Não há dúvidas, o povo venezuelano vencerá
Brasil de Fato
O “desagradável” regime venezuelano mobilizou no último sábado (17) cerca de 2 milhões de pessoas em todo o país em defesa da soberania e respeito às instituições da Venezuela. Escrevam aí, não há chances do imperialismo entrar ali e derrubar o governo legítimo e democrático de Nicolás Maduro o povo venezuelano está organizado e consciente de seu papel histórico.
Não pensem que a Venezuela é essa coisa frágil e melosa que é o nosso Brasil. Aqui, dois gritos do imperialismo e o governo treme, a esquerda mela as calças e o povo entra na onda. Vejam o golpe contra Dilma. A nossa reação popular foi ínfima.
Como dizia Prestes, a direita brasileira age como cirurgiã; a direita latino-americana como corvos. Completo: a direita venezuelana como açougueiro.
A Venezuela honra as suas figuras históricas
A cultura revolucionária de um povo não se faz em um dia ou em um governo. A rebeldia e capacidade de luta de uma nação se forja na sua própria história. E a Venezuela é o primeiro país Sul-Americano a conquistar sua independência. Em lutas fantásticas, impressionantes. Os feitos do exército popular de Simón Bolívar só são comparáveis na História à luta do Exército Vermelho na libertação da União Soviética.
Bolívar cruzou à pé a Cordilheira dos Andes, com homens famintos, mulheres grávidas, bois, cabras sobre neve e embaixo de torrentes e nevasca. Com um exército em pedaços expulsou os espanhóis de terras americanas, criando aqui as primeiras repúblicas ao sul do Equador. A Gran Colômbia, a Pátria Grande Sul Americana, está no coração e na mente por gerações venezuelanas.
Comparem. Enquanto o Brasil negociava sua independência sob uma monarquia de bosta, submissa ao Império Inglês, a Venezuela conquistava uma República, resultado de uma luta sangrenta, histórica.
Bolívar é o “pai”, o inspirador dos “Libertadores das Américas”. Sucre, San Martí ou Artigas são, na realidade, crias de Bolívar. Bolívar foi gigante. Enorme.
A historiografia colonialista e eurocêntrica reduz, ironiza, caricaturiza a figura espetacular, ímpar, de Bolívar. Bolívar está para a Venezuela assim como José Martí para Cuba. Sendo Martí um grande pensador e Bolívar se tornado um gigante comandante militar; os dois separados por duas gerações.
Mas para a Venezuela não bastou o exemplo de Bolívar. Nas montanhas venezuelanas, o negro José Chirino liderou a libertação dos escravos. Numa história de lutas incríveis, que une estratégias de guerrilhas com o pulsar permanente da luta pela liberdade.
A História da Venezuela é rica, portentosa de lutas. As guerrilhas revolucionárias na Venezuela se formaram junto com as cubanas e colombianas, logo depois da Segunda Guerra. Che, Fidel e a vitória cubana sobre o imperialismo sempre esteve presente na luta, nas mentes e nos corações do povo trabalhador da Venezuela.
O exército venezuelano está em função do povo
A Venezuela tem uma particularidade muito especial: seu exército. O exército de Bolívar. Os EUA forjavam nos exércitos latino-americanos (no pós-guerra) a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), via Escola das Américas (instalada no Panamá), que produziu e preparou o pensamento e os generais golpistas para as ditaduras militares dos anos 60 e 70 na América Latina. No entanto, as forças armadas, especialmente o exército da Venezuela, nunca recebeu a orientação das forças estadunidenses. Isso é muito importante.
Enquanto os militares sul-americanos recebiam como formação a Doutrina de Segurança Nacional, que elege como ameaça às nações o seu próprio povo — vide os militares brasileiros, chilenos, argentinos, paraguaios, uruguaios —, na Venezuela a doutrina militar vigente é a de Simón Bolívar. As Forças Armadas têm como função defender a nação de invasões estrangeiras e defender o povo venezuelano, os interesses do povo venezuelano.
Enquanto um militar brasileiro se entope da DSN, se tornando anticomunista com um “viver sem razão”, como diz Vandré, um militar venezuelano é formado para lutar pela liberdade de seu povo. Nunca esse povo é considerado como uma ameaça à Segurança Nacional. Um militar venezuelano faz juramento aos princípios pelos quais lutou Bolívar, Sucre, Manuela. É muito diferente. Isso pulsa em cada venezuelano.
O que faz a Revolução Bolivariana de Hugo Chávez? Conecta a luta histórica da Venezuela por sua emancipação, pela emancipação do seu povo. Chávez, para mim, junto com Fidel e Che está na maior inspiração de luta pelo socialismo. Por um socialismo que se inspira na teoria emancipatória de Marx, Lênin, Gramsci.
Mas como nos disse — e nos ensinou — a deputada revolucionária Bolivariana Blanca Eckhout, está assentada sobre a luta histórica dos povos originários contra a invasão europeia, a luta e resistência dos povos africanos arrancados de suas terras para gerar a riqueza que foi apropriada pelas burguesias mercantis, agrárias e industriais. Assentada sobre as teorias marxistas-indigenistas de José Carlos Mariátegui, na capacidade de luta e de comando de revolucionários como Bolívar e Luiz Carlos Prestes.
Uma Revolução latino-americana, com o colorido, a alegria e todas as características do nosso povo. É isso a Revolução Bolivariana. Lógico que todos os impérios a querem destruir. Que todos querem taxá-la de autoritária, burocrática, e por aí vai. Não importa.
A Revolução é a resistência do povo venezuelano
Quem conhece a História da Venezuela e da Revolução que se desenvolve lá, está consciente do que aquele povo enfrenta e de sua capacidade de superação. Tentaram matar o povo venezuelano de fome. Foi desesperador. De um dia para o outro fecharam todas as entradas de alimentos para o país e todas as possibilidades de se comprar e ou produzir alimentos. Se instalou o caos econômico. O caos. Para piorar, roubaram todas as reservas e dólares e em ouro do país.
Quem roubou? Os EUA e a Inglaterra, onde estavam guardadas as reservas internacionais do país. Entendam: a Venezuela usava todos os recursos obtidos com a venda de seu petróleo para adquirir alimentos e suprir todas as necessidades do país, que praticamente não tinha agricultura nem indústria. Os EUA, maior comprador de seu petróleo, suspendeu as compras e impediu que outros compradores comprassem da Venezuela. E impediu a venda de alimentos ou qualquer outro gênero ao país. Foi o caos.
Em paralelo, os EUA financiaram hordas de mercenários para fazerem badernas e destruírem o patrimônio público do país. Vândalos recebiam de cestas básicas a US$ 5 mil dólares (R$ 28 mil) para mobilizar jovens contra o governo.
Prática comum utilizada pelos EUA e mercenários em Cuba passou a ser replicada na Venezuela. Foi barra. Milhões de venezuelanos deixaram o país, fugindo da fome, da miséria e do desespero.
Babacas de todo o mundo falam desses episódios como fracasso da Revolução Socialista Bolivariana. Por quê? Porque só veem o fenômeno. Essa, segundo March Bloch, é a diferença entre um narrador medíocre dos fatos e um historiador.
A narrativa factual descreve o fenômeno, mas não explica as razões, adentrando às suas causas, suas razões econômicas, políticas, sua conexões, contradições. É como dizer que vê o sol girar sobre nossas cabeças. E só. Incapaz de compreender e explicar que o sol está parado e a terra é quem gira. E explicar como e por que isso ocorre.
A fome e o desespero tomaram conta de contingentes humanos importantíssimos da Venezuela, e isso é fato. Mas as razões não estão no rumo socialista da Revolução Bolivariana, pelo contrário. As causas profundas, mesmo rasas e superficiais estão na ação truculenta, criminosa, sorrateira do imperialismo de cercar e tentar destruir uma nação e sua luta por soberania, por emancipação.
Retire as 930 sanções econômicas contra a Venezuela, vejam o resultado de sua economia e culpem o Regime. Sem isso, responsabilizar o viés socialista da Revolução é babaquice ideológica para idiotas acreditarem e reproduzirem. É ação da contrarrevolução. Parte da luta de classes.
O contrário sim. Foi o povo organizado, consciente, com formação socialista e uma direção socialista que permitiu a Revolução Bolivariana sobreviver e construir uma nova pátria, com perspectiva de um horizonte de desenvolvimento.
A luta de classes se intensifica rumo à vitória
Hoje a Venezuela cresce a 7% ao ano, e pode chegar a 8% em 2024. Com inflação de 1% e plenamente abastecida. Resultado de um desenvolvimento da agricultura orgânica, que é responsável por 90% da alimentação no país. Com uma indústria nacional de bens de primeira necessidade que emprega e recupera a renda do povo trabalhador. O mais incrível: sem desbloquear suas reservas internacionais, a Venezuela ampliou seu comércio internacional e tem no horizonte a possibilidade de receber US$ 35 bilhões (R$ 95 bi) de investimentos chineses.
Com um povo culto e com uma capacidade produtiva acima da média latino-americana, a Venezuela é hoje um polo de atração para empresas chinesas. Convidada pela Rússia e endossada pela China e Índia para ingressar nos BRICS, a Venezuela tem a possibilidade de receber mais recursos do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (dirigido pela brasileira Dilma Rousseff), mais investimentos do que o Brasil.
Na geopolítica internacional, várias nações do Sul Global aliadas de China e Rússia já reconheceram as eleições presidenciais na Venezuela, respeitando seu órgão eleitoral e sua soberania. Conquistaram prestígio com África e com os países em desenvolvimento.
As nações que vacilaram e vacilam nesse reconhecimento por medo de represália dos EUA na realidade se abraçam atrasadamente com esse imenso “Titanic do Norte”.
Como disse João Pedro Stédile, a luta de classes se intensifica na Venezuela de hoje. De um lado, o imperialismo em sua última fase, beligerante e afundando. Do outro, o povo aguerrido de Venezuela, de Cuba, resgatando Bolívar, Martí, Manuela Saens, Chirino, Zumbi, Dandara, Che, Fidel, Célia, Prestes, Olga, Marighella.
Não tenho dúvidas. O povo venezuelano vencerá. Viva o povo Venezuelano.
*Jonas Duarte é doutor em Historia e professor da UFPB
**Este é um texto de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato