Quem é Tim Walz: democrata muda debate eleitoral e cola o termo ‘estranho’ à candidatura Trump nos EUA

Brasil de Fato

Após ser anunciado como vice na chapa democrata à Presidência dos Estados Unidos, o governador do Minnessotta, Tim Walz, já começou uma agenda intensa de comícios ao lado da candidata Kamala Harris, vice-presidenta do país. O objetivo da campanha democrata é angariar votos de indecisos, independentes e até mesmo republicanos insatisfeitos com Trump.

“Com seu número dois [J.D. Vance], ele [Trump] compartilha as mesmas crenças perigosas e retrógradas”, disse Walz aos apoiadores em Eau Claire na quarta-feira (7), no estado de Wisconsin.

Walz tem se apoiado nas declarações de J D. Vance, candidato a vice do ex-presidente Donald Trump, para se contrapor à chapa republicana e conseguiu colar na dupla a pecha de “estranhos”. “Vou apenas dizer isso: Donald Trump e JD Vance são assustadores e, sim, estranhos. Não vamos voltar atrás”, postou em em seu perfil na rede social X na terça-feira (6), quando teve nome na chapa democrata anunciado pela imprensa dos EUA. 

O termo “estranhos” viralizou entre os jovens estadunidenses e se tornou grito de guerra dos democratas contra a dulpa republicana. “São pessoas estranhas do outro lado. Eles querem tirar os livros. Querem estar na sua sala de exames”, disse Walz em uma entrevista para a NBC um mês antes de ser anunciado como vice da chapa democrata.

A fala aconteceu após Vance receber uma enxurrada de críticas ao afirmar que os EUA estariam sendo governados “por um bando de ‘mães de gatos’, sem filhos (childless cat ladies na expressão em inglês), que são infelizes com suas próprias vidas e com as escolhas que fizeram”, referindo-se à vice-presidente Kamala Harris, que tem dois enteados de seu casamento com o segundo marido Doug Emhoff.

Após a viralização do vídeo, o próprio Partido Democrata começa a usar o qualificativo ‘estranho’ para se referir aos republicanos”, disse ao Brasil de Fato Layla Dawood, professora de Relações Internacionas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Ela considera que a repercussão da fala de Walz pode ter contribuído para a escolha do seu nome, uma vez que as redes sociais têm peso no cenário eleitoral e a campanha republicana “sabe usar muito bem essas mídias”.

Ao fazer essa analogia em relação aos republicanos, ela avalia que Walz conseguiu mudar o foco da pauta eleitoral, que trata a candidatura de Donald Trump como ameaça existencial, e acaba levando o debate para o campo que interessa aos republicanos.

“Os democratas falam que os republicanos – e Trump em específico – são um perigo existencial para as mulheres, para os direitos reprodutivos, o que é verdade. Mas isso coloca um peso muito grande nessa pauta, que pode afugentar muitos conservadores. Quando Walz traz essa palavra ‘estranho’ para o centro do debate, ele para de discutir o assunto que os republicanos querem discutir. Porque se você vai discutir direitos reprodutivos, a ameaça existencial, você vai jogar exatamente o jogo que Trump quer jogar.”

Em suas entrevistas e discursos públicos, Walz evita comentar pautas mais progressistas do partido, relacionadas a costumes, e foca em temas que dizem respeito à vida cotididana do cidadão estadunidense. “Em Minnesota, assim como aqui em Wisconsin, respeitamos nossos vizinhos e as escolhas pessoais que eles fazem. Porque sabemos que existe uma regra de ouro: cuide de sua própria vida”, disse Walz no comício desta quarta (7).

“Ele tem afirmado que essas questões, embora importantes, não são exatamente as questões que atingem a maior parte do eleitorado. As pessoas estão preocupadas com a escola, a creche, o preço das coisas,a inflação”, afirma Dawood.

Perfil “complementar” e “apaziguador”

Analistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que, ao escolher Walz como seu companheiro de chapa, Harris busca alcançar um eleitorado conservador, mas que tem resistência à figura de Donald Trump.

Steve Ellbner, acadêmico estadunidense que leciona História Econômica e Ciência Política na Universidad de Oriente, na Venezuela, aponta que, ao escolher Walz, Harris “mudou o debate eleitoral com significado para a classe trabalhadora” e que por isso foi escolhido diante de outras opções do partido como o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, que derrotou um candidato da extrema direita em uma vitória esmagadora nas eleições de 2022 e o senador do Arizona, Mark Kelly, estado onde Biden venceu por apenas 10.457 votos em 2020.

“Não basta dizer que Trump é um mentiroso e uma ameaça à democracia. O índice de aprovação de Trump aumentou porque ele falou sobre questões econômicas. Harris precisa mostrar que, como presidente, Trump favoreceu os interesses corporativos e, portanto, reduziu o teto do imposto corporativo de 35% para 21%. Walz está em posição melhor para levantar essas questões.”

Williams Gonçalves, professor do departamento de Relações Internacionais da Uerj, aponta que os Estados Unidos, assim como o Brasil, possui uma grande extensão territorial, com muitas variações regionais de um estado para outro. “O cidadão novaiorquino é muito diferente daquele que vive no Arkansas ou em outro estado. Vivem realidades praticamente distintas em relação às preocupações cotidianas.”

Nesse sentido, ele aponta que a escolha de Walz acena para o eleitorado do centro-oeste do país, com população mais ligada ao modo de vida rural e “abre o leque de possibilidades eleitorais de Harris em função dos temas que interessam o Partido Democrata que são os temas relativos à cidadania.” 

“É preciso estar antenado para os diferentes contextos em que os eleitores estão inseridos, de modo que o convite para o Tim Walz ser o vice-presidente corresponde a essa preocupação de ter um candidato com um tema novo no mundo rural.Embora seja considerado um progressita, ele está mais atento, mais sensível para determinadas questões do cotidiano da população do que ela. É uma forma de complementar sua candidatura com um vice-presidente que vem de outra realidade.”

Para Dawood, a escolha de Tim Walz traz equilíbrio para a chapa de Harris, de forma “complementar e apaziguadora” em relação ao perfil de Kamala Harris, com o objetivo de alcançar um eleitorado, “que não é exatamente democrata, não consegue concordar com  toda a pauta mais progressista do partido, mas que ao mesmo tempo tem uma repulsa pelo Trump.”

“A meu ver, ele entra como um candidato que equilibra o papel da Kamala na chapa, que seria a primeira mulher a ser presidente dos Estados Unidos. Ela é negra, tem também ascendência asiática, algo muito inovador para os padrões americanos. Já Tim Walz entra como algo mais conhecido do público geral americano, mais palatável e também com uma postura que, eu diria, ser moderada.”

 

Da Redação