‘A visão era devastadora’: professora relata avanço das chamas na Terra Indígena mais incendiada do Brasil
Brasil de Fato
No início de setembro, o fogo chegou perto da escola na aldeia Moxkarakô, na Terra Indígena (TI) Kayapó, na Amazônia paraense. “A visão que se tinha logo pela manhã era devastadora, porque não se conseguia ver as outras casas, do outro lado”, conta a professora Maria Nizan, que mora em São Félix do Xingu (PA) e passa temporadas na aldeia, lecionando para crianças indígenas. Ela estava lá quando as chamas chegaram perto das casas. “Não conseguia ver o céu, de tanta fumaça”, lembra.
A TI Kayapó foi o território indígena mais incendiado em 2024, de acordo com dados do Monitor do Fogo, da plataforma Mapbiomas. Foram, até setembro, 750 mil hectares queimados, o que corresponde a cerca de 18% do território. A aldeia Moikaraka, onde vivem cerca de 250 pessoas, foi a mais afetada, com 169 focos de incêndio.
Em quatro anos de trabalho na aldeia, este foi o maior incêndio que a professora já viu. “Os animais fugindo, tão desesperados… E o pavor era visível nos olhos deles”, conta. Ela lembra de ver cachorros do mato, veados, pacas e nuvens de insetos passando pela aldeia, no sentido contrário do fogo.
“Destruiu as árvores, muitas árvores, espantou pra longe os animais… E dentre essas árvores destruídas, com certeza devem ter ido também os remédios naturais que eles usavam”, lamenta.
As chamas que se alastraram pelo território têm origem nas áreas de garimpo, conforme avalia Jorge Eduardo Dantas, coordenador da frente de povos indígenas do Greenpeace Brasil. “No primeiro levantamento que a gente fez, há uns 20 dias mais ou menos, estava muito claro que as áreas que estavam queimando eram áreas de garimpo. E tudo levava a crer que eram garimpeiros que estavam abrindo novas áreas”, explica Dantas. O levantamento citado foi realizado no mês de setembro.
Em nota, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), informa que a TI teve incêndios florestais nos meses de julho, agosto e setembro. “Relacionados a garimpo em sua maioria”, ressalta o texto.
Os indígenas do território vivem em aldeias ao longo dos afluentes do rio Xingu. A maior parte do território fica em São Félix do Xingu, o município mais incendiado em 2024, com mais de 1 milhão de hectares consumidos pelo fogo; e Ourilândia do Norte. Nesses dois lugares, o garimpo é uma das atividades econômicas de destaque.
“Tanto Ourilândia quanto São Félix do Xingu são cidades muito vinculadas à atividade garimpeira. A gente está falando de uma região em que o garimpo tem um papel econômico importante, um papel político importante também”, explica Dantas.
Entre os dias 6 e 14 de setembro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) realizou a Operação Xapiri – Tuíre Kayapó, de combate ao garimpo na terra indígena. A equipe de fiscalização desmobilizou 24 acampamentos de garimpeiros e 11 infratores foram identificados e autuados.
De acordo com o Ibama, o território tem um dos maiores números de alerta de garimpo no Brasil: foram mais de 2 mil em menos de um ano.