‘A emergência climática é o grande desafio da humanidade’, afirma Carlos Nobre em evento no RS
Brasil de Fato
“Quase todos os eventos extremos sempre existiram por milhões de anos, mas, agora, eles batem recordes, porque tem uma situação de muito mais energia na atmosfera. O aquecimento global está tornando os eventos extremos mais frequentes.” A afirmação é do cientista e climatologista Carlos Nobre, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2007 e referência mundial sobre mudanças climáticas.
Nobre esteve no Rio Grande do Sul na última quarta-feira (7), participando da palestra “Extremos Climáticos: romper com o negacionismo, superar a crise”, organizado pelo mandato da deputada federal Fernanda Melchionna em conjunto com a deputada estadual Luciana Genro, ambas do Psol, e pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em parceria com a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS). O evento aconteceu no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Participaram da mesa de debate o vereador Roberto Robaima (Psol) e a deputada estadual Sofia Cavedon (PT).
Por pouco mais de uma hora, ele abordou as mudanças climáticas, destacando eventos como as ondas de calor, impactos dos fenômenos El Niño e La Niña, aquecimento global e os desastres climáticos no Brasil e no mundo. Durante o evento, lembrou da meta de aumento de 1,5ºC da temperatura da terra, estabelecida no Acordo de Paris. Segundo ressaltou, o acordo corre grave risco de não ser atingido, uma vez que a temperatura vem cada vez aumentando mais, com estimativa de se chegar a 2ºC, 3ºC.
‘Precisamos enfrentar o negacionismo climático’
Melchionna recordou que o Rio Grande do Sul, por três anos consecutivos, foi marcado por seca e, nos últimos meses, por enchentes, cheias e ciclones extratropicais. “Isso coloca o nosso estado no ápice da emergência climática. Sem contar os eventos no Espírito Santo, Bahia e São Paulo, que não tiveram a mesma repercussão. Sem contar ainda as ondas de calor que está tendo no Marrocos, como teve em Meca, os incêndios florestais na Austrália, que é parte direta das mudanças climáticas que precisam ser enfrentadas. Por isso é que nós chamamos esse debate sobre a questão do negacionismo, a responsabilidade ou a irresponsabilidade dos governos.”
Conforme pontuou a parlamentar, em geral, as populações mais pobres, as mulheres, negros e negras são as mais impactadas com as mudanças climáticas, citando a pesquisa do Observatório das Metrópoles. Segundo a pesquisa, na enchente de maio, as regiões mais atingidas na região metropolitana foram aquelas que concentram maior número de moradores com baixa renda.
“Nós precisamos enfrentar esse negacionismo climático, uma agenda comandada pela extrema direita, que esteve durante quatro anos no Palácio do Planalto, que desmontou todas as políticas ambientais e fazia apologia ao garimpo ilegal, ao desmatamento.”
Ainda em relação ao negacionismo, a parlamentar citou o negacionismo neoliberal, representado pelas privatizações e a flexibilização de 400 leis do Código Florestal do Rio Grande do Sul. “É uma luta do nosso tempo, da nossa geração, a preservação do futuro. Uma luta para aqueles que virão”, concluiu.
Para Genro, os presentes ao evento têm o dever cívico de levar a palavra da ciência para o restante da sociedade, nos mais diferentes espaços. “Mostrando que, de fato, nós estamos num momento limite de risco da extinção da vida no planeta. É isso que está em jogo. E nós precisamos que o tema do negacionismo climático, a necessidade de superação desse modelo de desenvolvimento econômico, seja cada vez mais conhecido da população.”
Conforme a deputada, é preciso mudar a lógica do capitalismo que coloca o lucro acima da vida, da própria existência da humanidade no futuro próximo. “Isso é uma necessidade preeminente, e a gente quer contribuir com essa luta, para que nós possamos mudar essa lógica, antes que eventos trágicos como os que nós vivenciamos no Rio Grande do Sul se tornem ainda mais frequentes do que já são. E a tendência é que essa frequência aumente de tal modo que a vida se torne cada vez mais inviável. Antes que isso aconteça, é preciso um freio de emergência. E esse freio de emergência só vai poder ser dado para a prevenção popular. E essa ação pressupõe o conhecimento, pressupõe a compreensão da profundidade do problema.”
Ondas de calor
No início do debate, Nobre ressaltou a questão das ondas de calor. Conforme pontuou o cientista, o ano de 2023 foi o mais quente na terra, com a temperatura média global próxima da superfície em 1,45ºC. De acordo com ele, de junho de 2023 a julho de 2024, a temperatura em todos os meses passou de 1,5ºC. “2024 continua muito quente. Em fevereiro deste ano, houve quatro dias de aumento da temperatura da terra acima de 2ºC. A onda de calor eleva em mais de 50 vezes as mortes do que as chuvas”, ressaltou
Entre 2000 e 2018, 48 mil mortes foram causadas no Brasil devido às ondas de calor. No verão europeu de 2022, 62 mil pessoas morreram por causa do fenômeno. Em maio deste ano, durante a peregrinação muçulmana à Meca, 1.301 pessoas morreram devido ao calor, quando os termômetros chegaram a registrar 51,8ºC. As principais vítimas são os idosos, em especial as mulheres acima de 65 anos.
“É importante ter vegetação urbana para combater essa emergência de ondas de calor em todo o planeta. As árvores absorvem muita água, evitam erosão”, pontuou.
De acordo com o cientista, o grande causador do aumento da temperatura no planeta é o efeito estufa. Segundo ele, em 2020, o Brasil foi o quinto maior emissor de CO2 (gás carbônico), representando 4% das emissões globais, atrás de China (23,7% do total), Estados Unidos (12,9%), Índia (6,5%) e Rússia (4,2%).
Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) mostram que, em 2021, o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente. Segundo o SEEG, o desmatamento foi o principal responsável pelo aumento nas emissões.
Em 2022, expôs Nobre, 48% das emissões no país foram em decorrência do desmatamento, 27% da agropecuária e 20% da energia. “Por muitas décadas cientistas concordam, sobre o crescimento global, que nós humanos, somos a causa primária desse efeito, e isso pode ser considerado um total consenso”.
Enchentes no Rio Grande do Sul
Durante a sua apresentação, Nobre pontuou sobre eventos climáticos ocorridos no país nos últimos 15 anos, como o de maio de 2022, em Pernambuco, cujo desastre ambiental causou 133 mortes. Assim como o recorde de seca da Amazônia.
Já a tragédia no Rio Grande do Sul, observou o cientista, foi fortemente impactada pelo fenômeno El Ninõ (marcado por períodos de chuva), no ano passado. Nobre recordou da situação vivida com os ciclones extratropicais e as enchentes, por exemplo, na região do Vale do Taquari. “Esses fenômenos meteorológicos existem há milhões de anos, só que esse bateu o recorde. É isso que a mudança climática faz. O ponto central é que esses fenômenos agora são cada vez mais frequentes.”
Cientista climático há mais de 30 anos, Nobre vem continuamente fazendo alertas sobre os riscos da mudança. Ele afirmou que nunca houve tanta preocupação com eventos extremos como agora, depois do desastre no RS. “Nunca tinha tido uma repercussão como dessa vez. Nem naquele evento de janeiro de 2011, na região serrana do Rio, que matou 918 pessoas, não teve a repercussão que esse evento teve. Isso é muito importante, realmente, pela primeira vez, todos no Brasil estão muito preocupados.” No RS, foram contabilizadas 182 mortes e mais de 800 pessoas feridas em decorrência da enchente.
Ele citou a pesquisa Quaest, realizada após a tragédia da enchente, segundo a qual 99% dos entrevistados acreditam que as enchentes no RS tem ligação com as mudanças climáticas, sendo 64% afirmaram que tem ligação total, 30% “em partes”, 5% “um pouco”, e 1% que “não tem ligação nenhuma”.
Alertas
Nobre foi um dos criadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Ele contou que o órgão, em 2018, observou 925 municípios, 92 milhões de brasileiros, e classificou que 8 milhões estavam morando em áreas de risco de inundações e deslizamentos. “Inclusive os gaúchos estavam nessas áreas de risco. Milhões de brasileiros não podem continuar morando onde moram porque estão em áreas de risco.”
Segundo frisou o cientista, há uma enorme responsabilidade de criar sistemas de alerta. “Na região serrana do Rio de Janeiro tem, e algumas cidades em São Paulo. Mas são pouquíssimas no país com sirenes. Pessoas que moram em áreas de risco, precisam ter sirene. Quando vem um alerta, dispara a sirene e as pessoas têm que saber pra onde ir.”
Ele enfatizou a importância de educar as crianças e jovens sobre os efeitos das mudanças climáticas e a importância dos alertas, como no caso dos japoneses, que aprendem desde pequenos de como agir em caso de terremoto.
Negacionismo
Conforme ressaltou Nobre, o principal mecanismo hoje no mundo do negacionismo é a fake news, citando como exemplo o movimento anti-vacina, especialmente durante a pandemia. Segundo ele, o setor mais negacionista do país é o agronegócio.
Segundo ressaltou, o negacionismo científico representa uma séria ameaça à saúde, à sustentabilidade a longo prazo da civilização humana, assim como do planeta. “A relutância em considerar evidências empíricas e a negação da ciência é uma enorme barreira à produção de um conhecimento técnico sólido, a uma comunicação sobre ciência eficiente e, consequentemente, ao exercício pleno de uma cidadania pautada em informações embasadas e na responsabilidade e maturidade cívicas.”
De acordo com ele, alguns negacionistas têm apontado como causa do aquecimento do planeta o suposto aumento do tamanho do sol. Mas não há estudos que mostrem isso. Outros usam os períodos de frio no Sul do país para negar o aquecimento global.
Os períodos de frio são causados pelo derretimento da camada polar da Antártida, resultado de anos do aquecimento global, explica Nobre. “O derretimento da camada polar deixa ‘escapar’ o jato polar até alcançar maiores latitudes e avançar pelo Sul da América do Sul, chegando até o Brasil. Se não houvesse o derretimento, esse jato polar ficaria preso apenas na Antártida.”
O cientista frisou que o impacto da tragédia climática no RS foi caracterizado como a combinação de eventos extremos de precipitação com implicações generalizadas. “É lógico que o impacto teve muito a ver também, não só com o extremo da chuva, mas com as áreas em encostas e matas ciliares desmatadas. Eventos extremos, como inundações e ondas de calor, servem de alerta em relação à intensidade e frequência dos mesmos. Não volta mais, é disso para mais eventos extremos.”
Ao final de sua fala, ele comentou que, em 1979, seu professor de doutorado já mostrava estudos sobre os riscos do aquecimento global. “A ciência já mostrava, mas minha geração não fez nada. O Brasil, com seus estados, cidades, sociedade, setor privado e financeiro, devem caminhar urgentemente na busca de sustentabilidade, como nosso principal legado para a estrutura das relações. E a educação dos jovens, para isso, é muito importante. As novas gerações devem assumir liderança na luta de trajetórias, de sustentabilidade para o planeta, com uma ênfase em justiça social e climática.”