Obras rodoviárias no Distrito Federal ameaçam estação ecológica de Águas Emendadas

Brasil de Fato

A Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESEC-AE) sofre risco de sérios de danos ambientais na região administrativa de Planaltina. O perigo surge da própria ação do governo que está ampliando a rodovia DF-128 em um trecho de 15 km adjacente à unidade de conservação.

Águas Emendadas é uma das mais importantes reservas naturais do bioma Cerrado e ponto crucial onde ocorre a união de duas grandes bacias da América Latina, a Tocantins-Araguaia e a Platina. A reserva também é fundamental para a manutenção de todo o ciclo da vida regional, para pesquisas acadêmicas e para o abastecimento hídrico à população do DF. Pelo conjunto de seus recursos aquáticos é conhecida como “constelação de nascentes”.

Para o governo do Distrito Federal, o objetivo da obra em execução na DF-128 é atender comunidades dos núcleos rurais do DF e, principalmente, o fluxo do DF com o município de Planaltina de Goiás.

Porém, para os Guardiões de Águas Emendadas (GAE), associação da comunidade local e de ambientalistas em prol da conservação da bacia hidrográfica, isso representa um problema grave e de consequências ambientais irreparáveis. A solução ecologicamente correta seria a ampliação da DF-205, alternativa que foi, segundo a entidade ambiental, ignorada pelo GDF.

A política do DF em ampliação de obras nos quadros do nordeste distrital aumentam problemas que a fauna e a flora vem enfrentando na região com o avanço da grilagem de terras, produção monocultora, caça e pesca ilegais, acúmulo de lixo e incêndios florestais.


Localização da área da Estação Ecológica de Águas Emendadas / Foto: satélite TM Landsat 5/Gráfico: Inara Oliveira Barbosa

A dimensão do problema

O alto fluxo de veículos, comprovadamente, aumenta a contaminação por mercúrio na região, realidade já veiculada pelo Brasil de Fato. “Não é apenas uma questão de asfalto, é uma questão de água na torneira e de contaminação da água por mercúrio oriundo da queima de combustível fóssil, como o diesel e gasolina, nas rodovias. Isso escorre e contamina o solo que fica ao lado, como demonstrou recente estudo científico promovido por sete pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB)”, ressalta um estudo técnico realizado pelo GAE.

O mercúrio (Hg ou elemento 80) é um químico altamente tóxico, cancerígeno e causador de sérios danos neurológicos. Na forma de vapor, pode se disseminar pelo ar e afetar a respiração. Além disso, possui duas características que agravam o problema: bioacumulação, onde o elemento se acumula no corpo humano sem ser eliminado, e biomagnificação, que resulta em um aumento progressivo da concentração em organismos vivos.

Devido à sua periculosidade, que afeta água, ar, solo, plantas, animais e seres humanos, o mercúrio foi classificado como um “poluente global de controle primário” pela Convenção de Minamata do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. O relatório da convenção recomenda fortemente a produção de inventários de emissões antrópicas, a mobilização para proteger os ecossistemas aquáticos e terrestres e o monitoramento das concentrações de Hg em regiões geograficamente representativas.


Foto aérea e imagens de satélite mostram a degradação ambiental de um mesmo quadrante na vegetação e nas fontes hídricas da ESEC-AE ao longo dos últimos anos / Foto: Divulgação

Marcelo Benini, morador da região e ativista ambiental do grupo GAE, contou 11 passos entre o asfalto da rodovia em fase de duplicação e a divisa onde começa a ESEC-AE. Ele também considera que a ampliação dessa pista está vinculada ao fato de que o “transporte público de Planaltina de Goiás é de baixíssima qualidade e é uma das maiores queixas da população. Apenas uma empresa presta o serviço e a passagem é a mais cara do entorno. Isso faz com que a maioria das pessoas prefira ir de carro, dividindo a gasolina. Resultado: excesso de carros nos 15km da DF-128 que ligam Planaltina GO até a BR020 e muitos acidentes”.

De acordo com Benini, “o abastecimento nos núcleos rurais da DF-128 é feito pela perfuração de poços individuais. É voz comum na região que a água está sumindo. Para achar água todos estão tendo que gastar dinheiro cavando poços cada vez mais profundos. Isso é o rebaixamento do lençol freático. Se já está assim agora, imagine se a região sofrer um processo maior de urbanização!”.

O abastecimento da população Planaltina de Goiás também depende de Águas Emendadas, já que a água da cidade vem do rio Maranhão, que é alimentado pela nascente de Águas Emendadas e pelo mesmo lençol freático. Nas últimas décadas, há relatos de que a vazão do Rio Maranhão está diminuindo sua disponibilidade hídrica de forma alarmante.

Além da disseminação do elemento 80 e do esgotamento de recursos escassos, a duplicação da DF-128 também aumentado o risco de morte da fauna local. Até 2015, o projeto Rodofauna registrava que as rodovias ao redor de Águas Emendadas tinham o maior índice de atropelamentos de animais silvestres entre as áreas de preservação.

As estradas na região contabilizavam 46% das mortes de fauna. Com a duplicação planejada da DF-128, há uma preocupação crescente de que o número de atropelamentos de fauna silvestre aumente significativamente, exacerbando os já alarmantes índices de mortalidade animal na região.


Jaritataca (Conepatus semistriatus) na Rodovia DF-128 / Foto: Guardiões de Águas Emendadas/divulgação

Benini acrescenta que os órgãos de planejamento e fiscalização ambiental do governo estão sendo coniventes com os causadores do problema.

“O mais absurdo é que tudo é realizado com anuência e licenciamento ambiental do Ibram. O órgão deveria preservar e proteger a estação ecológica não apenas em seu interior, mas também em toda área ao seu redor, como está escrito no plano de manejo da unidade de conservação. Ao invés disso, vem licenciando obras e mais obras. Essas obras estão descaracterizando as áreas rurais e irão aumentar a contaminação por mercúrio em toda borda da ESEAC-AE. Nós respeitamos os servidores do Ibram, mas a atuação do órgão, sob gestão do atual GDF, tem sido lamentável.”

Outra solução é possível

De acordo com Marcelo Benini, uma nova ligação entre Planaltina (GO) e Brasília já poderia estar pronta há muito tempo. A rodovia DF-205 já existe e faltam apenas 11km para ela estar totalmente asfaltada. “Se essa obra já tivesse sido feita, a população de Planaltina já poderia estar usando essa pista como uma segunda opção para Brasília. Isso já diminuiria muito o número de veículos na DF-128.  A DF-205 pode ser uma solução definitiva, podendo ser duplicada, pois na região onde passa não há impedimentos ambientais para uma obra de duplicação.”

Outra medida que beneficiaria a segurança da DF-128 sem impactos devastadores estaria em corrigir a sinalização ao longo da pista com placas educativas e de alerta e investir em mecanismos redutores de velocidade, como radares e quebra-molas, que podem contribuir significativamente para a redução de acidentes. Também seria viável a instalação de “barreiras jersey” nos pontos críticos da rodovia pode impedir ultrapassagens perigosas e o aprimoramento de entradas e saídas dos núcleos rurais da DF-128.

O Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal (DER-DF) informa que, por solicitação do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), está preparando um croqui para “informar as medidas mitigadoras que serão implantados para garantir a proteção da fauna na rodovia DF-128 e na ESEC-AE. Entre as medidas será implantada, sinalização, passagem de fauna e ações educativas para o chacareiros da região”.

O DER informa também que “não existe previsão de desvio para a DF-205, pois no trecho trafegam muitos veículos de grande porte e isso deixaria o trânsito ainda mais pesado”. Já o Instituto Brasília Ambiental “ressalta que ainda não emitiu nenhuma licença ambiental para esta obra”.


Exemplo de corredores para travessia de animais silvestres em rodovias / Foto: divulgação

O grupo GAE também critica a falta de planejamento do GDF em lidar com as alterações no fluxo de animais nativos da região. “Para aumentar a segurança para os animais silvestres e garantir a biodiversidade na região, também é preciso que sejam construídas as chamadas “passagens de fauna”, para que os animais possam se deslocar em maior segurança. Por absoluta omissão das autoridades do DF, não existe nenhuma passagem de fauna na DF-128. Um verdadeiro genocídio ecológico”, destaca o relatório.

“Águas Emendadas deveria ser reconhecida em todo o Brasil e na América do Sul como a nascente símbolo da integração de nosso território. A nascente que une as águas amazônicas e platinas e que contribui para a formação de duas das maiores bacias hidrográficas brasileiras. E bem perto da ESEC-AE está a nascente do rio Preto, um dos grandes formadores da bacia do São Francisco. Ou seja, três das maiores bacias nacionais estão conectadas nessa região”, conclui Benini.

Consideração histórica

O berço hidrológico da área foi identificada na Missão Cruls, iniciada em 1892. Henrique Morize, engenheiro e membro da equipe, descreveu em 1926 que a região de Águas Emendadas no Planalto Central “constitui um quadrilátero com ligeira elevação. Essa elevação é uma espécie de espinhaço, que se pode talvez comparar à cumeeira de uma casa, separando as águas da vertente norte das águas da vertente sul. Mas em alguns pontos é absolutamente insensível, dando isto causa ao phenomeno que os naturaes chamam ‘a água emendada’, em que as correntes do norte partem do mesmo local de onde se derivam as correntes que seguem para o sul”.

A Reserva Biológica de Águas Emendadas foi criada em 1968 pelo Decreto nº 771, localizada a 50 km do centro de Brasília e a 5 km do centro de Planaltina. A unidade é administrada pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e cobre uma área de 10.547 hectares. Destinada à proteção do ambiente natural, realização de pesquisas básicas e aplicadas em ecologia, e educação conservacionista, foi declarada em 1992 como área nuclear da Reserva da Biosfera do Cerrado pela Unesco.

Da Redação