Demolição do Edifício São Pedro provoca discussão sobre preservação da memória em Fortaleza

Brasil de Fato

O prefeito de Fortaleza, José Sarto, informou em suas redes sociais a demolição do Edifício São Pedro. De acordo com ele, “a precária situação da edificação chegou ao limite. Há grande risco de desmoronamento. Os laudos técnicos indicam não ser mais possível a recuperação. Enquanto isso, o imóvel vem sendo depredado e acessado por quem desconhece ou ignora a insegurança. Lamentavelmente, uma pessoa já morreu ali”.

“Diante da falta de intervenções por parte dos proprietários e do decreto do Governo do Estado revogando a declaração de interesse público do imóvel, a situação exige providências, sob pena de colocar mais vidas em risco. Por todas essas razões, a Prefeitura tomou a decisão de fazer imediatamente, por conta própria, a demolição do prédio e cobrar dos proprietários o ressarcimento pelos custos desse serviço”, afirma Sarto.

Kélvin Cavalcante, historiador pela UNILAB e militante das lutas urbanas afirma que “a demolição do Edifício São Pedro está ligada a um processo criminoso e violento que é a especulação imobiliária e a construção criminosa dos arranha-céus na Beira Mar”. Ele lembra que o prédio foi uma das primeiras edificações verticais da praia de Iracema, que funcionou entre 1950 e 1970 como o Iracema Plaza Hotel, apelidado de ‘Copacabana Palace Cearense'”.

Cavalcante explica que, entre 2006 e 2021, esse prédio estava tombado provisoriamente por meio de decreto da Prefeitura de Fortaleza. “Na prática, município e proprietários ficaram obrigados a manter o estado de conservação do prédio, ficando vedadas a demolição, destruição ou mutilação. No entanto, os proprietários nunca tiveram atenção com o edifício. Descumpriram reiteradamente decisões judiciais sobre a preservação.”

O ativista continua: “Em 2014, os donos entraram com uma solicitação de outorga onerosa para a construção de um empreendimento residencial/hoteleiro no Edifício São Pedro. A ideia era construir uma torre de vidro no centro do prédio e manter a fachada como patrimônio histórico, evidenciando uma tentativa de descaracterização do patrimônio”.

Em 2021, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), informou que, por meio da 3ª Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Fortaleza, ajuizou Ação Civil Pública com pedido de liminar com a finalidade de promover a proteção, preservação e manutenção do Edifício São Pedro.

“A ação, ingressada pela promotora de Justiça Ann Celly Sampaio Cavalcante, ocorre em face do Município de Fortaleza e dos proprietários do imóvel, tendo em vista o indeferimento de seu tombamento provisório e a possibilidade de a edificação ser descaracterizada, entrar em colapso ou ser demolida”, informa em matéria divulgada em seu site. E finaliza dizendo: “O bem foi tombado provisoriamente pelo Decreto Municipal nº 11.960, de 11 de janeiro de 2006, o que confere ao imóvel os mesmos efeitos de tombamento definitivo, obriga Município e proprietários a manter o estado de conservação do prédio e veda sua demolição, destruição ou mutilação”. 


Entre 2006 e 2021, esse prédio estava tombado provisoriamente por meio de decreto da Prefeitura de Fortaleza. / Foto: Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará

Descaso

Com o processo de tombamento provisório, por que a manutenção do prédio não foi feita durante esses anos?

Marcelo Capasso, arquiteto e urbanista, doutor em geografia, e pesquisador do Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB)/UFC acredita que essa deterioração é uma estratégia recorrente. “A gente olha para a história de preservação do Brasil, da política de preservação, que é muito recorrente o proprietário abandonar para deixar cair, para criar um fato consumado, e dizer: ‘olha, está aí, não tem mais condições de preservar então vai ter que dar o aval de demolição’.” 

Para Marcelo, ao assumir que o prédio tem que ser demolido, na verdade, o município está premiando o proprietário. Além de eximir da responsabilidade, vai dar aquilo que na verdade estão almejando, que é liberar o terreno para que seja construído um edifício capaz de atualizar o valor do solo naquela localização.

“Em Fortaleza, a grande ameaça que tem sobre a política de preservação é exatamente a especulação imobiliária, o valor da terra. A gente está falando de uma das áreas mais caras de Fortaleza nesse sentido”, diz Capasso.

“A demolição do Edifício São Pedro está sendo tratada como uma questão de segurança pública, porque tem pessoas em situação de vulnerabilidade social que estão ocupando o edifício […] é uma retórica muito conveniente você ativar esse medo nas pessoas”, conclui o arquiteto.

Memória

“Essa demolição, para a cidade de Fortaleza, representa a perda de um dos principais referenciais materiais da expressão urbana pela orla. Ele é o primeiro edifício vertical da Praia de Iracema. É um marco dos serviços hoteleiros aqui da cidade, quando se estava se estruturando a modernização dos serviços hoteleiros. Ele é um marco na paisagem, pela forma como ele se apresenta; ele tem um valor afetivo para a cidade de Fortaleza, então acredito que, para vários grupos sociais daqui de Fortaleza, eles interpretam o edifício quanto bem cultural, quanto parte da memória coletiva, enquanto parte da sua própria memória. Então a gente vai fazer um apagamento de um elemento identitário espacial muito importante”, afirma Capasso.

Demolição

Samuel Dias, secretário de infraestrutura de Fortaleza explica que as intervenções terão duração de 90 dias e estão sendo executadas por uma empresa especializada em demolições, sendo acompanhadas também por técnicos da Secretaria Municipal da Infraestrutura e Defesa Civil.

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Da Redação