Crise, pânico ou mera especulação? Entenda o vaivém do dólar no Brasil

Brasil de Fato

O Brasil passou por um vaivém cambial nesta semana. A cotação do dólar, que já vinha subindo desde o início do ano, aumentou de R$ 5,60 para 5,70 de segunda para terça-feira (2). Até sexta-feira (5), ela caiu para R$ 5,50.

A oscilação levantou preocupações sobre a economia nacional, já que alta do dólar pode elevar a inflação no país e ter outros efeitos colaterais. Mas o que, de fato, justifica esse sobe-e-desce, considerando que a economia brasileira mantém desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um desempenho acima das expectativas?

O economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explicou que os movimentos têm, basicamente, três explicações: uma externa, ligada à economia dos Estados Unidos; outra interna, relacionada a uma suposta crise brasileira; e uma terceira, ligada à dinâmica de especulação do mercado financeiro.

Fator EUA

Roncaglia disse que a economia estadunidense opera hoje sob uma taxa básica de juros alta para seus padrões. Está em até 5,5% ao ano desde julho do ano passado – em 2022, chegou a estar em 0,5%. Com juros elevados, mais investidores decidem aplicar recursos em títulos do tesouro americano do que em outros investimentos disponíveis mundo afora. Isso reduz a oferta de dólar fora dos EUA e pressiona a cotação da moeda para cima.

“Há um fluxo maior de capitais para os títulos públicos norte-americanos. Com isso, o dólar fica mais valorizado perante outras moedas. O real está sujeito a isso”, reforçou Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento.

Neste ano, numa cesta de 118 moedas, 84 perderam valor ante ao dólar. A cotação do real também caiu. Está, inclusive, entre as que mais se desvalorizaram.

Questão nacional

Essa desvalorização acima da média tem explicações internas, segundo economistas. Ela tem relação com uma desconfiança de agentes econômicos sobre a capacidade de o governo cumprir seus compromissos fiscais e controle de gastos.

O governo havia prometido, no ano passado, gastar menos do que arrecadaria em 2025. Essa meta foi adiada para 2026 em abril, em meio a discursos de Lula de que gastos sociais e investimentos precisam ser preservados. Para quem defende gastos reduzidos a qualquer custo, isso criou uma crise, mesmo com indicadores mostrando a saúde da economia nacional.

“Eles [do mercado] contam uma história de que o Brasil está às portas do precipício, muito endividado, correndo risco de quebrar, de que as contas públicas estão em situação de insolvência”, reclamou a economista Juliane Furno, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), no podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato. “Nada, absolutamente nada, aponta para descontrole das principais variáveis macroeconômicas.”

As previsões mais atualizadas sobre a economia nacional apontam para um crescimento de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 – no início do ano, a previsão era de 1,5%. A inflação deste primeiro semestre diminuiu quando comparada com os seis primeiros meses de 2023, passando de 3,16% para 2,52%. A taxa de desemprego de 7,1% registrada no trimestre encerrado em maio é a menor dos últimos dez anos.

Especulação

Desse temor infundado nasceu a possibilidade de especular para ganhar dinheiro. Esta é a terceira explicação para o vai-e-vem do dólar. O real é uma moeda integrada ao mercado financeiro. Existem investidores “apostando” na sua alta ou queda para ganhar dinheiro. Alguns viram a suposta crise fiscal do país como um motivo para apostar em sua queda, o que tende a impactar no seu preço real.

“Tudo isso tem um componente de tentativa de manipulação do mercado”, disse Cantelmo. “Tem até uma atuação de Roberto Campos Neto [presidente do Banco Central] para que isso ocorra.”

Cantelmo lembrou que Campos Neto afirmou publicamente que o Banco Central (BC) não iria intervir na cotação do dólar, algo que seria uma estratégia comum considerando a busca pela estabilidade no país e as altas reservas cambiais que o país detém.

O BC administra reservas US$ 355 bilhões. Pode vender parte disso quando o dólar sobe para aumentar a oferta da moeda, derrubar sua cotação e ainda aproveitar a oportunidade de ganhos financeiros.

“Campos Neto deveria ter ficado quieto. Não deveria ter falado que não iria intervir”, ratificou Pedro Faria, também economista. “E há agentes de mercado se aproveitando da fala dele e da conjuntura mundial da alta do dólar para ganhar com isso.”

Calmante

Enquanto Campo Neto abriu espaço para mais especulações com o dólar, Lula resolveu acalmar o mercado na quarta-feira. Convocou uma reunião da equipe econômica do governo em meio à alta do dólar e reforçou seu compromisso com o controle dos gastos.

“A gente não joga dinheiro fora. Responsabilidade fiscal não é uma palavra, é um compromisso deste governo desde 2003”, disse Lula.

No mesmo dia, o governo anunciou o bloqueio de R$ 25 bilhões em despesas para o cumprimento das regras do novo arcabouço fiscal. Tudo isso reduziu a pressão contra o real e derrubou a cotação do dólar.

Da Redação