, redes de contato, a capilaridade nos territórios, o que dificulta ainda mais o sucesso de mulheres nas eleições”.
Em relação à raça, Chavez afirma que um dos desafios enfrentados é o método de verificação da autodeclaração. Hoje, “não existe uma comissão que vai fazer a confirmação em relação às autodeclarações raciais. Para o caso brasileiro, que é um país marcado pela miscigenação, é um desafio muito significativo para inclusão”. De acordo com as candidaturas à vereança em São Paulo registradas pelo TSE neste ano, 65 pessoas mudaram a declaração de raça em relação a eleições anteriores, sendo que 32 delas passaram de brancos para pardos, uma de branca para preta e sete de pardas para pretas, segundo levantou o Brasil de Fato.
Esse é, inclusive, um dos assuntos presentes no Manifesto do Quilombo nos Parlamentos, publicado pela Coalizão Negra por Direitos para as eleições deste ano. Em um dos trechos do documento, a organização recomenda ao sistema de Justiça brasileiro a criação de uma comissão permanente para a implementação da heteroidentificação, um processo de classificação da raça dos indivíduos com base em características fenotípicas, como análise complementar à autodeclaração de raça. A medida, no entanto, é alvo de críticas por se basear em percepções sociais de uma pessoa para a identificação racial de outro indivíduo.
Beatriz Sanchez, professora substituta da USP, traz outras medidas que se somam aos avanços esperados. Uma delas é o sistema de eleição proporcional com lista fechada, quando os partidos determinam a ordem dos candidatos a serem votados previamente.
Hoje, os brasileiros votam em uma lista aberta. Isso significa que a ordem dos candidatos na lista é definida do mais ao menos votado. A quantidade de candidatos eleitos desta lista, tanto aberta como fechada, dependerá dos quocientes eleitoral e partidário. O primeiro é definido pela divisão da quantidade de votos válidos apurados pelo número de vagas a preencher – no caso de São Paulo, 55 cadeiras na Câmara. Já o segundo é determinado pela divisão da quantidade de votos válidos de cada legenda pelo quociente eleitoral. Este valor final definirá quantos da lista serão eleitos, do mais ao menos votado.
Sobre a lista aberta, a quantidade equânime de candidatos pensando nos recortes de raça e gênero não é garantida. Já a lista fechada, com alternância de gênero e raça, “tem se mostrado um sistema eleitoral mais efetivo para promover a inclusão”, afirma Sanchez.