Brasil e Colômbia recuam em nota sobre Venezuela e empurram posição definitiva para posse
Brasil de Fato
Os governos de Brasil e Colômbia voltaram a pedir no sábado (24) a publicação dos resultados desagregados sobre as eleições da Venezuela e um “diálogo pacífico” no país. Para especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a nova nota dos dois países representa um “recuo” em relação ao pedido de novas eleições venezuelanas feito pelos presidentes Lula (PT) e Gustavo Petro.
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Gilberto Maringoni, o comunicado é “mais prudente” que um pedido desses dois governos para novas eleições e um governo de coalizão na Venezuela.
“A última proposta teve repúdio imediato por parte do governo e da oposição. Seriam ingerências indevidas em questões internas do país vizinho. A nova nota é mais prudente: pede a apresentação das atas de votação para que o resultado eleitoral seja reconhecido. Embora o resultado siga coberto de suspeitas, o Conselho Nacional Eleitoral [CNE] se pronunciou, atestando a vitória do candidato chavista. A nota coloca em dúvida a lisura de um órgão de Estado, o que é grave”, afirmou ao Brasil de Fato.
Os dois países estavam articulando com o México a mediação da situação da Venezuela e mantiveram um canal de interlocução com o presidente venezuelano Nicolás Maduro. Os três governos publicaram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo CNE e não pela Justiça do país.
Depois, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, disse que não falaria com Lula e Petro até que o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) emitisse um posicionamento sobre as eleições do país. O TSJ validou a eleição de Maduro e o chefe do Executivo do México afirmou que falta a publicação dos resultados desagregados. Sem Obrador, Lula e Petro emitiram declarações sugerindo novas eleições, mas tanto o governo quanto a oposição da Venezuela rechaçaram a ideia.
A nota de Brasil e Colômbia pediu também que não sejam usados “atos de violência” pelos envolvidos. Os dois governos reforçaram a “total oposição às sanções unilaterais como instrumento de pressão”. A Venezuela é alvo de mais de 930 sanções dos Estados Unidos, União Europeia e Canadá, que atingem principalmente o setor petroleiro. Segundo Lula e Petro, medidas desse tipo são “contrárias ao direito internacional e prejudicam a população dos países sancionados, em especial as camadas mais vulneráveis”.
Segundo Maringoni, o fato de os dois países não reconhecerem a eleição de Nicolás Maduro mantém o Brasil em uma posição “flexível, mas que pode trazer problemas no futuro”.
“O não reconhecimento é uma medida política dura, mas flexível neste caso. Na prática, nada muda por enquanto. O novo governo, a partir de janeiro, não será reconhecido, caso não haja fatos novos. O passo seguinte seria a retirada de embaixadores e, mais adiante, o rompimento. Politicamente seria um desastre. O Brasil deixaria de ser um vetor de integração regional. Além disso, Brasília precisaria ser coerente em suas posições internacionais, diante de casos análogos”, disse.
Ele faz referência a posição do governo brasileiro em relação à Ucrânia e França. O Brasil não se pronunciou sobre a suspensão das eleições ucranianas e nem sobre a medida do presidente francês Emmanuel Macron de tentar fazer um rearranjo político para impedir a formação de um governo de esquerda em Paris.
Para Reinaldo Tamaris, professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela, a nota dos dois países é ambígua, porque pede a publicação dos dados verificáveis das eleições, mas não considera que esses dados já foram checados pela Justiça do país. Ele, no entanto, disse ao Brasil de Fato que deixar de pedir a publicação das atas eleitorais já é um avanço porque a lei eleitoral do país nunca permitiu a divulgação destes documentos.
“Ao menos eles não falam de atas, eles falam que são os dados verificáveis. Mas o problema é que tipo de dados eles consideram verificáveis, até porque já foram verificados pela Justiça, então é uma nota ambígua. Quando os dados forem publicados no site do CNE eles terão maior peso e já serão verificáveis, porque os fiscais de cada partido puderam ter acesso às atas”, afirmou.
Para ele, os dois países buscam ter maior protagonismo na integração regional e usam esse tipo de comunicado para dar uma resposta à pressão internacional pelas eleições venezuelanas.
“Essa nota não é mais do que dar um respaldo para a comunidade internacional. Eles falam em facilitar os diálogos, mas há um desconhecimento sobre o que aconteceu no dia 29, que foi a promoção de violência pela extrema direita. Os dois países buscam uma relevância internacional, mas não podem ter um tom de ingerência. O próprio Maduro já respondeu esse tipo de posição afirmando que não faz diplomacia de microfone e quer esse diálogo cara a cara. Ou seja, eles precisam visitar a Venezuela e ver o que está acontecendo”, disse.
Judicialização
O processo eleitoral venezuelano passou por uma disputa judicial. A oposição contestou a eleição de Nicolás Maduro para um terceiro mandato. Isso, somado à denúncia de ataque hacker pelo CNE, levou Maduro a pedir uma investigação pela Justiça. O TSJ investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu nove dos dez candidatos que disputaram o pleito. Só o opositor Edmundo González Urrutia não compareceu.
Depois de comparar as atas eleitorais com o resultado coletado pelo sistema eletrônico, a Justiça validou a vitória de Nicolás Maduro e confirmou a existência dos ataques hackers, mas exigiu que o CNE publicasse os resultados desagregados. O órgão eleitoral respondeu em comunicado nesta segunda-feira (26) afirmando que vai publicar dentro do prazo de 30 dias depois das eleições, que foram realizadas em 28 de julho.
O grupo liderado pela ex-deputada ultraliberal María Corina Machado afirma ter recolhido mais de 80% das atas eleitorais e que a soma desses resultados daria a vitória a Edmundo González Urrutia. Os opositores de Maduro divulgaram em dois sites uma suposta lista das atas eleitorais. Em um deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter.
Mas eles não enviaram a relação completa das atas à Justiça venezuelana e nem entraram com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais. Corina disse que seu candidato, Edmundo González, ganhou o pleito por larga margem, supostamente com 67% contra 30% de Maduro.
Com o início das investigações pela Justiça, Edmundo González Urrutia não se apresentou ao TSJ e enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da oitiva, Rosales disse que a oposição “não precisa entregar nada” e exigiu a apresentação das atas eleitorais pelo CNE.