Atuação na crise eleitoral pode alçar Brasil a mediador do continente, diz analista venezuelano
Brasil de Fato
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esperou dois dias para se pronunciar sobre o resultado das eleições da Venezuela. A vitória de Nicolás Maduro para um terceiro mandato foi anunciada no domingo (28) e na terça-feira o chefe do Executivo brasileiro tratou de colocar panos quentes na situação e pedir para que os envolvidos esperem a divulgação das atas eleitorais antes de recorrer à Justiça.
“Se tem um problema, como vai resolver? Apresenta a ata. Se houver dúvida entre oposição e situação sobre a ata, a oposição entra com recurso e vai esperar na Justiça correr o processo. Terá uma decisão que a gente tem que acatar”, disse ele à Globonews.
A divulgação das atas eleitorais se tornou o principal tema envolvendo as eleições da Venezuela. A oposição afirma ter mais de 70% das atas e que isso garantiria a vitória de Edmundo González Urrutia. Antes mesmo da divulgação dos resultados, a ex-deputada ultraliberal María Corina Machado já havia dito que “González Urrutia teve 70% dos votos e Nicolás Maduro 30%”.
Outros governos têm afirmado que não acreditarem nas denúncias da oposição sem que as atas sejam divulgadas.
“Estou convencido que é um processo normal. O que precisa é que as pessoas que não concordem tenham o direito de se expressar e o governo tenha o direito de provar que está certo”, afirmou Lula.
Para William Serafino, cientista político da Universidade Central da Venezuela, a posição de Lula nessa situação é “equilibrada” e que tende a projetar o Brasil como um mediador dos conflitos regionais. Segundo ele, essa é uma aposta da geopolítica brasileira, mas que não deixa de ser influenciada por fatores internos.
“A posição que ele tem nesse marco está influenciada pelas condições internas da política brasileira. Há pressões de diferentes setores identificados com Maria Corina dentro do país que fazem com que Lula tenha que caminhar com cuidado e medir suas considerações sobre a Venezuela. Mas a fala dele é uma notícia positiva para a institucionalidade do país”, disse ao Brasil de Fato.
Ele ressalta, no entanto, que Lula é obrigado a ponderar seu apoio ao processo eleitoral venezuelano por ter que enfrentar uma oposição interna de extrema direita que está vinculada às ideias de María Corina Machado. Para Serafino, Lula demorou para emitir uma opinião porque o contexto eleitoral de domingo não permitia um posicionamento tão enfático.
“Não é um país que se desespera. Tem influência política, marca o tom na região e é um país que espera o marco da situação, ver as diferentes situações que estão em jogo. No domingo não havia condições políticas para emitir nenhum pronunciamento. Na Venezuela, havia uma campanha prévia para desconhecimento dos resultados”, afirmou.
Para ele, Lula dará importante “aval diplomático” para a institucionalidade venezuelana e contribuirá para a “canalização constitucional” desse conflito. “Ele vai permitir que o marco político não vá aos seus extremos, que tenha canais de diálogo, que impere a legalidade venezuelana”, afirmou.
O CNE divulgou que Nicolás Maduro venceu as eleições da Venezuela com 51,2% dos votos contra 44,2% de Edmundo González Urrutia, com 80% das urnas apuradas, o que já colocaria uma situação irreversível. Segundo a lei eleitoral, o CNE tem 30 dias para publicar os resultados eleitorais da Gazeta Oficial do país. O órgão, no entanto, não tem a obrigação de publicar uma foto de cada ata. O governo divulga os resultados compilados das atas.
A oposição não só questionou o resultado do pleito – antes mesmo do anúncio do CNE – como convocou protestos de rua para isso. Os atos, no entanto, começaram com um caráter violento, seguindo a conduta das guarimbas em 2013 e 2017. Desde segunda-feira (29), manifestantes da extrema direita têm apedrejado prédios públicos e incendiado sedes de partidos de esquerda. Na quarta-feira (31) os protestos começaram a perder um pouco de força e diminuíram de tamanho.