Especialistas recomendam fechamento de comunidade terapêutica e hospital psiquiátrico no DF

Brasil de Fato

Especialistas avaliaram que o Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, em Taguatinga, Distrito Federal, e a Comunidade Terapêutica Salve a Si – Instituto Eu Sou, localizada na Cidade Ocidental, em Goiás, devem ser fechadas. A afirmação foi feita durante conferência da Frente Parlamentar Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, nesta quarta-feira (28), na Câmara dos Deputados.

“A gente não vai esperar a rede do DF se expandir para fechar o Hospital São Vicente de Paulo, é o fechamento dele que vai levar a ampliação da rede”, disse Carolina Lemos, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão responsável pela elaboração do relatório. “Enquanto o hospital estiver aberto, os serviços de saúde mental continuam funcionando dentro de uma logica manicomial e com a centralidade de um hospital psiquiátrico”, explicou.

A conferência teve como proposta apresentar o relatório de inspeções no Distrito Federal e Entorno realizada no dia 5 e 6 de março deste ano no CT Salve a Si – agora, com o nome Instituto Eu Sou – e no Hospital São Vicente de Paulo. A audiência foi organizada pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) e o Grupo Saúde Mental e Militância no DF (UnB).

Sobre as Comunidades Terapêuticas, o professor Pedro Costa, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo Saúde Mental e Militância no DF, explicou que financiamento público delas tem aumentado de maneira substancial, algo que não ocorre de forma similar com as Unidades de Acolhimento, Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

“A gente tem um total de R$ 28 milhões para um total de 18 Comunidades Terapêuticas do DF, só a partir de duas fontes de recurso público. Já o número de Caps que temos no DF, como um todo, são 18, sendo que oito são Caps ad Álcool e Droga”, explica Pedro sobre um montante de 2019 a 2022.

Viviane Ribeiro, também perita do Mecanismo, enfatizou a necessidade de que o Estado não financie estruturas de tortura e defendeu a luta antimanicomial como forma de garantir os direitos fundamentais das pessoas em sofrimento mental. “O relatório mostra que são pessoas privadas de liberdade. Não existe tratamento nesses lugares”, diz.


Relatório denuncia violações de direitos humanos. / Foto: Vitória Segato

Condições sub-humanas

O relatório expõe graves violações de direitos humanos, incluindo denúncias de maus-tratos, exploração do trabalho, tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Na conferência, a também coordenadora do relatório, Carolina Lemos, informou que foram identificados indícios de trabalho análogo à escravidão, apropriação de bens dos internos, incluindo recursos do Bolsa Família, além de condições estruturais precárias e insalubres.

Sobre o Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, a perita apontou que o local opera ilegalmente há quase 30 anos, utilizando práticas manicomiais baseadas na medicalização e no uso de contenções mecânicas como método disciplinar.


Em novembro de 2023 pacientes fugiram do hospital psiquiátrico em Taguatinga / Foto: Reprodução/ Comunicação Sindesv-DF

O documento também denuncia o uso de contenção mecânica, isto é, a imobilização através da força física, tanto na Comunidade Terapêutica quanto no Hospital e relata abusos físicos e verbais cometidos por funcionários do Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo. A presidenta do Conselho Regional de Psicologia do DF (CRP-DF), Thessa Guimarães, destacou que o hospital, que emprega cerca de 300 funcionários, poderia redistribuir esses profissionais para dispositivos de cuidado em liberdade da rede de atenção psicossocial, evitando a manutenção de práticas asilares e punitivas.

Durante a audiência, Samantha Larroyed, ativista antimanicomial, compartilhou sua experiência pessoal em uma comunidade terapêutica, relatando episódios de violências físicas, psicológicas e sexuais. Ela ressaltou o impacto profundo dessas práticas na vida das pessoas internadas. “Já sofri violências de cunho religioso também. Todas as violências que têm em CTs hoje, eu sofri de maneira espaçada, como violação de direitos humanos, agressão física e agressão psicológica. Nas CTs, a gente vê todas as violências concentradas e, ainda, com financiamento público”, diz Samantha.

Direitos fundamentais

O deputado federal Pastor Paulo Henrique Vieira (Psol), coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, destacou a importância de cuidar das pessoas com respeito aos seus direitos fundamentais. Ele afirmou que o relatório é essencial para dar visibilidade às lógicas manicomiais ainda presentes no Brasil, que perpetuam práticas atrasadas e violadoras de direitos.


O documento apresentado propõe a revisão da política de financiamento das comunidades terapêuticas. / Foto: Vitória Segato

O documento apresentado propõe a revisão da política de financiamento das comunidades terapêuticas, priorizando políticas públicas que promovam a reintegração familiar e comunitária e o cuidado em liberdade. Além disso, o relatório recomenda a desativação definitiva do Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, substituindo-o por serviços comunitários de saúde mental que respeitem a dignidade e os direitos dos pacientes, conforme previsto na legislação brasileira.

No total, são 22 recomendações à diversos órgãos federais e distritais relacionadas à Comunidade Terapêutica Salve a Si e 16 recomendações sobre o HSVP. O relatório completo está disponível no site do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Conforme explica o professor da UnB, Pedro Henrique Costa, esta não é a primeira vez que as duas instituições são alvo de inspeções. Em 2017, a Salve a Si foi uma das 28 CTs de todo o Brasil fiscalizadas pelo Mecanismo, pelo Conselho Federal de Psicologia e pelo Ministério Público, resultando na publicação do Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas – 2017, lançado em 2018. Já o HSVP também foi alvo de inspeção em 2018 pelo Mecanismo, com relatório publicado no mesmo ano. Em ambos os casos foram encontradas inúmeras irregularidades e ilegalidades.

“Portanto, as denúncias contra as duas instituições não são de hoje; não são novas. Até por isso, o fechamento de ambas é mais do que uma necessidade; é uma urgência. O Distrito Federal tem que se envergonhar de possuir duas instituições manicomiais como estas funcionando em pleno 2024. O fortalecimento da saúde mental e, nela, da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e seus serviços públicos e não manicomiais requer que instituições como o HSVP e a Salve a Si/Instituto Eu Sou parem de ser financiadas – com verba pública – pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e pelo Estado brasileiro, e, também, sejam fechadas, assim como quaisquer outros manicômios”, ressaltou.

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Da Redação