Greve de transportes na Argentina coloca pressão contra o governo e Milei critica paralisação
Brasil de Fato
A greve dos transportes na Argentina desta quarta-feira (30) chegou ao fim tendo como resultado uma pressão ainda maior contra o governo de Javier Milei. Metrôs, trens, aviões e até coleta de lixo foi impactada com uma paralisação de trabalhadores que tinha como objetivo se posicionar contra o ajuste fiscal promovido pela Casa Rosada e a privatização da companhia aérea Aerolineas Argentinas.
Segundo os sindicatos, mais de um milhão de argentinos foram impactados em todo o país com a greve. A paralisação foi articulada pela Mesa Nacional de Transportes, que une os principais sindicatos de trabalhadores de transportes do país.
Todas as linhas de metrô e trem foram paralisadas ao longo do dia. Para o secretário executivo da Associação Sindical dos Metroviários e Pré-metrôs (AGTSyP), Claudio Dellecarbonara, a greve mostrou a força do movimento de trabalhadores, mas ainda precisa de uma agenda de mobilizações até chegar a uma “greve geral”.
“A greve foi uma mostra contundente do movimento trabalhador. Nós participamos como trabalhadores do metrô, mas precisamos de uma agenda ampla para chegar a uma greve geral”, afirmou ao Brasil de Fato.
O sindicalista defende um plano de luta votado pelos sindicatos para enfrentar o “plano de guerra do governo contra os trabalhadores”. “Da forma que o governo vem atuando, não vemos possibilidade de frear esses ataques sem uma greve geral por tempo indeterminado. Eles não vão parar se não paramos os trabalhadores.”
Em entrevista coletiva na noite desta quarta, dirigentes da Mesa Nacional de Transportes afirmaram que essa é a primeira ação dos trabalhadores que ainda vão aumentar nos próximos dias.
“É o primeiro passo do plano de luta. Na próxima semana, com os nossos colegas do Conselho, vamos decidir o que vamos fazer a partir de agora. Se nos atacarem, vamos nos defender”, afirmou Omar Maturano do sindicato de motoristas de trens La Fraternidad.
A greve, no entanto, não foi aderida pela União dos Bondes Automotivos (UTA). O sindicato responsável pelos ônibus tinha uma paralisação agendada para esta quinta-feira (31), mas chegou a um acordo com o governo na noite anterior. Para grupos de esquerda da Argentina, a decisão de cancelar a greve não surpreendeu, já que a União tem uma grande interlocução com a gestão de Milei.
Dellecarbonara reforçou essa ideia e disse que, se a UTA tivesse aderido à greve, quase todos os argentinos teriam sentido os efeitos da paralisação, o que daria ainda mais impacto e pressão contra o governo.
“Foi uma articulação do governo com a UTA para prejudicar a greve. Mas a greve teve êxito, porque mostramos que somos nós, trabalhadores, que geramos riqueza e precisamos ser ouvidos”, afirmou ao Brasil de Fato.
A UTA representa trabalhadores não só de linhas pequenas, mas também de ônibus intermunicipais. A agremiação cobrava um aumento de 25% nos salários dos motoristas, que passaria de 1,06 milhão de pesos (R$ 6.200 aproximadamente) para 1,32 milhão (R$ 7.720 na cotação atual).
O que ficou acordado, no entanto, é um aumento progressivo nos salários até chegar, em janeiro de 2025, a 1,2 milhão de pesos (R$ 7.000), além do pagamento de subsídios no valor de 18,7 bilhões de pesos (R$ 18,7 milhões) por mês para as empresas, sem que o preço das passagens suba.
“A UTA tem interesses particulares que estão ligados ao governo. Com eles seria uma paralisação geral porque ninguém conseguiria sair para trabalhar. Havia trabalhadores de ônibus que queriam, mas que não teriam cobertura e se parassem seriam demitidos”, afirma o sindicalista.
A Aerolíneas Argentinas afirmou que cerca de 27.700 pessoas e 263 voos foram afetados em todo o país. Javier Milei assinou um decreto para facilitar a privatização da companhia aerea. O decreto foi aprovado em primeiro turno na Câmara de Deputados na terça-feira (29) e agora será debatido em um segundo turno antes de ir para o Senado.
O governo argumenta que, segundo uma auditoria geral da nação, a companhia aérea teve um déficit de 1,7 bilhão de pesos (US$ 179 milhões ou R$ 990 milhões) no ano passado. No entanto, a Associação de Pilotos de Linhas Aéreas (APLA) indicou que a Aerolíneas Argentinas economizou 450 milhões de pesos do orçamento do Estado, que poderiam ter sido redirecionados para o povo argentino.
Reação do governo
Mesmo sem dar declarações oficiais sobre a paralisação, o governo de Milei tentou desmobilizar a greve. Primeiro, enviou uma mensagem pelo aplicativo Minha Argentina, serviço digital do governo, criticando a greve e os dirigentes sindicais.
“Os sindicalistas não deixam você trabalhar. Como medida de força dos sindicalistas, Moyano e Biró para zelar por seus privilégios, não haverá serviço de transporte nesta quarta-feira. Se te obrigarem a parar, ligue para o 134”, dizia o texto enviado para os usuários. Nas redes sociais, argentinos publicaram vídeos em terminais de trem que reproduziam esse mesmo texto em alto-falantes.
Depois, o próprio presidente fez publicações nas redes sociais criticando os sindicalistas. Em uma delas, é possível ver um homem pedalando em uma bicicleta e uma legenda indicando que ele representava os trabalhadores. Ele carregava atrás da bicicleta um outro homem comendo, que representaria os sindicalistas. A imagem foi publicada com o texto “coerência, por favor”.
Em outra publicação, o presidente afirmava em um texto que “quando você vê líderes sindicais ou políticos na rua é porque algum dinheiro está em perigo”.
O secretário dos Transportes, Franco Mogetta, criticou a paralisação e afirmou, sem provas, que os dirigentes Pablo Moyano, líder do sindicato dos Caminhoneiros, e Pablo Biró, do sindicato de pilotos da Aerolineas Argentinas, se “beneficiam da greve”.
“Falam de soberania, justiça social, liberdade de associação e direito à greve. Para exigir greve, eles fazem greve. Eles são os passageiros do atraso, os pilotos de um trem fantasma, que com todas as suas questões econômicas resolvidas, a única coisa que fazem é tentar cuidar desses privilégios que estavam conseguindo com o último governo e que não tem nada a ver em melhorar a vida de qualquer pessoa”, disse.
Desde a posse, Milei tem adotado medidas ultraliberais de ajuste fiscal e corte de gastos. O contexto da economia argentina, no entanto, tem piorado. Mais da metade da população argentina, ou 52,9%, se encontra atualmente abaixo da linha da pobreza, informou nesta quinta-feira (26) o instituto de estatísticas do país, o Indec. A cifra representa aumento de 11,2 pontos percentuais em relação ao primeiro semestre de 2023.
Milei assumiu a presidência argentina em dezembro, prometendo cortar gastos drasticamente. A inflação acumulada em julho foi de 263,4%, segundo informe do Indec de agosto. Os preços da cesta básica de consumo, que inclui produtos alimentícios, bebidas e produtos de limpeza, aumentaram 2,1% no último mês, acumulando alta de 237,2% desde julho de 2023.