Pavilhão da Agricultura Familiar, na maior feira agropecuária do RS, tem recorde de vendas em ano de novidades

Brasil de Fato

A 47ª edição da Expointer, maior feira de agropecuária do Rio Grande do Sul, teve como grande destaque deste ano o Pavilhão da Agricultura Familiar. Conquista dos movimentos do campo e tema de livro lançado no evento, o espaço reuniu expositores de 181 municípios do estado e bateu recorde de vendas. O total foi de R$ 10.880.097 – um crescimento de 25,44% em relação ao ano anterior. O evento aconteceu entre 24 de agosto e 1º de setembro, em Esteio, na Região Metropolitana de Porto Alegre.

Outro destaque ficou por conta da participação feminina. Pela primeira vez na história da Expointer, mais da metade dos 413 empreendimentos de agricultura familiar foi liderada por mulheres. Um desses casos é a agroindústria Vida na Terra, da cidade de Canguçu (RS).

“Eu me sinto muito feliz por estar trabalhando, fazendo um produto saudável e, ao mesmo tempo, mostrando que todo mundo é capaz, que a mulher é capaz, que a gente consegue controlar uma casa, que a gente consegue cuidar do filho, que a gente consegue produzir”, afirma a agricultora Rosemar Ferreira, que comanda a agroindústria.

Apesar de ser uma das maiores feiras agropecuária a céu aberto da América Latina, o setor que mais encanta os visitantes da Expointer é o Pavilhão da Agricultura Familiar. Com sua variedade de queijos, pães, doces, cachaças, sucos, artesanato e outros produtos, o espaço, que foi uma conquista dos pequenos produtores, registrou recorde de vendas em 2024.

Do plantio ao suco, Rosemar e sua família dominam todas as etapas do processo de produção / Foto: Rafa Dotti

Os sucos são a especialidade da agroindústria Vida na Terra. “A gente tem uma agrofloresta, onde a gente produz a planta, faz todo o procedimento, desde a colheita, a limpeza, processo e engarrafamento”, comenta Rosemar.

Ela conta que a produção é principalmente de frutas nativas da região, como o araçá, a guabiroba, o ananás, o butiá, a uvaia e a jabuticaba. “A gente está resgatando esse processo de consumir o que é bom, o que é natural. A gente faz todo o produto orgânico, sem nenhum conservante, sem nenhuma produção de veneno.”

Confira a reportagem em vídeo:

Estreia da presença quilombola

Outra novidade deste ano foi a participação de expositores quilombolas. Uma banca reuniu a produção de roupas e acessórios dos quilombos Morro Alto, de Maquiné e Osório, e Peixoto dos Botinhas, de Viamão.

“Nós somos seis pessoas lá do nosso quilombo, que somos artesãs”, conta a artesã do Quilombo Peixoto dos Botinhas, Nilva Cantini da Silva Gomes. Ela afirma que o grupo tem muitas atividades. “A gente trabalha numa sede com 60 famílias, nós somos mais ou menos 150 pessoas no quilombo.”

Nilva ao lado de sua colega de banca, Elisete da Rosa, do Quilombo do Morro Alto / Foto: Rafa Dotti

O trabalho de customização, explica Nilva, é feito com reciclagem do que é doado no quilombo, como roupas e botões. “A gente está vendo na Expointer uma oportunidade de abrir caminhos para os nossos filhos, nossos netos. E preservar também a nossa ancestralidade, que é o quilombo, que veio da África, e hoje a gente tem muitos caminhos para abrir para eles também.”

Artesanato indígena

Outros seis estandes trouxeram artesanato indígena de etnias presentes no Rio Grande do Sul: Mbyá-Guarani, Kaingang, Charrua e Xokleng. Cada banca reuniu o trabalho de diversas aldeias, conta Cláudia Lopes, Mbyá-Guarani que vive na Tekoa Nhu Porã, em Maquiné.

Cláudia Lopes vive em Maquiné, mas o estande reuniu artesanato de outras aldeias / Foto: Rafa Dotti

“A gente tem artesanatos, bichos de madeira e cestinho de taquara. Trazemos vários tipos de artesanatos. Vários não indígenas falaram que nós não fizemos nada em casa, só quer alguma coisa de graça, mas não é assim. A gente trabalha, muitas passando dificuldade nas aldeias. Então a gente vem aqui, não é só para vender, é para mostrar que é nosso trabalho, da gente, de todos os indígenas”, afirma.

Reforma agrária

A produção de assentamentos da reforma agrária também marcou presença na Expointer. A Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), por exemplo, levou o arroz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como forma de superação. “Nós fomos atingidos duramente na produção do arroz orgânico. A gente já estava na época da colheita. Cerca de 70% da nossa produção ficou embaixo d’água”, afirma a assentada Indiane Rubenich.

A feira marcou um momento significativo para a agricultura gaúcha, especialmente após as adversidades climáticas que atingiram o estado em maio deste ano. Indiane celebra a presença na Expointer. “Esse é mais um espaço para a gente mostrar que a reforma agrária dá certo. Que a gente tem diversos produtos que as pessoas consomem no dia a dia ou, às vezes, até procuram nos mercados para consumir, e que vem da agricultura familiar, vem dos assentamentos de reforma agrária.”

Assentada em Nova Santa Rita (RS), Indiane vê o pavilhão como oportunidade para mostrar ao público o trabalho da reforma agrária / Foto: Rafa Dotti

Livro celebra 25 anos do espaço

O Pavilhão da Agricultura Familiar na Expointer foi uma conquista histórica de entidades e movimentos do campo do estado gaúcho. Começou como um desafio, em 1999, no governo Olívio Dutra (PT), e se tornou um sucesso. A história foi registrada em um livro que celebra os 25 anos do pavilhão, lançado este ano durante a feira.

Secretário de Agricultura do RS naquele período, José Hoffmann é um dos co-autores da publicação organizada pelo jornalista André Simas-Pereira. Hoffmann celebra a semente plantada, que germinou e “hoje é uma maravilha”, e recorda da luta para efetivar o espaço.

“Foi um processo muito dolorido no início, porque nós fizemos uma grande disputa com quem se achava dono desse pedaço aqui, que era a Farsul [Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul], que achava que era inconveniente. O governo Olívio tinha sido eleito com a proposta de democratização dos espaços públicos e universalização das políticas públicas. E esse princípio nós implantamos aqui. Tivemos muita resistência, inclusive nossos adversários diziam que nós íamos transformar a Expointer numa favela.”

Hoffmann segura o livro “25 Anos da Agricultura Familiar na Expointer – do desafio ao sucesso”, lançado neste ano na feira / Foto: Rafa Dotti

Para o ex-secretário, a procura pelo Pavilhão da Agricultura Familiar é a prova do sucesso. “Além de tudo que nós estamos vendo aqui, em 1999, nós tínhamos 300 mil pessoas visitando a Expointer e, no ano passado, foram 800 mil”, destaca.

Ao comentar o livro que resgata o início dos 25 anos do espaço, ele afirma que o mais emocionante é o depoimento dos “protagonistas desse processo”, as pessoas que participaram na edição de 1999. “O livro tem o propósito de resgatar essa memória e não deixar esquecer, porque a verdade é a seguinte: se a gente não registra a memória, esquece.”

A agricultora assentada Indiane também celebra a conquista. “Eu acho que é super importante ter esse espaço, garantir esse espaço ao longo desses 25 anos de Expointer, para mostrar para o público que quem alimenta de fato é a agricultura familiar.”