Gestão Nunes deixa mais de 350 mil pessoas na fila de exames em SP; mais de 220 mil esperam cirurgias
Brasil de Fato
Há um ano o menino Arthur Gabriel, de nove anos, diagnosticado com autismo, espera por uma consulta com um especialista em reabilitação na rede municipal de saúde de São Paulo. Ele mora no bairro de Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista. Em busca de uma solução, a mãe Júlia Guimarães da Silva chegou a procurar ajuda no Centro Especializado em Reabilitação Ermelino Matarazzo, também na zona leste, mas foi mandada de volta para a Cidade Tiradentes, permanecendo sem atendimento até então.
“Nunca tem médico, nunca tem neurologista, nunca tem psiquiatra e quando tem, não tem vaga”, lamenta Julia, que é síndica e mãe de dois filhos. A demora no atendimento do filho tende a agravar o quadro de autismo, segundo ela. “Aí você espera um ano para passar e assim o Arthur precisa tomar medicação, precisa renovar laudo, preencher documentos, formulários, até de transporte público, precisa ser um médico especialista para fazer esse preenchimento e não tem.”
Ainda que dependa dos serviços da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), ela afirma que já teve que pagar exames para o filho, o que foi possível apenas graças a uma vaquinha feita na internet. “Já paguei ressonância, a gente já pagou eletroencefalograma. Como não tem na rede, você fica esperando, aí você tem que arcar, já fiz vaquinha, já fiz rifa para tentar conseguir ajuda para fechar o diagnóstico do meu filho.”
Em julho de 2023, mães de crianças com autismo se reuniram no encontro de lideranças comunitárias no CEU Água Azul para cobrar melhorias na saúde de Cidades Tiradentes. Na ocasião, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) prometeu construir novos Centros Especializados em Reabilitação (CER). A promessa, no entanto, ficou só no discurso. “Eu vou construir três, então você se vira e corre”, disse o prefeito em tom engraçado ao secretário de saúde municipal, Luiz Carlos Zamarco que estava no evento. “Não tem nem o um, nem o dois, nem o três e nunca vamos ter o quatro”, critica Julia.
As longas filas de espera para acessar a saúde pública no município fazem parte do dia a dia do paulistano. Em setembro deste ano, mais de 353 mil pessoas estavam na fila para realizar exames na capital. Outros 222.757 pacientes esperam para realizar cirurgias, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e da Secretaria Executiva de Regulação, Monitoramento, Avaliação e Parcerias (SERMAP).
Compõe essa fila a assistente social Elisabete Cristina do Nascimento, que espera a realização de uma biópsia do útero e teme descobrir tardiamente alguma doença grave. “As filas são grandes de todo tipo de exames, principalmente de oncologia. Eu estou esperando uma vaga para uma biopsia, mas essa foi há uma semana e se isso demorar? O câncer não espera, ele avança.”
Já a filha Valentina de seis anos sofre de cardiopatia e também de dores no ouvido e espera uma consulta com um especialista. “Tem mais de sete meses que a Valentina está na fila esperando o otorrino. Não tem na área. O único lugar que tinha vaga era na Cidade Dutra, só que a gente mora na Cidade Tiradentes, para Cidade Dutra é bem longe, mais de quatro horas de viagem, de ônibus, metrô, então pra mim é bem complicado”.
Segundo ela, não faltam equipamentos de saúde no bairro, mas sim médicos especialistas. “A dificuldade na Cidade Tiradentes é muito grande. A gente tem várias unidades de saúde, no total 23 unidades contando com hospital. Só que não tem especialistas, então se acontece alguma coisa temos que ir para fora, temos que esperar vagas e muitas vezes essas vagas demoram muito”, critica. “A única coisa que a saúde te garante hoje é que você vai morrer e de verdade na fila. É muito triste saber que você vai morrer na fila.”
Os pacientes ainda enfrentam dificuldades no diálogo com a atual gestão, comandada pelo secretário Luiz Carlos Zamarco, como afirma Paulo Roberto Belinelo, conselheiro municipal de saúde da Zona Leste. “A gestão atual não dá a mínima para o controle social, eles querem ver o controle social distante. Não se ouve a população.”
Falta fazer funcionar o que já existe, segundo o conselheiro. “Nós temos hoje na Grande São Paulo por volta de 470 unidades básicas de saúde e, em todas, faltam profissionais, o RH falta, seja de médicos, enfermeiros, técnicos que se adequem às necessidades da população.”
Além do orçamento insuficiente para o SUS, sindicatos da área da saúde apontam que falta articulação entre as organizações sociais que fazem a gestão dos serviços e a própria Prefeitura. Também há muita rotatividade de médicos devido à precariedade e sobrecarga de trabalho. É o que diz Augusto Ribeiro Silva, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp). “Então, o que a gente precisa que seja feito e que não tem sido feito é uma organização mais ampla e mais centralizada da rede básica de atenção à saúde e a rede especializada, inclusive a contratação de profissionais num número suficiente e a infraestrutura para esses procedimentos cirúrgicos.”
A impressão, de acordo com ele, é que não há interesse da atual gestão em investir na administração direta da saúde municipal. “Não há interesse de investir na saúde, principalmente nos casos em que não há um intermediário que possa se beneficiar com isso. No caso das unidades de saúde e boa parte dos aparelhos de saúde do município eles são geridos por organizações sociais. É uma escolha de manter a precariedade no serviço principalmente na periferia.”
O representante do Simesp ainda diz que “parece que tem uma falta de vontade de contratar”, já que algumas unidades batem metas contratuais com a Prefeitura com menos profissionais contratados do que poderiam ter. “A unidade é capaz de bater a meta dela com menos médicos do que é o necessário. Então mesmo eles tendo financiamento para contratar dez médicos, ela consegue funcionar com cinco, então a população vai sofrer, os trabalhadores, inclusive os médicos vão estar sobrecarregados, mas o contrato é cumprido.”
O presidente do Simesp afirmou que mais de dez unidades de saúde, entre UBSs (Unidade Básica de Saúde) e Assistência Médica Ambulatorial (AMAs) e o Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (CSEB) estão à beira de um colapso depois que a Prefeitura desligou médicos de unidades de saúde que haviam sido contratados durante a epidemia de dengue ocorrida neste ano. As unidades tinham médicos extras até semana passada e deixaram de ter após o primeiro turno da eleição. “Não há motivo para que houvesse mais médicos semana passada e menos essa semana. Então, isso se reflete nas filas que a gente está vendo.”
Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde da cidade de São Paulo não respondeu o que vêm fazendo para diminuir a espera dos pacientes para realizarem exames, cirurgias e consultas. Também não explicou por que não foi construído nenhum Centro Especializado em Reabilitação na Cidade Tiradentes, conforme prometido por Ricardo Nunes.