Como Cuba convive com mais de seis décadas de bloqueio
Brasil de Fato
Nos últimos 32 anos, Cuba tem apresentado um informe em cada Assembleia Geral da ONU detalhando o impacto negativo sofrido pelo país por conta do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos.
Desde 1992, todos os anos, o mais alto órgão de debate da ONU tem votado esmagadoramente a favor das resoluções propostas por Cuba, exigindo o fim do bloqueio, por considerá-lo uma violação da Carta da ONU. Desde então, as únicas exceções que invariavelmente se opõem à resolução são os Estados Unidos e Israel, junto com um ou outro aliado ocasional.
No último relatório apresentado à Assembleia Geral da ONU, Cuba afirma que “todas as dificuldades da sociedade cubana não se devem exclusivamente ao bloqueio, mas seria falso afirmar que o bloqueio é o principal obstáculo ao nosso desenvolvimento”.
O documento também afirma que “nenhum país, mesmo com economias muito mais prósperas e robustas do que a de Cuba, poderia enfrentar uma agressão tão implacável, assimétrica e prolongada sem um custo considerável para o padrão de vida de sua população, sua estabilidade e justiça social”.
Este ano, a Assembleia Geral da ONU discutirá e se pronunciará sobre o bloqueio contra Cuba até a próxima segunda-feira (30).
A amizade entre os povos
Nenhum país na história sofreu uma agressão por um período de tempo tão prolongado. Logo após o triunfo da Revolução de 1959, o Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos dos EUA, Lester D. Mallory, enviou um memorando secreto ao então presidente Dwight Eisenhower (1953-1961) sugerindo “a rápida aplicação de todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica de Cuba” a fim de privar o país de “dinheiro e suprimentos, reduzir seus recursos financeiros e salários reais, provocar fome, desespero e a derrubada do governo”. Em seguida, o governo Eisenhower decidiu endurecer sua posição contra Cuba e iniciou um bloqueio econômico total.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Tamara Velázquez López, diretora de comunicações do Instituto Cubano de Amizade com os Povos, afirma que essa situação fez com que, desde o início, a Revolução Cubana fosse obrigada a buscar várias estratégias para evitar o isolamento com o qual se tentou sufocar o país.
Naqueles primeiros anos, ele diz que “ao mesmo tempo em que a propaganda contra Cuba estava se intensificando, havia também uma explosão de visitantes que queriam vir e ver o que estava acontecendo”.
Pessoas de todo o mundo procuravam chegar até o país para poder comprovar com seus próprios olhos como essa desconhecida ilha caribenha, que poucas pessoas sabiam que existia antes da revolução, desafiava a maior potência mundial.
“Internacionalmente, rapidamente se despertou um interesse pelo que estava acontecendo no processo revolucionário de Cuba. Não só entre os setores de esquerda, mas também nos setores mais amplos que queriam conhecer, mas também com vontade de colaborar com o que estava acontecendo”.
Foi assim que o Instituto Cubano de Amizade com os Povos (ICAP) foi criado naqueles anos, como um compromisso com o desenvolvimento da “diplomacia dos povos”. “A ideia era que, mesmo que os governos tentassem isolar Cuba, como forma de pressioná-la a mudar sua orientação política, as relações e os intercâmbios entre os povos deveriam não apenas ser mantidos, mas também ampliados”.
Em 1960, ao mesmo tempo em que era imposto o bloqueio, as primeiras brigadas de solidariedade entre os povos eram criadas pelo ICAP.
Solidariedade contra o bloqueio
“Sempre que me perguntam o que é o bloqueio, eu sempre digo que é muito fácil, mas também muito difícil de explicar”, conta Tamara.
“Por um lado, o bloqueio é um conjunto muito denso de leis e artimanhas impostas pelos Estados Unidos que buscam sufocar a economia cubana. É uma política de cerco para isolar Cuba de todas as formas possíveis. Isolamento econômico, social, cultural e político”.
Da mesma forma que na antiguidade, durante as guerras, os exércitos sitiavam fortalezas, impedindo a entrada de produtos básicos para a sobrevivência de seus habitantes, tentando assim fazer com que se rendessem ou morressem de fome, o bloqueio estadunidense pretende sufocar a vida em Cuba.
“ Quem não passou por isso às vezes tem dificuldade de entender que a vida inteira de um cubano é afetada pelo bloqueio. É uma política criminosa que busca asfixiar economicamente o povo. Ela busca esmagar um povo, gerando fome, miséria e doenças. É uma política que busca punir um povo que decidiu, por vontade própria, construir uma revolução socialista diante do maior expoente do capitalismo, que é justamente o imperialismo norte-americano”.
Tamara brinca dizendo que o bloqueio contra Cuba se deve ao fato de que para os EUA eles são “os vizinhos que se comportam mal na vizinhança, um exemplo que eles querem punir”.
“Tudo isso tem um efeito na vida cotidiana dos cubanos. Todas as coisas simples e cotidianas da casa se tornam difíceis de resolver. Coisas elementares como conseguir material escolar para as crianças ou peças de reposição para eletrodomésticos ou qualquer outra coisa que seja necessária. Tudo se torna difícil e exaustivo, porque você simplesmente não pode sair e obter o que precisa com tanta facilidade. Mesmo em coisas em que o país avançou enormemente, como a produção de medicamentos. Temos uma enorme capacidade instalada, profissionais treinados e um compromisso com o acesso à saúde para todos. No entanto, o bloqueio significa que não podemos importar medicamentos ou mesmo os insumos necessários para produzir medicamentos aqui”.
Estima-se que atualmente mais de 80% dos cubanos jamais viveram um só dia em que Cuba não estivesse bloqueada. O desgaste de que Tamara fala é palpável e diário. Em cada fila para obter um produto ou nas longas caminhadas embaixo do escaldante sol em busca desse ou daquele produto. Uma situação realmente dramática quando se trata de medicamentos que o bloqueio impede de chegar ao país.
Nem todos os problemas se devem ao bloqueio. Mas todos os problemas são agravados pelo bloqueio.
Uma guerra (não) declarada
Durante décadas, os EUA argumentaram que sua política de bloqueio se devia à suposta ameaça da Guerra Fria. No entanto, com a queda da URSS, o bloqueio não foi apenas mantido, mas agravado.
Mais uma vez arrogando para si o direito de decidir sobre outra nação, em 1992 Washington aprovou a “Lei da Democracia Cubana”, conhecida como Lei Torricelli em homenagem a um de seus principais promotores, o democrata Robert Torricelli.
A lei estabelece sanções contra navios que tocam portos cubanos, proibindo-os de entrar nos Estados Unidos por seis meses. Também proíbe que entidades de países terceiros que operem com mais de 10% de capital americano comercializem com Cuba. Uma flagrante violação do direito internacional.
No mesmo ano, Cuba apresentou um projeto de resolução à Assembleia Geral da ONU repudiando o bloqueio. A resolução foi aprovada com apenas três votos contra: EUA, Israel e Romênia.
Após o colapso do campo socialista, Cuba ficou completamente isolada no cenário internacional, perdendo seu principal parceiro econômico e político. Naqueles anos, a ilha passou pela pior crise econômica de sua história, com uma queda de 30% no Produto Interno Bruto (PIB), fase conhecida como o “período especial”.
Apesar de todas as previsões da época, o sistema da Revolução Cubana não entrou em colapso. Mas foi profundamente danificado. Todos os avanços sociais que haviam sido construídos até aquele momento foram fortemente prejudicados.
Em 1996, entrou em vigor a lei eloquentemente chamada de “Lei de Liberdade Cubana e Solidariedade Democrática”, mais conhecida como Lei Helms-Burton. Promulgada sob a administração democrata de Bill Clinton, a lei estabelece que qualquer empresa não estadunidense que fechar contratos com Cuba pode estar sujeita a represálias legais em Washington. Da mesma forma, os gerentes de tais empresas podem ser impedidos de entrar nos Estados Unidos.
A luta pela paz
Ao contrário do que a grande mídia divulga, Tamara afirma que a luta de Cuba sempre foi pela paz.
“Por que a paz? Porque tanto o terrorismo quanto o bloqueio são ameaças à paz. São ações contra a paz. E a paz é a primeira coisa que temos que defender, porque somente na paz podemos nos desenvolver plenamente como sociedades”, ela reflete.
No entanto, ele afirma que Cuba não aspira a “qualquer paz”.
“Como um de nossos vice-presidentes sempre diz, não é a paz dos enterrados, é a paz ativa com soberania e respeito à autodeterminação de cada povo. E isso é o que Cuba defende e defendeu das maneiras mais diferentes”.
“ Assim o fez quando participou das lutas contra o colonialismo no continente africano. Faz isso por meio de suas missões médicas, pois para que um povo viva em paz é preciso prosperar socialmente e nossos médicos, chegando a comunidades onde nenhum médico jamais foi visto. Essa é a paz que aspiramos.”