Como fica o debate público com o banimento do X no Brasil?

Brasil de Fato

Nos últimos anos, o debate político tem ganhado espaço nas redes sociais, especialmente na plataforma X, do bilionário Elon Musk, banida no Brasil por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, na sexta-feira (30). Moraes aplicou a lei após a empresa descumprir sucessivas ordens do tribunal. Curiosamente, um dos últimos assuntos em alta na rede, antes de sair do ar, foi “Xandão eu autorizo”, em referência à determinação do magistrado.  

Para o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cláudio Couto, não é plausível pensar que a sociedade fosse se tornar refém de uma rede social para promover o debate político, o que já se verifica com a migração em massa de usuários a outras plataformas e pelo próprio apoio nas redes sociais à determinação de banimento do X.  

“Talvez essa era uma das coisas que o próprio Elon Musk tivesse em mente, que seria possível que nós ficássemos reféns dessa rede social e que consequentemente não houvesse possibilidade de ter outro espaço, mas a própria migração em massa que começou a se verificar ainda ontem para o BlueSky, e também para o Threads, em alguma medida, mostra um efeito positivo, eu diria”, afirma o professor.  

Couto lembra que o X promoveu transformações nocivas em sua plataforma, deixando de fazer a mediação da discussão política e a moderação de diversas formas de violência e incitação ao crime, que passaram a ser legitimadas dentro da rede.  

“Tudo isso aí começou a circular ali sem qualquer tipo de controle, sob o pretexto de que te asseguraria ali uma irrestrita liberdade de expressão. Mas com essas outras redes, de maior moderação, talvez se crie um ambiente mais saudável para debate de modo geral e sobretudo para o debate político, em particular”, pondera Couto. 

Regulação é o caminho 

Renata Mieli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet (CGI) no Brasil, lembra que o X é uma empresa privada como muitas outras que oferecem serviços similares, motivo que a leva a acreditar que o fim da rede social no país não vá comprometer as dicussões coletivas. “Existe debate público para além do X. Nós não podemos ficar reféns de uma empresa privada estrangeira”, afirma.  

Mieli defende a importância da regulação das plataformas digitais, precisamente para garantir que o debate público aconteça nos marcos da legislação brasileira, com segurança jurídica para os usuários e as próprias plataformas, além de orientar as decisões do Judiciário brasileiro.  

“A discussão da regulação das plataformas de rede social é tão central para a democracia e para o mundo contemporâneo, porque são empresas que lidam com uma atividade que é de interesse social, de interesse público, que é justamente a discussão sobre os temas da sociedade, não apenas os políticos e eleitorais, mas os temas da saúde pública, os temas da cultura, os temas do esporte, o entretenimento, tudo isso compõe a esfera pública de debates que acontece hoje de forma muito predominante no interior dessas empresas. Portanto, essas empresas precisam estar em aderência às legislações do país, porque elas lidam com um insumo que é essencial para garantia do Estado Democrático de Direito”, adverte. 

Para Couto, a decisão de Alexandre de Moraes sobre o X pode impulsionar o debate sobre a regulação dentro e fora do Brasil. “Na realidade, a gente ter deflagrado um processo de debate sobre a questão da regulação das mídias sociais, inclusive para fora das fronteiras brasileiras. O Brasil começou a virar um caso exemplar para impulsionar essa discussão mundo afora, e claro, em alguma medida, também no Brasil”.  

No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 2630, conhecido como “PL das Fake News”, busca instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. A norma visa regular o uso das plataformas digitais no país, definindo medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais e a responsabilização de empresas de tecnologia por não tomar medidas para frear a desinformação. O PL já foi aprovado no Senado e aguarda apreciação do plenário da Câmara.

Existe debate pós X 

Na própria sexta-feira em que o X foi banido, a rede social Bluesky anunciou uma atualização que permitirá a publicação de vídeos, o que até o momento não era permitido. “Agora pode ser um bom momento para anunciar que nossa próxima grande atualização de aplicativo terá vídeo”, declarou a empresa, que pertence ao antigo dono do Twitter. A medida é vista como uma estratégia para atrair o público brasileiro, que já não tem acesso ao X.  

Políticos e personalidades, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Janja Silva, passaram a migrar para outras redes sociais, como o Bluesky e o Threads. Nessa última, de propriedade do Instagram, o presidente da República já possui mais de 2,4 milhões de seguidores.  

O deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) foi outro que divulgou o endereço de seu novo perfil no BlueSky e convidou os seguidores a migrarem de rede. E o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) também registrou seu perfil na rede alternativa.  

Quem também anunciou a mudança de rede social foi o médico e um dos mais respeitados cientistas do mundo, Miguel Nicolelis. “Eu estou migrando para o Blue Sky Social e pro Instagram. Quem quiser saber notícias do Instituto Nicolelis e sobre o lançamento do meu primeiro livro de scifi basta me seguir por lá. Espero por vcs. Vamos deixar o playboy pregando na Terra dos Bots apenas pros zumbis digitais”, publicou.  

Perfis famosos na rede X também migraram para outras redes. É o caso do “Fiscal do Ibama”, que debate assuntos relacionados ao meio ambiente, e “Gina Indelicada”, dedicada ao humor político. O influenciador digital Felipe Neto publicou pela primeira vez no BlueSky “para experimentar”, e logo fez sucessivos elogios a rede. “Diferentemente do “X do Musk”, o BlueSky deixou claro que não vai tolerar discurso de ódio e vai lutar por moderação de conteúdo”, comemorou. 

Os representantes da extrema direita, críticos à medida de Moraes usaram seus perfis em outras plataformas para criticar a decisão. A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) usou sua conta no Threads para comparar a decisão do ministro com a Coreia do Norte, e responsabilizou o presidente do Senado Federal, sem dar detalhes dos motivos pelos quais fez a acusação. 

“O Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, eleito por Minas Gerais, é o responsável por todas as barbaridades que estamos testemunhando contra a nossa Constituição!”, escreveu.  

Já o deputado federal Marcel van Hatten (Novo) usou a rede Threads para afirmar que o país havia se tornado uma ditadura, e defendeu a prisão do ministro Alexandre de Moraes e do presidente Lula. A extrema direita pretende realizar no dia 7 de setembro uma série de atos públicos para pedir o impeachment do ministro do Supremo. 

Mexeu com as ‘fake news’, mexeu com a extrema direita 

Para Couto, a reação barulhenta da extrema direita se deve ao fato de que é o grupo político que mais perde com o controle das plataformas digitais, já que seus representantes têm usado as redes sociais para disseminar desinformação e discursos de ódio e obter benefícios políticos.  

“No saldo líquido dessa história, eu entendo que ela [a extrema direita] perde um importante canal para a difusão de fake news, de desinformação, para a difusão do discurso de ódio. E acho que desse ponto de vista a gente tem um benefício claro aí para a democracia e consequentemente um prejuízo para a extrema direita”, argumenta. 

O professor destaca ainda a importância da determinação do ministro do Supremo, no contexto das eleições municipais. “Ela [a decisão do Moraes] ocorreu justamente no início da campanha eleitoral, evitando que esse descontrole completo do Twitter pudesse gerar danos mais sérios do ponto de vista da disputa eleitoral”, avalia Couto. 

Na mesma linha, o jornalista Leonardo Sakamoto afirmou que o banimento da plataforma foi “uma decisão amarga, mas necessária”, e acredita que possa haver um efeito positivo na produção do debate público.   

“Há um efeito colateral positivo nessa tragédia toda que é a redução no montante de ódio e intolerância que vai circular durante as eleições de 2026. No que pese o X/Twitter ser uma importante fonte de informação para jornalistas e cidadãos e para a fiscalização de atores públicos e a comunicação com eles, há muito a plataforma havia se transformado numa catapulta para espalhamento de ódio”, publicou Sakamoto. “Desde que Elon Musk assumiu seu controle, virou uma terra sem lei”, concluiu. 

 

Da Redação