Autor de livro sobre enchente de 1941 torna-se desalojado em 2024, em Porto Alegre

Brasil de Fato

O Jornalista Rafael Guimaraens, de 67 anos, autor do livro “A Enchente de 1941”, ficou surpreso com a ironia da situação ao ser ilhado pelas águas do Guaíba em seu apartamento no Menino Deus, um dos bairros atingidos pela enchente de maio deste ano em Porto Alegre. Refugiado no apartamento de uma amiga, com sua mulher e sócia Clô Barcellos (63 anos), ele vivencia uma experiência idêntica à de muitos personagens de seu livro, publicado há 15 anos.

Com cerca de 20 títulos publicados sobre histórias passadas na capital gaúcha, Rafael tornou-se um verdadeiro memorialista da cidade, onde mantém sua editora, a Libretos, cujo acervo restante foi todo levado pelas águas de seu depósito, na rua Voluntários da Pátria. Em uma entrevista à BBC Brasil, Clô ironiza um evento durante a enchente de 2015: “A água entrou e levou só ‘A enchente’ e outra obra, ‘Águas do Guaíba’. A gente até brincou: ‘A água está pegando de volta os livros'”.


” A água está peganado de volta os livros” / Foto: Reprodução

Nascido em Porto Alegre em 1956, Carlos Rafael Guimaraens Filho é neto de Eduardo Guimaraens, famoso poeta vinculado ao simbolismo, e filho do jornalista Carlos Rafael Guimaraens. Na profissão de jornalista, atuou como repórter, editor e secretário de redação da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (Coojornal) e foi editor de política do jornal Diário do Sul, do grupo Gazeta Mercantil. Coordenou a elaboração do projeto editorial da revista Aplauso, da Editora Plural, e trabalha em edição de livros na Editora Libretos.

Como escritor, é autor de obras literárias com ênfase na construção da memória, tendo como palco principal a cidade de Porto Alegre, resgatando episódios históricos conhecidos ou revelando histórias desconhecidas ao público leitor. Escreveu, entre outros, “O Livrão e o Jornalzinho“ (1997); “Tragédia da Rua da Praia” (2005), que recebeu o prêmio O Sul, Nacional e os Livros, como melhor livro de ficção do ano; “Teatro de Arena – Palco de Resistência” (2007), que recebeu o Prêmio Açorianos de Literatura e foi considerado Livro do Ano; “A Enchente de 41” (2009) – Prêmio da Associação Gaúcha de Escritores, melhor livro não-ficção; “O Sargento, o Marechal e o Faquir” (2015) – Prêmio da Associação Gaúcha de Escritores, melhor livro categoria Especial; e “20 Relatos Insólitos de Porto Alegre” (2017), Prêmio Minuano de Literatura do Instituto Estadual do livro.

Pré-candidato a patrono da Feira do Livro de Porto Alegre deste ano, numa campanha endossada por seus colegas jornalistas, Guimaraens conta em entrevista ao Brasil de Fato RS um pouco de sua experiência.

Confira a entrevista:

Brasil de Fato RS: Rafael, o que te levou a se tornar um memorialista de Porto Alegre, com tua série de livros sobre a história da cidade?

Rafael Guimaraens: Na verdade, não foi um plano. Eu guardava materiais sobre a Campanha da Legalidade, que é uma história que me fascina, pretendia escrever algo, um romance talvez ambientado na época. Mas não consegui e resolvi escrever pequenos textos sobre as coisas que eu tinha pesquisado, a aí nasceu o livro “Pôrto Alegre agosto 61”, que acabou sendo muito bem aceito. Um dos textos era sobre o Teatro de Equipe, e a Ivette Brandalise me procurou, disse que o Mario de Almeida queria escrever sobre o grupo e acabamos nos entendendo e saiu o livro “Trem de volta – Teatro de Equipe”. Aí, o pessoal do teatro de Arena também quis um livro, então as coisas foram indo tipo um livro puxando o outro.

Que metodologia usaste para escrever esta sequência de livros, na qual está incluído A enchente de 1941?

São 20 livros, na verdade, quase todos enquadrados no gênero literatura de não ficção. Alguns são essencialmente jornalísticos, como o “Enchente de 41” e os livros sobre os grupos teatrais a que me referi. Em outro, me dou a liberdade de tratar de fatos reais com uma linguagem mais literária, principalmente a partir do livro “Tragédia da Rua da Praia”.

A exceção é “1935”, que é um livro de ficção, mas com muitas interfaces com a realidade. A metodologia é escolher o assunto, traçar um plano, buscas as fontes e ir para a pesquisa. Mesmo quando já estou produzindo o texto, surgem novas questões e eu continuo pesquisando. Virou uma mania.

Trabalhaste com arquivos de jornais? Quais?

Pesquiso nos arquivos Museu de Comunicação, Arquivo Moyses Vellinho, Memorial do RS, o do Correio está fechado. E na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.

No caso de “A enchente de 1941”, já tiveste uma edição levada pelas águas durante a enchente de 2015, esta é a segunda. O que pensas sobre isso?

Em 2015 foram talvez uns 100 livros perdidos, quando aquela enchente invadiu nosso depósito. Agora, certamente foram mais de 500 exemplares, de um total de 12 mil livros perdidos.

Estás reeditando praticamente todo o acervo da editora. Quantos títulos são?

Por enquanto, só reimprimimos o “Enchente de 41”, mas precisaremos reimprimir muitos livros já que a Libertos tem uma banca da Feira do Livro. Estamos analisando, vendo quanto conseguiremos desses financiamentos do governo federal, para, aí sim, decidirmos quais os livros que poderemos reimprimir, que não serão somente os meus.

Pretendes reimprimir todos até a Feira do Livro?

Não teremos dinheiro para reimprimir todos. Estamos avaliando.

Tens em mente escrever alguma coisa sobre a enchente de 2024? Algum ensaio comparativo com a de 1941?

Por enquanto, não tenho planos sobre isso. Na verdade, nem deu tempo de pensar no assunto.

O que achas da situação de Porto Alegre, um porto ligado a vários lugares por pelos menos seis hidrovias [Gravataí, Sinos, Caí, Jacuí-Taquari, Guaíba – Lagoa dos Patos – e Lagoa Mirim] utilizar tão pouco o transporte por água

Vendo de fora, é um absurdo. Lembro que no governo Olívio se falou em dinamizar o transporte fluvial, mas não sei que tipo de investimento isso implicaria.

Afinal das contas, entendes que o Guaíba é um rio ou um lago? Ou um lago cortado por um rio?

O Guaíba tem características de rio, de lago e de estuário. Minha tendência é concordar com a tese do Rualdo Menegat, embora a classificação de lago possa ter consequências desastrosas quanto ao uso das margens pelo mercado imobiliário. No entanto, é pacífico que 80% das águas permanecem muito tempo na bacia e, com elas, a poluição. Se as autoridades atentassem para essa peculiaridade do Guaíba, talvez ele não tivesse sofrido tanto com a poluição.

O que achas do muro da Mauá?

Sempre fui contra, mas com as constantes enchentes me obrigo a mudar de opinião. As mudanças climáticas são uma realidade e em Porto Alegre se manifestam com secas prolongadas seguidas de chuvas incessantes. Portanto, o muro e a cortina de proteção como um todo – avenida Beira-Rio e Castelo Branco – se mostram necessários. E só não funcionaram desta vez pela irresponsabilidade da administração municipal que permitiu o sucateamento das estruturas de funcionamento do muro e das próprias casas de bombas. Me parece que está é uma opinião unânime dos técnicos, independente de posição política.

A proteção contra enchentes de Porto Alegre é suficiente? Deve ser melhorada Mantida

Acho que a proteção contra as cheias deve ser vista de modo amplo, com ações nas cabeceiras dos rios que abastecem o Guaíba, tendo ao centro a recuperação das estruturas ambientais, que foram sucateadas nos últimos anos.

Entendes que se deva construir novas habitações para abrigar os porto-alegrenses atingidos pelas águas, ou utilizar prédios abandonados transformando-os em moradias?

Porto Alegre tem milhares de unidades habitacionais vazias. Acho que a solução poderia começar por aí.

A área da Feira do Livro [de Porto Alegre] foi alagada pela enchente este ano. Achas que deva ser mudada Ou entendes que não corre risco?

Não tenho como opinar. Certamente, a Câmara do Livro está atenta a essas questões e saberá realizar a Feira da melhor maneira possível.

Da Redação