Influencer por redução de jornada de trabalho é mais votado do Psol no RJ: ‘Sindicatos têm relevância, mas precisam se adaptar’
Brasil de Fato
Influenciador e criador do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), Rick Azevedo, de 30 anos, foi um fenômeno eleitoral no Rio de Janeiro (RJ). Ele foi o vereador do Psol com menos investimentos e mais votos. O próprio partido se surpreendeu.
Para Rick, os 29,3 mil votos que recebeu vêm da força do VAT, que defende o fim da jornada de seis dias de trabalho para um de folga (6×1), “dando voz a trabalhadores que muitas vezes não se veem representados por estruturas tradicionais”.
“O movimento sindical tem uma relevância histórica enorme, sendo responsável por muitas das conquistas que temos hoje”, diz Azevedo. “No entanto, acredito que ele precisa de uma atualização para se adaptar à realidade dos trabalhadores atuais, especialmente daqueles que estão em condições precarizadas ou em setores informais”, avalia.
Desde que saiu de Taipas (TO) aos 17 anos, passando por Palmas (TO) e finalmente chegando ao Rio de Janeiro, Rick levava uma vida comum a muitos jovens negros que buscam melhores condições de vida em metrópoles sudestinas, alternando entre bicos e trabalhos precarizados no setor de serviços.
No último ano, a vida deixou de seguir o roteiro mais previsível. A ascensão meteórica nas redes, e agora na política partidária, deslanchou a partir de um vídeo no TikTok de desabafo e convocação: “estamos vivendo escravidão na pele sem fazer nada”.
“Eu estou querendo saber quando é que nós, da classe trabalhadora, iremos fazer uma revolução nesse país em relação a essa escala 6×1“, disse, depois de receber uma ligação da chefe durante a folga, pedindo que entrasse mais cedo no dia seguinte. Viralizou. Rick passou de balconista de uma farmácia à figura pública da bandeira do fim da escala 6×1 e um influenciador com mais de 200 mil seguidores no Instagram.
Longe de ser uma aposta do Psol, Rick Azevedo recebeu R$60 mil do diretório estadual da legenda para a campanha. Valor bastante mais tímido, por exemplo, que os outros três eleitos do partido: Mônica Benício, William Siri e Thais Ferreira, com R$300 mil cada.
“Acredito que consegui tantos votos porque a minha trajetória fala diretamente com quem está na luta, com quem enfrenta as dificuldades do dia a dia”, pontua o líder do VAT, cuja candidatura enfrentou resistência inicial de sua família. “Eles sabiam que a política é complicada e que eu poderia me frustrar ou me expor a ataques”, explica.
Questionado se a política partidária brasileira caminha para uma composição cada vez maior de influenciadores, Rick considera que “eles têm um papel importante na política, especialmente na capacidade de alcançar muitas pessoas”, mas que “o futuro da política será construído por quem conseguir unir alcance e consistência nas causas que defende”.
Petição com 1,3 milhão de assinaturas e PEC
Assim que o vídeo bombou, em setembro de 2023, Rick criou um grupo de Whatsapp com apoiadores, para decidir o que fazer em prol da pauta. Com limite máximo de duas mil pessoas, a comunidade lotou em menos de uma semana. Foi aí que o nome VAT foi criado.
Fizeram uma petição online intitulada “Por um Brasil que vai além do trabalho: VAT e Ricardo Azevedo na vanguarda da mudança”, pedindo ao Congresso Nacional uma alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela redução da carga horária. O documento já alcançou 1,3 milhão de assinaturas.
A bandeira ganhou apoio da deputada Erika Hilton (Psol), que apresentou, no último 1º de maio, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela redução da jornada de trabalho. A proposta precisa do voto de 171 parlamentares para tramitar. Até o momento, obteve 65. Desta relação com Hilton, chamada de “madrinha” do VAT, veio a aproximação com o Psol e a ideia da candidatura.
Como o VAT se organiza
Atualmente, o movimento se organiza por grupos de Whatsapp e Telegram por estado, com seus respectivos coordenadores. As ações do VAT são, primordialmente, panfletagens e divulgação da petição pública.
Centrado na figura de Rick Azevedo, coordenador nacional, o VAT tem milhares de participantes. Nos grupos, coletam doações para a impressão de materiais e, eventualmente, para viagens de Rick representando o movimento.
“A liderança serve para coordenar e garantir que o movimento siga fiel à sua essência, sem perder o foco nos trabalhadores explorados e precarizados. No VAT, não aceitamos desrespeito com a coordenação, porque ela é fundamental para manter o movimento organizado e com propósito”, diz Rick.
“E, acima de tudo, não permitimos que o movimento se torne algo meramente partidário, pois ele foi criado por e para os trabalhadores, com o compromisso de manter essa luta genuína e coletiva”, afirma o influenciador.
João Ciocca é um dos participantes do grupo de Telegram do VAT de São Paulo. Entrou logo que foi criado, em setembro de 2023. “Entre outras coisas, o que me puxou pro grupo foi perceber que a última grande conquista trabalhista na história brasileira ocorreu com os bancários na década de 1980, com a conquista da jornada de 6 horas por dia e 5 dias por semana, mas que não foi além dessa categoria”, conta.
“Foi também por causa dos estudos que eu expandi a percepção além da minha bolha, aprendendo que a realidade da maioria do povo cai nessa escala 6×1, muitas vezes com patrões que nem a lei respeitam”, diz João, ao lembrar que no mercado perto de sua casa os funcionários recebem um extra para ir ao serviço no dia de folga. “Conversando com uma mulher do caixa, ela me disse que tinha 3 meses que não via a família”, relata.
Para João, o VAT é “um possível berçário de novas lideranças” e “um dos movimentos mais importantes atualmente na luta por direitos trabalhistas, que parece ter ficado abandonada nos últimos 40 anos”.
“Houve melhoria, especialmente nos anos do PT, isso é inegável – mas nenhuma delas mudou estruturas significativas. Pelo contrário, a gente teve a legalização da escala 6×1 nesse meio tempo. Veio a reforma trabalhista no governo golpista do Temer que atacou ainda mais os direitos trabalhistas e que deveria ter sido completamente revogada no primeiro dia desse terceiro mandato do Lula”, avalia Ciocca.
Na sua visão, “Rick conseguiu puxar tanta gente para o VAT” por agir de forma distinta dos sindicatos, “que não têm conseguido demonstrar para as suas bases que eles realmente representam o anseio delas”.
“Falta ao sindicato se adequar às mudanças dos últimos 20 anos no uso da internet, redes sociais e mensageiros para saber falar com e também ouvir as bases”, opina João.
Rick Azevedo avalia que agora o VAT está em “momento de expansão” e que precisa manter o foco na luta pelo fim da escala 6×1 – “nossa batalha”.
“Nosso compromisso é fazer essa luta crescer, mas sem deixar que o VAT se transforme em algo burocrático ou distante das suas raízes”, defende Rick. “A essência do VAT é a luta diária dos trabalhadores e essa conexão genuína não vai se perder”.