Como os países vão financiar o Pacto do Futuro aprovado pela ONU? Avaliação é de que faltam recursos
Brasil de Fato
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, no último domingo (22), o Pacto para o Futuro e seus anexos, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre Futuras Gerações, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Após quatro anos de elaboração, o compromisso foi aprovado com o objetivo de fazer com que os países aprimorem e façam valer os sistemas e os acordos multilaterais e os organismos internacionais para evoluir em temas como desenvolvimento sustentável, paz e segurança internacional, clima e direitos humanos pela próxima década.
Apesar dos esforços para tratar de temas importantes para as próximas décadas, como erradicação da fome e sustentabilidade, as discussões realizadas pela Cúpula do Futuro expuseram fragilidades e lacunas, como a tributação sobre empresas transnacionais que têm impacto direto no meio ambiente e de super-ricos.
O financiamento das recomendações enumeradas no Pacto do Futuro não foi discutido com afinco na Assembleia Geral, que sucedeu a Cúpula, e ocorre paralelamente no âmbito da ONU.
José Antonio Ocampo, conselheiro do Club de Madrid – organização que reúne ex-chefes de Estado com o objetivo promover mudanças na comunidade internacional – e que esteve no encontro, afirma que o assunto da taxação de super-ricos até chegou a ser discutido, mas que precisa ser regulado nos debates internacionais.
“Há muitas recomendações em relação ao financiamento para o desenvolvimento. Pode-se dizer que faltam metas específicas”, disse o conselheiro, que também é ex-ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Colômbia. Em suas palavras, a tributação deve fazer parte de uma convenção da ONU para tratar sobre o assunto, cujos termos de referência foram aprovados em agosto, e as negociações da Convenção terão início no próximo ano.
Ao longo de 66 páginas, o Pacto do Futuro cita explicitamente a tributação de super ricos em apenas um trecho, no qual recomenda a exploração de opções de “cooperação internacional sobre a tributação de pessoas físicas de alto patrimônio líquido nos fóruns apropriados”.
Em outra passagem, agora de forma mais geral, o documento fala em “promover a cooperação tributária internacional inclusiva e eficaz” e em melhorar as “atuais estruturas de governança tributária internacional”.
Tributação cabe aos países
Os países que aprovaram o Pacto do Futuro também destacaram no documento que estão “comprometidos em fortalecer a inclusão e a eficácia da cooperação tributária” no âmbito da ONU “levando em consideração o trabalho de outros fóruns e instituições relevantes”. No entanto, Henrique Frota, diretor executivo do Instituto Pólis e assessor da Global Platform for the Right to the City, que também esteve em Nova Iorque, explica que as políticas tributárias são atribuições dos países, e não da ONU.
“Internacionalmente, os países podem fazer acordos para aplicar nos seus territórios. Mas a ONU não pode criar um imposto internacional. E aí o desafio é dentro dos países, e cada país tem um contexto. A extrema direita, muitas vezes negacionista em relação à emergência climática, está crescendo em vários países. Então nem todos os países vão conseguir avançar em relação a esses compromissos internacionais”, explica.
“Tem países que assumiram o compromisso de parar imediatamente a exploração de petróleo. Mas tem o Brasil, por exemplo, que quer expandir a exploração de petróleo até 2030”, ressalta o diretor executivo do Instituto Polis, que fala sobre a tributação, que ainda será discutida, mas destaca que o mesmo vale para o Pacto do Futuro em si.
Frota reforça, então, que as agendas da ONU, tanto o pacto quanto outros acordos como a Agenda 2030, precisam estar alinhadas a uma agenda de financiamento consistente. O assunto deve ser discutido com mais afinco durante a quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4) da ONU, no meio do ano que vem, na Espanha. “Essa agenda é central em relação aos recursos financeiros para bancar todos esses compromissos globais”, afirma Frota.
Hoje não há recursos
Uma das recomendações do Pacto do Futuro é “tomar medidas concretas para evitar que as pessoas voltem a cair na pobreza, inclusive por meio do estabelecimento de sistemas de proteção social bem projetados, sustentáveis e eficientes para todos, que sejam sensíveis a choques”. Financiada pelos estados, a ONU, entretanto, não tem recursos para financiar as suas recomendações nos países.
Inclusive, documentos obtidos pelo e divulgados pelo UOL em janeiro deste ano mostram que o caixa esvaziado das Nações Unidas levou ao congelamento de contratações, fechamento de escritórios e cortes de gastos em diferentes programas.
“O sistema ONU, de certa forma, tem uma visão de que está falido em termos de recursos financeiros. Eles não têm tanto dinheiro assim. Então, os governos dos países têm falado muito em mecanismos para mobilizar o recurso privado das empresas para financiar essas iniciativas”, já que mesmo o discurso dos países é que não há recursos públicos próprios suficientes para implementar as recomendações.
Porém, o alerta é para a forma como os interesses públicos devem se sobressair aos particulares nessa transferência de recursos. “É controverso, especialmente porque nós sabemos que, nos arranjos de parcerias público-privadas, o público sai perdendo. O privado sempre está orientado ao seu lucro e entra na parceria porque os estados reduzem risco.”