Moradores da Favela do Moinho protestam contra violência de operação policial na Cracolândia, no centro de SP
Brasil de Fato
A avenida Rio Branco, no centro de São Paulo, foi tomada por moradores da Favela do Moinho na tarde desta quarta-feira (7). Batendo panelas aos gritos de “Fora Tarcísio”, “Moinho unido jamais será vencido”, “queremos moradia” e “contra a opressão”, os manifestantes denunciam a ocupação da polícia militar instalada na comunidade desde a manhã de terça-feira (6).
“A gente não consegue dormir, a polícia está invadindo casas. Às 6 horas da manhã as crianças saindo para a escola e eles revistando mochila, revistando mãe de família. A maioria dos trabalhadores não conseguiu fazer nada hoje”, afirmou Alessandra Cunha, liderança comunitária do Moinho, a última favela remanescente no centro de São Paulo.
“A gente não quer o braço armado do Estado. A gente quer serviços públicos sociais”, resumiu Moja, enquanto um helicóptero da Polícia Militar (PM) sobrevoava o protesto.
Mais de mil agentes da PM, Polícia Civil, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal deflagraram a megaoperação Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim) no centro da capital paulista desde o início desta terça (6), na região pejorativamente conhecida como Cracolândia. Quarenta e quatro imóveis, muitos dos quais hotéis sociais, foram interditados. Seus moradores foram colocados na rua.
Segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o objetivo da operação é desferir “um golpe” na “criminalidade organizada que transformou a região central da capital paulista em um ecossistema de atividades ilícitas controladas pelo PCC”.
No mesmo dia em que a operação policial começou, a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou o projeto arquitetônico para a construção da futura sede do centro administrativo do governo paulista. O plano é que a sede do governo se estruture onde hoje está a praça Princesa Isabel, atualmente gradeada pelo poder público para evitar que pessoas em situação de rua a habitem.
Na Favela do Moinho as buscas e apreensões acontecem, segundo o MP-SP, porque ali estaria um centro de inteligência do crime organizado com câmeras e antenas de comunicação capaz de captar o sinal de rádios das polícias.
Para moradoras da Favela do Moinho, a operação policial é mais um capítulo de intimidação à comunidade que resiste à especulação imobiliária da região.
“Querem tirar a moradia da gente”
“Eu estava indo para a creche às 8h levar minha filha de 11 meses. Veio a policial feminina da Rota, me parou, disse que queria olhar a mochila da bebê. Eu falei para ela que não, que não era cabível. Ela me colocou contra a parede, com uma criança de 11 meses no colo”, conta, Adriana*, uma das moradoras no protesto.
“Eles querem tirar o Moinho, tirar a moradia da gente. A gente não tem para onde ir. É a história do Tarcísio, né?”, avalia Adriana.
De seus 35 anos, Ana Paula vive há 10 na Favela do Moinho. “A gente já vem sendo oprimido há bastante tempo, principalmente depois da morte do menino na casa da minha vizinha”. Ela se refere ao assassinato de Leandro de Souza Santos, de 18 anos, por policiais da Rota em 2017. Ele foi morto com cinco tiros e tinha, no seu corpo, sinais de tortura.
“E a gente não pode trabalhar. Sai, toma enquadro. Desde ontem não consigo levar minhas filhas na escola. Eles amassaram a única coisa que eu tinha para ganhar o pão da minha filha, que era a carroça”, relatou Ana Paula. Seu marido saiu para trabalhar e, ao voltar de madrugada, foi impedido de entrar na comunidade. “Ninguém entra, ninguém sai”, teriam dito os policiais. Teve que dormir na calçada.
Lucimeire da Silva, de Alagoas, chegou em São Paulo em busca de oportunidades de trabalho em 1998 e, desde então, vive na Favela do Moinho. “A polícia está entrando, matando nossos filhos. A maioria que mora aqui dentro é nordestino e negro. Por ser negro, eles matam. A gente não é vagabundo, nós trabalhamos”, disse.
“A gente veio da nossa terra para querer uma coisa melhor e o único lugar que a gente achou de melhor foi a comunidade. Eu não tenho condições de pagar R$ 800 de aluguel. Eu recebo R$ 600 de Bolsa Família”, ressaltou Lucimeire.
Durante o protesto, uma equipe da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), do governo estadual, chegou ao local. Informaram que darão início a um cadastramento e mapeamento da comunidade. Moradores encheram o salão do Cine Moinho, onde questionaram aos servidores quem os havia acionado. A equipe informou estar respondendo a uma demanda superior.