Atentado contra vereadora do Rio reacende debate sobre violência política nas eleições 

Brasil de Fato

Um atentado a tiros contra a vereadora e candidata à reeleição no Rio de Janeiro (RJ) Tainá de Paula (PT), na noite de quinta-feira (3), reascendeu o debate sobre a violência política, principalmente contra as mulheres negras. O incidente ocorreu por volta das 20h, na região da Vila Isabel, na zona norte da capital fluminense.  

“Acabo de ser abordada por dois homens que deram dois tiros de pistola no meu carro, na direção da minha porta, em Vila Isabel. Ando com carro blindado e minhas proteções. Não irão nos parar!”, publicou a parlamentar, logo após o ocorrido.  

Segundo a vereadora, esse é o segundo atentado contra sua vida neste ano. Em maio, ela foi abordada por homens armados em frente à sua casa, na presença do filho e da esposa. De acordo com o relato à época, a ação rápida do motorista, pedindo para que a família permanecesse no automóvel, evitou que houvesse vítimas.  

Em nota, a Polícia Civil do Rio de Janeiro afirmou que a investigação sobre o atentado desta quinta-feira está em andamento na 20ª Distrito Pocial (DP), na Vila Isabel, e que as “diligências iniciais descartam possibilidade de motivação política no crime, tratando-se de tentativa de roubo”. De acordo com o comunicado, “os agentes apuram a autoria do crime”.   

Já a parlamentar cobrou apuração célere e pediu que não seja descartada nenhuma hipótese. “Não podemos descartar nenhuma hipótese no momento. Pode ter sido tentativa de assalto ou uma forma de intimidação, mas também posso ser vítima de violência política. Reafirmo que é preciso investigar esses dois atentados”, afirmou Tainá em um comunicado. 

Reações 

A diretora executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista, lembrou que o atentado contra Tainá ocorre no mês em que acontece o Tribunal do Júri dos assassinos de Marielle e seu motorista Anderson Gomes. Para ela, o recente episódio reforça a urgência de continuar lutando pela proteção de mulheres negras na política. “Candidatas ao redor do país enfrentaram mais uma corrida eleitoral violenta, marcada por ameaças à sua vida e à sua integridade física”, lamentou.  

Batista afirmou ainda que a violência política, sobretudo contra pessoas negras, não acaba com o encerramento das eleições. “O fim do processo eleitoral não se traduz no fim da violência política: candidatas eleitas continuarão precisando de acolhimento e proteção. Nesse sentido, os partidos precisam estar efetivamente comprometidos em proteger mulheres negras e que a sociedade se levante pelo fim da violência política como premissa fundamental para consolidar nossa democracia, cobrou a diretora do Instituto Marielle Franco.  

O próprio instituto já havia publicado nota condenando o que afirma se tratar de “mais um episódio de violência política de gênero e raça, especialmente direcionada contra mulheres negras que ocupam espaços de poder”. “A intolerância e o ódio que geram esses ataques não podem ser naturalizados, é fundamental que o Estado proteja e garanta a segurança de mulheres negras desde a sua candidatura até que possam cumprir seus mandatos com dignidade quando eleitas! Nos solidarizamos com Tainá! A luta por justiça e pelo direito de existir na política não pode ser interrompida. Tainá não será interrompida!”, publicou o instituto em suas redes sociais. 

O PT também fez uma postagem em que denuncia o caso e destaca o fato de ter ocorrido contra uma parlamentar negra e defensora dos direitos humanos. “O Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores envia todo apoio e solidariedade à nossa companheira e cobramos das autoridades fluminenses uma rápida investigação sobre mais esse crime covarde de violência política contra parlamentares e candidatos do PT”, diz a publicação.

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), figura influente na política carioca, fez um apelo pela segurança da correligionária. “Protejam a Tainá! Força, minha guerreira. Não vão te parar. E não vamos descansar até que quem fez isso pague.”  

O Ministério da Mulher divulgou nota lamentando os recentes casos de violência política, e citando outros que teriam ocorrido durante a campanha eleitoral contra as candidatas Léo Áquilla, em São Paulo, Cíntia Dias, em Goiânia, e Laina Crisóstomo, em Salvador. No comunicado, o ministério afirma que os casos “são gravíssimos” e fazem parte do “fenômeno da violência política contra as mulheres no Brasil”, que tem se agravado.   

“O Ministério das Mulheres se solidariza com todas as mulheres alvo de violência política, está vigilante e solicita aos órgãos competentes uma célere investigação dos casos, responsabilização dos envolvidos e reparação às vítimas, além de trabalhar em políticas públicas na área e para a construção do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres”, diz o texto. 

“É urgente que as mulheres que ocupam espaços de poder e decisão possam atuar politicamente com segurança e dignidade, exercendo seus mandatos e permanecendo nos espaços políticos sem que sejam constantemente ameaçadas e atacadas”, completa. 

O ministério faz ainda um chamado a que, no próximo domingo (6), seja observado o “respeito às candidatas e a garantia do exercício livre e democrático de voto”, finaliza. 

A ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, prestou solidariedade e condenou a violência política contra a parlamentar carioca. “Toda a minha solidariedade à vereadora Tainá de Paula, do Rio de Janeiro, que sofreu ontem uma tentativa de atentado contra sua vida. É a segunda vez que isso ocorre com ela neste ano. Não podemos naturalizar a violência como parte da política. Precisamos de investigação rigorosa e responsabilização! Não irão nos calar”, publicou.

Abaixo-assinado  

A Rede BrCidades, junto a outras diversas organizações e lideranças que atuam na pauta da reforma urbana, fizeram um abaixo-assinado para manifestar “total solidariedade” à vereadora Tainá de Paula e sua equipe. “Tainá, que é militante de longa data da rede BrCidades e da luta pela reforma urbana, tem se destacado como referência na defesa da democracia, do meio ambiente e da justiça social em nossas cidades”, diz o manifesto.  

Para a organização, o ataque, “ocorrido a poucos metros de uma viatura policial, representa uma grave ameaça à democracia e aos direitos daqueles que, como Tainá, lutam para transformar nossas cidades em espaços mais justos e democráticos”, afirma o comunicado, que ainda relembra o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018.

“É inaceitável que, como no caso de Marielle, a impunidade prevaleça. Uma investigação rigorosa e célere é indispensável para que todos os responsáveis sejam devidamente punidos”. Finalmente, os assinantes “exigem das autoridades competentes uma investigação rigorosa e a devida punição dos responsáveis”.  

Violência em crescimento 

Segundo levantamento feito pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, o Brasil registrou pelo menos 299 casos de violência política entre 1º de novembro de 2022 e 15 de agosto deste ano. Foram 145 apenas em 2024, que resultaram em 14 assassinatos. Os dados revelam um crescimento de 130% nos episódios de violência política no período pré-eleitoral deste ano, em comparação com as eleições de 2020.

De acordo com estudo, 77% dos ataques foram dirigidos a pessoas que já exercem mandatos políticos, sendo os partidos PT e Psol as agremiações com o maior número de casos registrados, entre seus correligionários, com 56 e 33 ataques, respectivamente.  

Outros casos 

Em São Paulo, a Polícia Civil investiga uma série de disparos feitos contra o carro da candidata a vereadora Janaína Lima (PP), também na noite de quinta-feira (3), no Jardim São Luiz, Zona Sul da capital paulista. Segundo o boletim de ocorrência registrado no 27º DP do Capão Redondo, os criminosos se aproximaram em uma moto e dispararam 11 vezes contra o carro da candidata, que estava vazio, de modo que ninguém se feriu.   

Em Minas Gerais, no último domingo (29), o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e candidato a vereador na cidade de Gameleira, Zaqueu Fernandes Balieiro, de 45 anos, foi assassinado por outro candidato ao Legislativo do município que tem pouco menos de 5 mil habitantes.

Zaqueu da Vila, como era conhecido o sem-terra, foi encontrado morto e alvejado na traseira de sua caminhonete na manhã da última segunda-feira (30), em uma estrada vicinal na zona rural do município. Ao seu lado, foram encontradas seis cápsulas de bala. 

Ao Brasil de Fato, a Polícia Civil de MG informou que “o suspeito foi autuado em flagrante delito por homicídio e posse de munição de uso restrito” e que a motivação está sendo apurada.  

Da Redação