Gestão Nunes entrega apenas 16% dos 300 km prometidos em ciclovias e ciclofaixas em SP
Brasil de Fato
Desenvolvida em gestões passadas, a estrutura cicloviária da capital paulista recebeu pouca ampliação nos últimos quatro anos. O plano de metas da gestão de Bruno Covas (PSDB) e Ricardo Nunes (MDB) previa 300 novos quilômetros de ciclovias e ciclofaixas, mas apenas 49,7 km foram entregues até julho deste ano. O número representa apenas 16% do prometido. Ao todo a capital paulista tem 743 quilômetros de estruturas cicloviárias.
Em paralelo a isso, o governo Nunes é investigado pelo Ministério Público por possível remanejamento ilegal de mais de R$ 500 milhões para aumentar o financiamento de obras de recapeamento na capital. Os reparos no asfalto têm provocado inclusive o apagamento de ciclofaixas, denunciam os ciclistas.
“Quando eles estão fazendo o recapeamento eles têm que ‘interditar’ a via e fazer uma sinalização temporária, mas eles não põem nenhum tipo de sinalização temporária. Então o que acontece? O ciclista fica perdido, ele estava seguro na ciclovia, na ciclofaixa e de repente ele não sabe pra onde ir”, diz Thomas Wang, ativista do coletivo Bike Zona Sul, ele mesmo um usuário cotidiano da bicicleta. Todos os dias, por volta das oito horas da manhã, ele começa o percurso de casa para o trabalho: sai da Saúde, bairro da zona sul de São Paulo, e percorre em duas rodas os cerca de 10 km até a avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, na região do Morumbi.
Na mesma linha, Aline Pellegrini, integrante da Câmara Temática de Bicicleta, que faz parte do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte, afirma que algumas avenidas voltaram menores depois que as vias passaram por reformas. “A Avenida Rafael de Barros, por exemplo, voltou menor. A gente tem a Avenida Jornalista Roberto Marinho, que voltou incompleta, tem alguns trechos que ainda não foram sinalizados. Isso a gente está falando de oito meses de sinalização incompleta, tem trechos que não foram feitos ainda, então a gente tem bastante dificuldade.”
A falta de investimentos em melhorias nas ciclovias e ciclofaixas vem provocando um aumento no número de ciclistas mortos. De acordo com os dados do Infosiga, em 2023, ocorreram 367 mortes de ciclistas no estado de São Paulo, número que se mantém constante pelo terceiro ano consecutivo. Em 2024, somente até junho 219 ciclistas morreram no estado de São Paulo, 22 pessoas na capital paulista. Em 2023, a cidade de São Paulo registrou o maior número de mortes: 35 no período de um ano.
Aline lembra que as mulheres sofrem ainda mais com os problemas nas estruturas cicloviárias. “As mulheres deixam de utilizar a bicicleta porque não têm estruturas seguras para utilizar. São as grandes impactadas. Também são impactadas as pessoas da periferia, porque se você for olhar o mapa de onde estão as estruturas localizadas, estão mais no centro expandido.” De acordo com ela, as subprefeituras de Perus, Guaianazes e Ermelino Matarazzo não têm um quilômetro sequer de estrutura cicloviária implantada.
Renata Falzoni, ativista e criadora do canal Bike é Legal, destaca que as promessas para a região da Zona Leste não foram cumpridas. “Na rua Tobias Barreto sumiram uns 500 metros de ciclovia, que é um importante eixo de ligação para a zona leste. Foi prometida, ainda na gestão Doria, a entrega da ligação da Radial Leste com o Centro, mas não foi entregue. A dificuldade de você conectar é porque você vai de fato reduzir o espaço do ‘rei automóvel’, e aí o gestor se acovarda.”
Outro ponto lembrado por Renata é a falta de regulação do trabalho dos ciclistas entregadores. “A gente tem que trabalhar um sistema em que ele se sinta recompensado por trabalhar de forma calma. A carga tem que esperar o ciclo entregador, não ele ficar parado esperando nos cantos da cidade de forma precária, sem banheiros, sem sombras, sem água, gastando o tempo dele que ele podia estar estudando.”
Para ela, falta também conexão entre os modais de transporte e equipamentos públicos. “Quando a gente fala em estrutura cicloviária, a gente tem que ter ciclovias conectadas que cheguem em pontos de interesse, que seriam escolas, equipamentos de trabalho, equipamentos de transporte público, bicicletários, que é fundamental para você promover o uso. Outra coisa também que a gente precisa ter para que todo esse sistema funcione é um trânsito mais calmo. A gente teve um relaxamento comprovado de não cumprimento das leis e tudo isso afeta o sistema de segurança de quem vai a pé,de quem vai de bicicleta, das crianças e tudo mais”, defende.
Existem também obstáculos no diálogo com a Prefeitura, outro ponto criticado pelos ativistas e membros da Câmara Temática de Bicicleta. Segundo eles, em 2023 foram enviados quinze ofícios para a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e para a Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito (SMT) e cerca de 45 e-mails. Mas nenhuma resposta técnica ou prática chegou, apenas a confirmação do recebimento. Os ofícios solicitam consertos pontuais em ciclovias, fiscalização em pontos com infrações recorrentes, novas ciclovias, informações e projetos de ciclovias que serão implantadas.
O que diz a Prefeitura de SP
A reportagem questionou a Prefeitura de São Paulo com relação à entrega de estruturas cicloviárias, que até o momento está abaixo do prometido no Plano de Metas 2021 a 2024. Também foi indagado por que a gestão municipal reduziu os tamanhos das ciclofaixas da Avenida Rafael de Barros e da Avenida Jornalista Roberto Marinho, assim como da rua Tobias Barreto, e se há previsão de entrega de uma ciclovia ou ciclofaixa que interligue a Radial Leste com o centro de São Paulo. Questionou-se ainda quais os motivos do remanejamento de verbas para o programa de recapeamento.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito e da Companhia de Engenharia de Tráfego, disse que, sobre as dimensões das estruturas dos endereços citados, a CET esclarece que os locais serão vistoriados. “De acordo com a SP Obras, a implantação do BRT Radial Leste já está contratada e será iniciada pelo trecho 1, que inclui ciclovia em toda a sua extensão. Com 9,5 km, o novo corredor ligará o Parque Dom Pedro II, no Centro, à Estação Penha do Metrô, na Zona Leste.”
Com relação aos e-mails e ofícios enviados pelos ciclistas que compõem a Câmara Temática de Bicicleta, a Prefeitura disse que “todos os e-mails, solicitações e ofícios são analisados e respondidos, respeitando os prazos previstos. Especificamente sobre as demandas pontuais, elas são encaminhadas para a coordenação da Câmara Temática de Bicicleta e amplamente debatidas durante as reuniões que acontecem mensalmente”.
O órgão informou que as obras de expansão da malha cicloviária da cidade estão em curso. “Pela Parceria-Público Privada Cohab há 8,2 km de estrutura em obras. O contrato prevê, no total, 120 km a serem executados. A Secretaria Municipal de Transportes lançou licitação de outros 158 km de novas estruturas, em fase de análise de documentação das empresas interessadas.”
A Secretaria Municipal da Fazenda (SMF) informou que todos os remanejamentos orçamentários foram feitos dentro da legalidade. Disse ainda que a abertura de crédito adicional suplementar de dotações, mediante recursos orçamentários reduzidos de outras dotações, é prevista na Lei Federal nº 4.320/1964 (art. 43) e autorizada pelas Leis Municipais nº 17.976/2023 (Art. 40) e nº 18.063/2023 (art. 7º).