Brasil, China e Rússia precisam subir o tom contra Israel, defende comunista libanês

Brasil de Fato

A intensificação dos ataques israelenses ao Líbano, que já deixaram quase 2 mil mortos e um milhão de deslocados até esta quinta-feira (03), gera entre a população libanesa o sentimento de insegurança e de abandono diante da falta de reação internacional.

Essa é a avaliação de Omar Deeb, militante do Partido Comunista Libanês que vive na capital, Beirute. Ao Basil de Fato, ele afirma que o governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, possui “sinal verde” dos Estados Unidos, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia para “encobrir tudo que é feito”.

Se por um lado Israel recebe suporte financeiro, tecnológico e armamentista de seus principais aliados, avalia Deeb, os países que se opõem às ações israelenses “não estão fazendo tudo o que podem”.

“Esperamos um tom mais alto da Rússia, da China e do Brasil, das forças regionais e internacionais que podem, pelo menos politicamente, diplomaticamente e economicamente dar alguns passos […] contra a continuação da guerra e dos crimes.”

Confira a entrevista na íntegra

Brasil de Fato: Quais são as principais consequências para a população libanesa da escalada de ataques de Israel?

Omar Deeb: Tivemos o deslocamento de cerca de 1 milhão de pessoas em duas semanas. A tarefa mais difícil para nós são os deslocados. O que fazer com mais de um milhão de pessoas que tiveram que deixar o sul do Líbano e o subúrbio de Beirute para encontrar diferentes abrigos e casas? É muito difícil, o Líbano é um país pequeno, com seis milhões de habitantes e um milhão repentinamente sem casa. Nas primeiras noites muitos estavam dormindo em seus carros, nas ruas, em tendas. Mas eu acredito que o povo libanês expressou boas formas de solidariedade, em poucos dias casas individuais foram abertas para abrigar famílias inteiras, e também as escolas públicas. As aulas foram interrompidas, então podemos usar as escolas para abrigar os refugiados e também escritórios de ONGs e partidos políticos, tudo o que nós podemos oferecer está sendo oferecido. 

Acreditamos que agora 7% ou 8% das pessoas deslocadas foram abrigadas sob algum teto, onde eles podem pelo menos ter uma forma decente de viver. A próxima tarefa é conseguirmos prover a subsistência para que eles possam continuar a viver com honra. Porque não levaram quase nada quando precisaram deixar suas casas. Isso está sendo um fardo muito pesado para a sociedade libanesa, nós já tínhamos nossos problemas econômicos, mas com a crise humanitária causada por esse brutal ataque criminoso, o povo libanês tem expressado todas as formas de solidariedade.

Nós estamos responsáveis por cerca de mil famílias deslocadas. O Partido Comunista e organizações associadas, ligadas aos movimentos sociais. Isso está criando um enorme fardo, porque tudo o que fazemos não é suficiente para fornecer todo o suprimento necessário. Estamos ajudando a pelo menos evitar que passem fome ou durmam nas ruas ou que tenham problemas de saúde por falta de medicamentos apropriados. Isso já é pesado, mas estamos fazendo a menor parte, estamos falando de um milhão de pessoas, nenhuma pessoa, organização ou partido independente pode resolver isso, nem mesmo nosso governo pode lidar com isso sozinho. Isso é maior que a nossa capacidade. Depois da questão dos deslocados, nossa principal tarefa é aumentar a conscientização, por meio de campanhas internacionais de solidariedade, entre pessoas e partidos de outros países. Isso não é algo que o Líbano pode fazer sozinho. 


‘Sentimos que fomos abandonados’, disse Omar Deeb / Lebanese Communist Party

Como os ataques tem afetado a sua rotina

Vivo nas montanhas de Beirute e daqui posso ouvir as explosões. É um lugar relativamente seguro, apesar de nenhum lugar no Líbano estar seguro, é o lugar menos perigoso. Então ouvimos as explosões ao nosso redor, há alguns quilômetros. Está perigoso em todo lugar, porque você precisa se deslocar, ir visitar as pessoas, ir aos lugares, é difícil no geral, ir ao mercado, ao lugar onde estão os refugiados.

O que mudou desde o atentado a pagers e walkie talkies até agora com bombardeios?

As pessoas estão com mais medo das tecnologias, de tudo o que usamos, computador, aplicativos, telefones. Tudo que utilizamos pode ser usado para nos gravar, rastrear nossa localização, então estamos realmente em um ambiente inseguro, onde o inimigo pode atacar quem ele quiser. Isso está criando um sentimento de insegurança entre toda a população.

Como avalia a reação internacional aos ataques contra o Líbano?

Temos um sentimento geral de que fomos abandonados. Israel tem sinal verde dos EUA, da Otan e dos governos da UE, que estão prontos para encobrir tudo que é feito. Eles usam o Conselho de Segurança, usam sua presença na mídia para transmitir suas mensagens e encobrir seus crimes. Esses países estão fornecendo tudo que Israel precisa, toda a tecnologia e armas sofisticadas. Por outro lado, outras forças não estão fazendo tudo o que podem. Esperamos um tom mais alto da Rússia, da China e do Brasil, das forças regionais e internacionais que podem, pelo menos, politicamente, diplomaticamente e economicamente dar alguns passos que podem fazer a diferença contra a continuação da guerra e dos crimes.

Mas infelizmente há um grande desequilíbrio entre as forças nesse aspecto. Israel tem total suporte dos seus apoiadores, e do outro lado sabemos que as forças têm boa posição mas têm ações limitadas. Por isso o sentimento geral é que fomos abandonados. Então o governo Netanyahu pode fazer tudo o que quer, não há barreiras na lei internacional, ele não se preocupa com nada, ninguém irá pará-lo. Isso realmente cria um sentimento de medo entre a população. A única escolha para as pessoas é persistir, tentar lutar com tudo o que têm para proteger suas vidas, sua existência, seu país, suas casas. 

Temos medo de que as coisas deteriorem rapidamente, de que a escalada vá além porque o governo de Israel não tem limites. Ouvimos que o governo de Joe Biden não concorda com este ou aquele passo, mas isso é uma cobertura diplomática para uma guerra criminosa.

Da Redação