Governo adia novamente reforma do Imposto de Renda e decide priorizar corte de gastos para ‘salvar’ arcabouço fiscal

Brasil de Fato

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou nesta semana uma mudança drástica em sua política de gastos e arrecadação. A equipe econômica, que até então defendia aumento de impostos pontuais sobre as classes mais ricas do país para elevar a arrecadação e equilibrar as contas públicas, resolveu agora focar seus esforços em cortar gastos.

A alteração do discurso foi registrada em entrevistas concedidas pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do Planejamento, Simone Tebet (MDB). Os dois ministros estiveram reunidos na terça-feira (15) para falar de medidas para redução de despesas.

Após o encontro, Tebet declarou que “chegou a hora de se levar a sério a revisão de gastos”. “Não é possível mais apenas pelo lado da receita resolver a questão fiscal do país”, acrescentou ela, sem dar mais informações sobre seus planos sobre o assunto.

Antes de Tebet, Haddad declarou à Folha de S.Paulo que o corte de gastos se tornou pauta prioritária das conversas dele com o presidente Lula. Disse, inclusive, que o envio da proposta para a reforma do Imposto de Renda (IR) tende a ser adiado para 2025 para que a questão das despesas seja tratada antes entre governo e Congresso Nacional.

A mudança no IR é uma promessa de campanha do presidente Lula. Ele comprometeu-se em elevar a R$ 5.000 a faixa de isenção do imposto. Um projeto para isso seria inicialmente apresentado no segundo semestre de 2023; depois, ficou para o primeiro semestre de 2024; mais tarde, Haddad falou em outubro; depois disso, adiou para 2025.

“Temos agora que resolver antes a questão da reestruturação da despesa”, justificou o ministro à Folha. “Isso vem na frente de qualquer outra coisa.”

Arcabouço fiscal

A urgência do governo em tratar dos gastos vem da constatação de que a regra do novo arcabouço fiscal é incompatível com despesas obrigatórias da União. O arcabouço, que foi proposto pelo governo Lula para substituir o chamado teto de gastos do governo de Michel Temer (MDB), impõe limite para o crescimento das despesas, mas não alterou o valor que, pela Constituição, o governo obrigatoriamente tem que investir em Educação e Saúde, por exemplo.

Na prática, isso faz com que, com o passar do tempo, o Orçamento da União seja cada vez mais comprometido com gastos obrigatórios. No limite, não haveria mais espaço para nenhum gasto federal fora da Saúde e Educação – o que tornaria qualquer governo inviável.

Como o governo não pretende alterar a regra do arcabouço fiscal, que foi aprovada em 2023, resta a ele mudar as fórmulas que definem o seu gasto.

“O arcabouço fiscal está de pé e se manterá de pé. Não há nenhuma sinalização de fazer qualquer tipo de alteração. Consequentemente, é preciso que o Brasil caiba dentro do arcabouço fiscal”, afirmou Tebet, reforçando a intenção do governo de revisar despesas.

Segundo Tebet, os cortes nos gastos serão definidos por Lula. Segundo ela, dependendo das medidas acertadas, a economia de despesas pode chegar a R$ 100 bilhões ao ano. Tebet adiantou que direitos não serão retirados.

Dúvidas e críticas

Enquanto o governo fala dos seus objetivos, mas não cita as medidas que vai tomar para alcançá-los, a ideia do corte de gastos gera dúvidas e críticas em estudiosos.

“Eu fico cada vez mais preocupado com os rumos do Brasil por conta desses movimentos na agenda econômica”, disse Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento. “Manter o arcabouço a qualquer custo afeta diretamente a possibilidade de construção de um país melhor.”

Cantelmo confirmou que o arcabouço é insustentável no longo prazo, considerando os gastos obrigatórios. A opção pelo corte de despesas, no entanto, só favorece aos rentistas e a destruição da máquina pública promotora de mudanças. “Esse é o caminho da bancarrota e travamento das conquistas sociais que precisamos.”

Segundo Cantelmo, já estão se cogitando mudanças na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e o fim da vinculação do salário mínimo às correções das aposentadorias.

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Pedro Faria, também economista, disse que espera que os cortes de gastos sejam, na verdade, correções de problemas em pagamentos indevidos de benefícios sociais. Lembrou que há muito espaço também para o corte de “gastos tributários”, ou seja, dos benefícios fiscais que o governo concede geralmente a grandes empresas.

O valor que o governo federal deixa de arrecadar ao conceder isenções e subsídios a determinados grupos de contribuintes ou segmentos econômicos saltou de R$ 51 bilhões para R$ 647 bilhões de 2003 a 2023, segundo o Ministério do Planejamento.

Faria criticou principalmente a decisão do governo de adiar a reforma do IR. “Essa é a reforma que vai definir o sucesso do governo”, disse ele. “Espero que saia logo.”

Pressão do mercado

Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirmou que a mudança de planos do governo é uma reação à pressão do mercado financeiro. Hoje, alegando um suposto risco fiscal – que Weiss considera inexistente -, investidores cobram juros cada vez mais altos para emprestar recursos à União, o que pressiona a inflação e a economia como um todo.

Weiss disse que o corte de gastos pode ser uma estratégia do governo em busca uma tranquilidade a longo prazo. Para ele, a revisão de despesas responderia aos anseios dos investidores e serviria até como uma barganha para aprovação da reforma do IR. “Sinaliza ao Congresso que já resolveu os gastos e agora pode mudar a cobrança do imposto.”

Da Redação