Corte de gastos leva à queda no PIB e até aumenta o endividamento público, diz estudo da USP
Brasil de Fato
Aumentar o gasto público com investimento e benefícios sociais é mais eficiente para reduzir o endividamento do país do que cortar despesas. Isso é o que indica um estudo publicado na terça-feira (6) pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
O estudo, assinado por três autores, incluindo Guilherme Klein Martins, professor da Universidade de Leeds, do Reino Unido, simulou o impacto de medidas de ajuste fiscal sobre a economia brasileira. As conclusões dele foram divulgadas justamente enquanto o governo é pressionado a cortar gastos para cumprir suas metas fiscais.
No final de julho, a União anunciou o congelamento de R$ 15 bilhões em gastos públicos não-obrigatórios, que englobam os investimentos, em busca do chamado déficit zero das contas federais ainda em 2024. Isso acontece quando os gastos e despesas se igualam.
O déficit zero visa estabilizar a dívida pública. No longo prazo, com o crescimento da economia, a tendência é que essa dívida seja cada vez menor comparada ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – ou seja, a razão dívida-PIB ficaria cada vez menor.
Em junho, a dívida bruta do governo geral alcançou 77,84% do PIB.
De acordo com estudo do Made-USP, no entanto, se o objetivo do governo é reduzir a dívida-PIB, cortar gastos – principalmente investimentos – não é uma boa alternativa. O documento aponta que uma redução equivalente a 1% do PIB em investimentos vai aumentar a relação dívida-PIB em 0,4% após 25 meses – ou seja, o endividamento cresce.
Caso o corte de 1% do PIB seja feito todo sobre benefícios sociais, o endividamento cai 0,2%. Já se for feito sobre subsídios concedidos pelo governo, o endividamento cai 1,6%.
Já se o governo optar por um caminho contrário e aumentar em 1% do PIB o gasto público com investimentos, a relação dívida-PIB cairia 2,2% em 25 meses. Caso o gasto crescesse só em benefícios sociais, o endividamento cairia 1,7%; já se o aumento de gastos viesse em subsídios, teríamos uma redução de 0,4%.
O estudo simulou um ajuste fiscal de 1% do PIB em três diferentes cenários: via redução de gastos com investimento público, benefícios sociais e subsídios (incentivos fiscais); aumento de receitas com gasto fixo; e aumento proporcional de ambos, receitas e despesas. pic.twitter.com/w6LmB4xAN1
— Made (@made_usp) August 6, 2024
Aumento do PIB
O aumento do gasto derrubaria o endividamento porque, na verdade, ele geraria o crescimento da economia. Como o endividamento é medido numa razão, uma divisão matemática entre o valor da dívida e valor do PIB, o crescimento econômico acaba reduzindo a dívida.
Segundo o estudo, o ajuste fiscal feito por meio do corte de gastos reduz o PIB. A redução de investimentos equivalente a 1% do PIB derruba o próprio PIB em 2,4% após 25 meses. Já a redução dos benefícios sociais causa queda de 1,8%. Uma queda nos subsídios acarreta queda de 0,2%.
Em compensação, o aumento dos investimentos equivalente a 1% do PIB eleva o próprio PIB em 1,9% 25 meses depois. O mesmo percentual de aumento dos benefícios sociais leva a alta de 1,3% do PIB. Já o aumento dos subsídios acarreta queda de 0,3%.
“Para cada real gasto com investimento público e benefício social, o PIB tende a aumentar R$2,60 e R$2,15, respectivamente, após 25 meses”, concluiu o Made-USP. “Cortando investimento, o PIB seria 2,4% menor. Cortando benefícios sociais, seria 1,8% menor. Em ambos, o endividamento ficaria relativamente estável.”
Os autores do estudo recomendam, inclusive, que o governo aumente suas receitas por meio de tributos cobrados principalmente dos mais ricos para poder gastar mais, investir mais, reduzindo assim cada vez mais o seu endividamento.
Política influencia
O economista Pedro Faria explicou que o estudo do Made reforça o que é conhecido há décadas na economia. “Se corta o gasto, você corta renda, normalmente, de quem consome mais. O gasto do governo atende majoritariamente pessoas mais pobres, via programas sociais, saúde, educação. Com todo aumento de renda dessas pessoas, elas consomem, então, o efeito multiplicador é grande”, explicou.
Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, confirmou que os efeitos dos cortes de gastos sobre o PIB e o endividamento são conhecidos. O estudo do Made avança ao mensurar esses efeitos no Brasil.
Cantelmo ainda comentou as ações do governo para tentar reduzir o endividamento do Brasil. Diz que ele faz o melhor possível no atual cenário político do país, apresentando medidas para elevar a arrecadação taxando ricos e reforçando programas sociais de investimentos, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O especialista, porém, critica a falta de visão do governo no longo prazo. Lembrou que o arcabouço fiscal tende, no futuro, a comprimir a capacidade de investimento público – ou seja, no longo prazo, esse endividamento tende a subir novamente.
“O governo faz o que é possível dentro da estrutura que está dada e trabalha muito pouco para mudar a estrutura brasileira”, resumiu.
Cantelmo e Faria lembram que uma reforma completa do imposto de renda poderia ter efeitos estruturantes para o Brasil e suas contas. Ambos concordam que o ambiente político no país dificulta o progresso de ideias como essas.
“Os ricos brasileiros, que são sobre representados no Congresso, querem corte de gastos. É essa realidade política”, afirmou Faria.