Visibilidade lésbica e o urgente enfrentamento ao lesbocídio
Brasil de Fato
A luta das lésbicas no Brasil não só é marcada por desafios, mas também por conquistas e ativismo corajoso. O orgulho lésbico é mais do que uma afirmação de identidade, é uma resistência contínua contra o sistema patriarcal hétero-cis-normativo que busca silenciar nossas vozes. Do levante no Ferro’s Bar em 1983, marco importante no reconhecimento das questões lésbicas no Brasil, à criação do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica em 1996, enfrentamos barreiras específicas para implementação de políticas que nos contemplem integralmente.
Mesmo com avanços como a Lei Maria da Penha (2006), que abrange relações homoafetivas e protege mulheres cis e trans, os desafios ainda são grandes. Enfrentamos um constante apagamento de nossas lesbianidades e interseccionalidades, por meio de expressões extremas de violência e opressão como o lesbo-ódio e o lesbocídio, que é uma variação do feminicídio.
Quando mulheres heterossexuais são mortas por seus parceiros, frequentemente a motivação está relacionada ao machismo. Embora tais assassinatos visem à submissão das mulheres, o lesbocídio é a tentativa mais ampla de erradicar a existência delas porque, ao rejeitarem esse lugar imposto às mulheres, as lésbicas são vistas como “sem função” dentro do patriarcado.
São violências cruéis praticadas tanto por torturas diversas, mutilações e carbonizações quanto pela não aceitação familiar ou de agentes públicos após a morte da vítima, desrespeitando sua história e contribuindo para o apagamento das violências a que as lésbicas são submetidas, em diferentes contextos.
Estudos revelam que as mortes de lésbicas possuem peculiaridades. Em 2019, 89,9% das mulheres vítimas de feminicídio foram mortas por seus parceiros ou ex-parceiros. Em contraste, entre 2014 e 2017, 36% das vítimas lésbicas foram assassinadas por desconhecidos, 30% por conhecidos e 34% por pessoas com vínculos afetivos ou familiares. De acordo com o LesboCenso, mais de 78% das lésbicas relataram ter sofrido algum tipo de violência por sua orientação sexual. Na semana do Dia da Visibilidade Lésbica, registros do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos apresentam 1.017 denúncias e 13 mil violações de direitos humanos contra lésbicas.
Não são meramente números, são vidas marcadas por dor, sofrimento e refletem a necessidade de maior compreensão das múltiplas camadas de opressão, evidenciando a urgência de políticas públicas que enfrentem essa realidade. São casos como os de Ana Caroline Câmpelo, Luana Barbosa e Katyane Campos, que morreram por tortura, mutilação, espancamento, carbonizadas e violentadas sexualmente. É o exemplo de Lurdinha Rodrigues, Claudete Alves, Marcia Marçal, Marylúcia Mesquita e tantas outras anônimas que perderam suas vidas em uma sociedade que segue punindo lésbicas simplesmente por serem quem são.
Recentemente, o Governo Federal deu importante passo para reverter essa realidade, com a celebração de um acordo inédito de proteção e promoção dos direitos das mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e intersexo. A iniciativa vai fortalecer a rede de atendimento, aprimorar o fluxo de denúncias e promover a produção de evidências para criação de políticas públicas eficazes e preventivas, garantindo o exercício pleno da cidadania. Acredito que estamos no caminho para construir um novo capítulo na defesa dos direitos das mulheres LBTIs no Brasil. Eu, enquanto mulher preta, lésbica e periférica, estou honrada de ser parte dessa conquista importante para todas nós.
* Bel sá é secretária substituta da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.