Rússia avança na Ucrânia: o que está acontecendo no front? 

Brasil de Fato

Na última quarta-feira (16), o Ministério da Defesa russo comunicou que as forças do país assumiram o controle de dois assentamentos nas regiões de Lugansk e Donetsk. Dois dias antes, a pasta informou que as unidades russas haviam tomado a aldeia de Levadnoye, na região de Zaporozhye, e “ocuparam posições mais vantajosas”.

Os avanços se inserem na dinâmica da ofensiva russa no leste da Ucrânia em diversas direções, pressionando cidades consideradas importantes “fortalezas” da defesa ucraniana. Moscou detém a iniciativa das operações militares desde o final de 2023 e, apesar de lenta e gradualmente, vêm conquistando mais áreas em Donetsk, Lugansk e Zaporozhye, regiões que ainda têm pontos sob controle ucraniano, apesar da Rússia já ter formalmente anexado estes territórios.

A última conquista militar de grande impacto estratégico por parte das forças russas aconteceu no início de outubro, quando o país ocupou a cidade de Ugledar, fazendo com que as Forças Armadas da Ucrânia anunciassem a retirada e o recuo das suas tropas do território.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador de Relações Internacionais e Estudos Estratégicos da Universidade Estatal de São Petersburgo, Pérsio Glória, explica que a cidade de Ugledar se insere na arquitetura de defesa estratégica que a Ucrânia formou inclusive antes da guerra iniciada pela Rússia em 2022.

“É uma das ‘cidades-fortaleza’ da Ucrânia. A Ucrânia, desde o começo do conflito, na verdade desde o período da guerra civil, de 2014, estabeleceu alguns pontos de defesa. Por exemplo a cidade de Kramatorsk, Ugledar, a própria Bakhmut, que já caiu há algum tempo, também Avdeevka, que era muito próxima de Donetsk. Eram pontos utilizados pela Ucrânia não só como ponto de defesa, mas como centros logísticos para abastecimento das tropas, para envio de munição para as artilharias”, analisa.

De acordo com ele, “são centro importantes porque algumas destas cidades ficam justamente na junção de rodovias, ferrovias, que são essenciais para envio rápido de suprimentos, munições e outros equipamentos militares”.

Agora, a Rússia pressiona o leste ucraniano em três frentes: Pokrovsk, Kupyansk e Lymansk. No sul, os ataques concentram-se perto de Rabotino, região de Zaporozhye, e no norte, a ofensiva se concentra perto de Volchansk, na região de Kharkov.

Em particular, a cidade de Pokrovsk representa um importante investimento da ofensiva russa. A região é frequentemente citada como estrategicamente importante em termos militares e logísticos, bem como uma “porta de entrada” para a região de Dnepropetrovsk. A importância estratégica de Pokrovsk também reside no fato de ser o centro de abastecimento mais importante para o grupo das Forças Armadas Ucranianas em Donbass.

Contraofensiva russa em Kursk

Paralelamente, Moscou realiza uma operação de contraofensiva em seu próprio território, na região fronteiriça de Kursk, ao norte da linha de frente, após a intervenção das Forças Armadas da Ucrânia neste território em agosto, assumindo o controle de vários assentamentos. O objetivo da incursão ucraniana era justamente buscar alterar a dinâmica da ofensiva russa, forçando as tropas de Putin a distribuir o poder de fogo no leste ucraniano.

Como afirmou ao Brasil de Fato o analista sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, a surpreendente iniciativa ucraniana de realizar uma operação desta magnitude dentro do território russo estava intrinsecamente ligada aos problemas enfrentados por Kiev em outras frentes da guerra. Segundo ele, “o principal objetivo dos ucranianos era alterar o rumo da guerra”.

No entanto, a estratégia adotada por Moscou foi de realizar a evacuação de civis das áreas mais críticas dos confrontos em Kursk e iniciar uma contraofensiva nestes territórios fronteiriços, mas de forma lenta e gradual, sem prejudicar os avanços no leste ucraniano.

Pérsio Glória concorda que a pressão em Donbass não foi prejudicada pela incursão da Ucrânia na região russa de Kursk. O pesquisador aponta que a Rússia vem deixando claro que vê as conquistas no leste ucraniano como uma prioridade da sua operação militar.

“Essa incursão em Kursk não conseguiu parar a ofensiva russa. Entre agosto e setembro, segundo as autoridades russas, os russos avançaram cerca de 1.000 km quadrados. Não sabemos a exatidão destes números, mas é evidente que tem um progresso diário, semanal”, afirma.

Confira a reportagem em vídeo:

Zelensky apresenta “Plano da Vitória” e rejeita concessão de territórios

Enquanto a Rússia continua com os avanços em Donbass, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, anunciou na última quarta-feira, dia 16, os detalhes do chamado “Plano da Vitória”. Contrariando rumores divulgados na mídia na última semana, o líder ucraniano rejeitou qualquer possibilidade de concessão de territórios ucranianos para alcançar a paz.

De acordo com uma publicação de 14 de outubro da revista alemã Der Spiegel, citando fontes do governo ucraniano, Kiev estaria discutindo pela primeira vez desde o início da guerra um cenário em que a Ucrânia poderia se ver obrigada a ceder territórios perdidos para a Rússia como uma forma de resolver o conflito.

“Acreditávamos que a vitória deveria ser a rendição incondicional da Rússia de Putin. Mas não podemos dispensar concessões […] o acordo também deveria ser benéfico para a Rússia”, diz a fonte citada.

“O ‘plano’ de resolução ucraniano não prevê a concessão de territórios ou o congelamento do conflito. Isto não é um congelamento. Isto não é um comércio do território ou da soberania da Ucrânia. Devemos implementar o plano”, disse ele.

A ideia de Zelensky para terminar o conflito inclui garantias de um convite para a Ucrânia ingressar na Otan e mais apoio econômico e militar para os ataques em território russo. Moscou reagiu dizendo que o plano não tem nada de novo e busca “empurrar a Otan” para dentro da guerra.

Enquanto isso, a Rússia continua aproveitando o atual cenário de vantagem no campo de batalha. Segundo o pesquisador Pérsio Glória, o ritmo da ofensiva russa leva em conta a dependência ucraniana do suporte ocidental – e como esta dinâmica gera riscos para Kiev no médio prazo.

“Me parece que, na visão russa, não há muita pressa neste avanço, o importante é garantir o controle desses territórios. Também tem que se analisar o cenário político de curto prazo, porque os EUA estão no período de eleições e isso pode acabar gerando mudanças significativas. Eles [russos] têm plena noção que o esforço de guerra ucraniano depende desse apoio ocidental, dos armamentos e do financiamento, então a estratégia russa talvez seja esperar que esse apoio seja debilitado e avançar aos poucos, enquanto esse apoio continua”, completa.

Da Redação