Retratos da enchente no RS: a luta de Maria Teixeira para reconstruir seu barraco levado pelas águas
Brasil de Fato
Maria Teixeira, de 77 anos, é miúda, de pequena estatura: tem não mais que 1,50 m de altura. Ela quase sempre está no meu caminho ou eu no dela. Na frente dos supermercados Rissul da Cristóvão Colombo e no Zaffari da Bordini, na esquina da 24 de Outubro com Olavo Barreto Viana, na avenida Independência e algumas outras ruas de Porto Alegre (RS).
Circula, enfim, entre os bairros Floresta, Auxiliadora e Moinhos. Sempre com uma sacolinha. Na cabeça, um velho lenço encardido. Não mostra os cabelos. Vira a cara quando peço para tirar uma foto. “Pelo amor de deus, não.” Do que tens medo, Maria “De nada, mas só deixo tirarem foto para documento e foram poucas nesta vida”, diz, constrangida.
Ela pede dinheiro ou algum alimento. Com uma pequena sacola a tiracolo, diz que não pode carregar muito peso. “Então, se me derem um dinheirinho fica melhor, não tem peso, mas tem valor”, explica. Maria sabe que nasceu em São Luiz Gonzaga e que morou em Santo Ângelo, na região missioneira do Rio Grande do Sul. Conta que foi casada uma vez, o marido morreu e, desde então, vive sozinha. Não teve filhos. Não lembra há quanto tempo está na capital.
A enchente de maio foi cruel para a vida de Maria. Moradora de uma zona muito carente do bairro Humaitá e de um barraco muito frágil, não teve condições de salvar seus pertences, que se resumiam a um fogão, uma pequena geladeira, a cama e mais nada. Tudo foi levado pelas águas, junto com documentos e o “pouco dinheirinho que tinha na carteira”. Ficou sem chão. Triste, sim, mas nada que a tenha deixado em prantos.
Tão logo perdeu o que tinha de bens materiais, tentou se refazer. No abrigo onde foi instalada, uma assistente social prometeu ajudá-la no que fosse possível. Não sabe que abrigo era, nem o endereço. A tal de assistente fez novos documentos, encaminhou sua aposentadoria e o auxílio do governo federal e mais outras coisas, “que nem lembro mais”, diz.
Espera o retorno da assistente, mas não sabe onde achá-la. Fala com desenvoltura, mas a memória está mais fraca. O barraco está sendo reconstruído. “Alguns vizinhos estão dando tábuas e material para o teto. Já está quase pronto. Comprei um fogãozinho por R$ 50 de um vizinho. Está meio ruim, mas dá para cozinhar alguma coisa. Tinha dois botijões, perdi, mas ganhei um lá no bairro. Estou dando um jeito na vida. Vamos ver se vai dar certo. Ainda bem que não sou pessoa doente. Sempre estou atenta para qualquer coisa que complique a minha vida. Tenho certeza que não vou morrer sozinha, os vizinhos são bons”, afirma, confiante.
Futuro
Maria relata também que agora está evitando ir para a frente dos supermercados, que frequentava com muita assiduidade antes da enchente. “Tem muita gente gritando, muita gente por ali que fica pedindo. Quero ficar no meu cantinho, sem incomodar, mostrar apenas que estou por aí, tentando ganhar uns trocados.”
Os taxistas, que ficam em frente ao Zaffari da Bordini, dizem que ela tem um filho – coisa que ela nega com veemência – que a obriga a sair pelas ruas pedindo dinheiro.
“Um gigolô de mãe”, me conta um motorista, “ele até bate na velhinha”. Vá saber se é tudo isso mesmo já que os relatos são conflitantes. Pergunto para a dona Maria se ela é castigada por alguém. “Não mesmo, vivo a minha vida e é só.”
E o futuro, dona Maria “Durmo, como e saio por aí. Pego ônibus. Os motoristas são camaradas e param para me levar. Humaitá é longe, não dá para caminhar tudo isso de rua até chegar aqui, na Cristóvão”, detalha. “Vou vivendo até tudo se acabar.”
O caso de dona Maria é mais um nesta Porto Alegre de contrastes gigantescos. Quem quer saber de uma idosa jogada nas ruas e sobrevivendo num barraco? Ninguém. Em volta crescem os espigões, os gritos de gol do estádio do Grêmio e a multidão que passa pela rua para ir aos jogos ou para algum bar. Pois é. Vida que segue. Para alguns, impiedosamente.