Marco temporal: indígenas bloqueiam rodovias pelo Brasil em mobilização contra PEC 48

Brasil de Fato

Nesta quarta-feira (30), como parte da mobilização contra o marco temporal convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), rodovias foram bloqueadas em distintas partes do país.  

As manifestações acontecem em meio à possibilidade de senadores da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) trazerem de volta à pauta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48, que pretende cristalizar o marco temporal na Carta Magna.  

No último 10 de julho, parlamentares pediram vista, quando a apreciação de um processo é adiada para poder ser analisado com mais detalhe. O indicativo era que o tema fosse retomado nesta quarta (30), o que não ocorreu até o momento.  

Rodovias travadas 

No Rio Grande do Sul, o povo Kaingang das Terras Indígenas (TIs) de Rio dos Índios, Goj Vezo e Iraí travaram um trecho da BR 386. “Estamos aqui dizendo a esses parlamentares que não aprovem esse projeto genocida contra os povos indígenas e contra a humanidade de modo geral”, afirmou o cacique Luis Salvador, em vídeo feito durante o protesto. 

Outro grupo Kaingang fez uma manifestação na BR-285, interrompendo desde as 8h o acesso entre os municípios de Lagoa Vermelha (RS) e Passo Fundo (RS). “Roubaram nossa terra, querem roubar nosso futuro”, diz uma das faixas estendidas na estrada.   

Em Roraima, os povos Macuxi e Wapichana da TI Tabalascada ocuparam as pistas da BR-174 e da BR-432 na cidade de Cantá (RR). Com pneus e cartazes com escritos como “respeitem nossos direitos” e “nossa história não começa em 1988, sempre estivemos aqui”, indígenas bloquearam a RR-203, principal via de acesso entre a capital Boa Vista (RR) e Amajari (RR). 

No Maranhão, indígenas Guajajara da TI Rio Pindaré interditaram a BR-316 no município de Bom Jardim (MA), a cerca de 280 km da capital São Luís. Em outra região, os Akroá-Gamella travaram a rodovia MA-014, no trecho que conecta as cidades de Vitória do Mearim (MA) e Pinheiro (MA).  

“Nosso marco é ancestral, não à PEC da Morte”, reivindicaram indígenas Guarani Mbya em Ubatuba (SP), em ato na BR-101, no litoral paulista.   

Enquanto rodovias eram bloqueadas pelo Brasil, cerca de 400 lideranças indígenas de diferentes povos marcharam em Brasília da Esplanada até o Congresso Nacional para entregar uma carta ao Executivo, o Legislativo e o Judiciário.  

No documento, a Apib apresenta 25 reivindicações. Entre elas, que o Ministério da Justiça publique a portaria declaratória de 12 TIs; o arquivamento definitivo de PECs que estão em tramitação e retiram direitos indígenas da Constituição; e que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a imediata inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que instituiu o marco temporal.  

As medidas, diz a carta, são necessárias “para conter as violências contra nossos povos, a criminalização e o assassinato de nossas lideranças”. 

O imbróglio do marco temporal 

A tese ruralista do marco temporal prevê que só podem ser demarcadas as TIs que estivessem ocupadas por povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. 

Em 21 de setembro de 2023, o STF considerou a tese inconstitucional. Neste mesmo dia, em afronta ao judiciário, o senador Hiran Gonçalves (PP-RR) apresentou a PEC 48. É esta a proposta que segue tramitando. Paralelamente e ainda naquele mesmo mês, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14. 14701/23, que instituiu o marco temporal e está em vigor até o momento.  

Em seguida, a corte recebeu ações opostas para definir sobre a validade da lei. De um lado, a Apib, a Rede Sustentabilidade e o Psol entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pleiteando a sua derrubada definitiva. De outro, o PL, Republicanos e PP apresentaram uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), para respaldar a Lei 14.701/23. 

Relator das ações, o ministro Gilmar Mendes optou por, em vez de respaldar a decisão de inconstitucionalidade do marco temporal já tomada pelo STF, criar uma mesa de conciliação para rediscutir o tema. Inaugurado em agosto, a comissão – da qual o movimento indígena se retirou – tem trabalhos previstos até o fim de 2024. 

Na carta entregue aos Três Poderes nesta quarta-feira (30), a Apib considera o grupo de conciliação “uma armadilha que desvia o Estado de suas atribuições constitucionais, já que os direitos dos povos indígenas são direitos fundamentais, indisponíveis e inalienáveis”. 

Da Redação