Sem dinheiro para funcionar, Comissão de Anistia realiza sessão de julgamento nesta quinta (26) sob ordem judicial

Brasil de Fato

A Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), vai realizar um julgamento na manhã desta quinta-feira (26) por ordem judicial. O órgão havia previsto inicialmente um calendário de três dias de julgamento, englobando estas quarta (25), quinta (26) e sexta (27), mas teve que alterar a rota dos trabalhos porque não tem mais verbas para operar.

Por conta da falta de orçamento, a sessão desta quinta será realizada de forma semipresencial, com a maior parte dos conselheiros participando apenas por meio virtual e aqueles que vivem em Brasília (DF) participando in loco, e foi formatada após a Justiça determinar que alguns processos não poderiam mais esperar para serem analisados.

Conforme o Brasil de Fato mostrou em reportagem publicada em 2 de setembro, cada vinda dos conselheiros para Brasília custa entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. Até o mês de julho a comissão funcionou com o orçamento que havia sido destinado ao órgão para 2024, mas, em agosto, precisou contar com uma verba cedida temporariamente pelo MDHC para garantir a compra das passagens dos conselheiros.

O acordo firmado foi de que o valor gasto seria subtraído de um montante de R$ 1 milhão que a comissão ainda aguarda receber de uma emenda parlamentar encaminhada pelo deputado Tião Medeiros (PP-PR). O dinheiro está bloqueado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu temporariamente o pagamento de emendas impositivas até que os Poderes Executivo e Legislativo fixem medidas de transparência e rastreabilidade do dinheiro.

A situação de penúria orçamentária da comissão se desenrola ao mesmo tempo em que o MDHC vive um momento de transição de poder. Após a demissão de Sílvio Almeida no início deste mês, a petista Macaé Evaristo assumiu o posto e passou fazer despachos em nome do ministério desde 11 de setembro, mas só toma posse oficialmente nesta sexta (27).

A presidenta da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, disse à reportagem que ainda não se reuniu com a nova ministra. Enquanto as tratativas por uma recomposição orçamentária não avançam, Eneá afirma que ainda não há novas perspectivas para os trabalhos da comissão.

“Ficou tudo parado. Não tem dinheiro para nada. Nós íamos fazer sessões hoje, amanhã e sexta para julgar os casos de 2006, 2007 e 2008, o que dava um total de quase 300 processos, mas foi tudo por água abaixo. A gente vai ter esta sessão nesta quinta, mas com apenas cinco processos porque houve a decisão judicial, e ainda [iremos analisar] um bloco que também tem prazo de anulação de portarias de anistia de ex-cabos da FAB [Força Aérea Brasileira].”

Limitações

A dirigente aponta que a realização semipresencial, e não totalmente presencial, dos trabalhos dificulta o fluxo dos diálogos e da análise de recursos e outros documentos que estão sob a batuta da comissão. “É algo que cria muitos inconvenientes porque os temas com os quais a gente lida são muito sensíveis. O contato olho no olho, a presença física são muito significativos e, portanto, fazem a diferença até mesmo entre nós [conselheiros]. O formato on-line cria dificuldades para o diálogo, enquanto o trabalho presencial é mais administrável.”


Eneá de Almeida [à esquerda] é a primeira mulher a dirigir a Comissão de Anistia / Ascom/MDHC

Ritmo

A Comissão de Anistia tem atualmente uma média de 5.500 recursos aguardando apreciação. Há ainda cerca de 350 processos que não tiveram a análise iniciada, com pelo menos 80 deles sendo de pessoas ligadas à Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC Paulista (AMA-A ABC).

O presidente da entidade, Adair Carlos da Cruz, ressalta que os solicitantes dos processos – em geral, membros da classe trabalhadora – temem morrer sem receber uma reparação do Estado por conta da perseguição sofrida na época da ditadura civil-militar (1964-1985).

“Como a maioria do pessoal tem idade avançada, há uma certa ansiedade com relação a isso. São pessoas que foram perseguidas pelo regime durante as greves de 1978, 1979, 1980 e 1986. Alguns eram dirigentes sindicais, diretores e foram demitidos [do emprego], outros eram militantes que também foram demitidos e alguns chegaram até a ser processados pelo Estado brasileiro”, relata.

Ele diz lamentar o cenário de falta de recursos da comissão porque coloca em xeque as expectativas relacionadas ao atendimento da demanda represada do órgão. “O que a gente queria – e nós estamos torcendo para isso – é que o cronograma inicial dos julgamentos para 2024 fosse mantido porque a pauta da comissão era julgar este ano todos os processos que iniciaram até 2010”, afirma Cruz, segundo o qual a entidade solicitou uma reunião com a ministra Macaé Evaristo e aguarda retorno da pasta.


Militares durante manifestação estudantil contrária à ditadura militar / Arquivo Nacional/Ministério da Gestão e Inovação Social

Militante de referência em Brasília na luta em nome dos anistiados, a anistiada política Rosa Cimiana enviou à ministra, na última segunda (23), uma carta pública em que expressa que os militantes do segmento estariam se sentindo “bastante perdidos” quanto ao rumo que será dado a essa agenda no âmbito do ministério.

A servidora pública pediu uma audiência com a titular da pasta. Em conversa com o Brasil de Fato, Rosa Cimiana voltou a lamentar o que chama de “desleixo” dos diferentes governos com a pauta. “Todos os governos de modo geral tiveram problema em relação a isso e, agora, no governo Lula, parece que nós não existimos para eles. Já fui anistiada, mas sou praticamente uma caçula nesta história, e olha que já estou com 65 anos. Muitos ainda aguardam o seu julgamento acontecer”, encerra.

Governo

O Brasil de Fato procurou ouvir o MDHC para tratar das manifestações feitas nesta matéria, mas não obteve retorno até o fechamento do texto. O espaço segue aberto, caso a pasta queira se pronunciar.

Da Redação