‘Os mandatos dos movimentos sociais estão colocando a política a serviço dos que mais precisam’, diz dirigente do MST

Brasil de Fato

A participação na disputa eleitoral e a busca por ocupar espaços de decisão e poder têm entrado cada dia mais nas estratégias de movimentos populares e outras organizações da sociedade civil. Em 2024 a tendência crescente se mantém. Só em Pernambuco, o Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) lançou 43 candidaturas para o pleito. Na maior cidade do país, São Paulo (SP), um dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos (Psol), é um dos principais candidatos à prefeitura.

São estratégias nacionais que englobam desde a participação efetiva nas eleições até o lançamento de plataformas com posicionamentos políticos demarcados por essas organizações, como é o caso do manifesto “Quilombo nos Parlamentos”, da Coalizão Negra por Direitos e da manifesta da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. As organizações levam as pautas do direito à terra, à alimentação saudável, à moradia, do feminismo e do antirracismo para a institucionalidade.

Para debater sobre o assunto, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou Vera Lúcia Barbosa, mais conhecida como “Lucinha do MST”. Ela é fundadora do MST e deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT) da Bahia. “Nesses anos [de Temer e Bolsonaro] vivemos retrocessos nas políticas públicas. Isso ajudou as organizações populares a entenderem que esses são espaços importantes em que não podemos retroceder”, diz Lucinha.

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Segundo ela, os movimentos avaliaram que era hora de entrar na disputa não mais apoiando aliados, mas buscar ocupar esses espaços com quadros internos das organizações políticas, imprimindo suas identidades na atuação. “Com nossos mandatos, estamos colocando esse espaço da política eleitoral a serviço dos que mais precisam, com a cara dos que mais precisam”, diz ela.

Lucinha, que é secretária nacional de Movimentos Populares do PT e já ocupou o cargo de secretária da Mulher do Governo da Bahia, destaca que foram os movimentos que levaram as camadas menos valorizadas da população para dentro da disputa do poder. “Quando é que gente da roça, da pequena agricultura, ousava ocupar esses espaços?! E quem traz isso são os movimentos populares – e o MST é um dos protagonistas mais fortes nessa batalha”, conclui. Assista à entrevista na íntegra.

 

Apesar de não ser comprovada a relação entre a estratégia eleitoral dos movimentos sociais e as mudanças nas configurações de raça e gênero do poder legislativo, o fato é que a quantidade de pessoas negras candidatas superou o de pessoas brancas pela 2ª vez, de acordo com dados da Justiça Eleitoral. Pessoas negras representam 52,7% das candidaturas no país.

A quantidade de deputadas negras na Câmara Federal mais que dobrou, de 2018 para 2022, passando de 13 para 29, correspondente a 5,6% da Câmara. O índice é tímido quando consideramos que as mulheres negras são o maior grupo populacional do país, quando consideramos sexo e cor da pele. As negras são 28,5% do Brasil.

Na entrevista, Lucinha traz um saldo da estratégia eleitoral do MST desde 2022, aponta caminhos para o pós-eleições de 2024 e fala da experiência como mulher negra e sem terra na institucionalidade. “Acho que o maior legado que a gente deixa, as organizações populares e o MST, é que estamos fortalecendo a descriminalização da política eleitoral”, conta.

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Com as experiências de mulher negra e militante ocupando cargos de poder, Lucinha aponta que a sobrecarga de tarefas políticas e domésticas persiste mesmo para as mulheres com cargos de alto escalão no poder. “Toda experiência para nós, mulheres negras, principalmente se a gente é do campo, são dolorosas nos primeiros passos. A gente não entra para o campo institucional deixando as outras tarefas que temos. Sempre há uma sobrecarga familiar, das nossas organizações e mais os espaços da política”, avaliou.

Mas a deputada e dirigente sem terra reforça que não se pode desistir de ocupar a política. “A gente tem demonstrado que é urgente e muito importante a participação de mais mulheres na política. Como é que pode a maior parte da população brasileira ativa não estar nos espaços de decisão das políticas, que vão incidir sobre a vida da população?”.

O Trilhas do Nordeste é o programa semanal de entrevistas do Brasil de Fato Pernambuco. O Trilhas pode ser assistido sempre às segundas-feiras, às 19h45, nos canais da Rede TVT e do Brasil de Fato Pernambuco no Youtube.

Da Redação