Farmacinha Comunitária de Maquiné (RS) terá história contada em livro e exposição
Brasil de Fato
Na cidade de Maquiné, localizada entre a serra e o mar do litoral norte no Rio Grande do Sul, a 128 quilômetros de Porto Alegre, existe uma farmacinha natural e comunitária, organizada por mulheres.
Elas reúnem-se há mais de 30 anos para preparar remédios caseiros. A história desses encontros será agora documentada em livro e exibida em mostra fotográfica pelo projeto ‘Frascos de Memória: Farmacinha Filhas da Esperança’, que está sendo realizado com financiamento da Lei Complementar nº 195/2022, Lei Paulo Gustavo – Edital Pesquisa, Registro e Memória.
A trajetória da Farmacinha tem início quando a enfermeira Rafinha Duarte, em 1991, deparou-se com a realidade de pessoas adoecidas, em um local onde na época não existia acesso ao sistema de saúde pública. As mulheres eram as mais prejudicadas, tanto fisicamente, pelo excesso de trabalho em casa e na roça, quanto emocionalmente, por viverem isoladas do convívio social.
Na ocasião, com o apoio da comunidade, Rafinha deu origem à Farmacinha, um lugar onde as mulheres pudessem se reunir uma vez por semana para tratarem de temas como cuidados de saúde, espiritualidade, sabedoria ancestral e organização coletiva. Nos anos seguintes originou outras setenta farmacinhas comunitárias no Brasil. Atualmente em Maquiné, todas as quartas-feiras à tarde, é dona Maria Teresa Gonçalves, junto a outras mulheres – quem dá continuidade ao trabalho.
Com o objetivo de resgatar e preservar a história, a partir das experiências das mulheres, o projeto ‘Frascos de Memória’ será desenvolvido até meados de 2025, ano em que haverá rodas de leitura e exposições do acervo de memórias e de fotografias. A coordenação geral está sendo realizada por Bárbara Righi Cenci, produção cultural do Amó – Lugar de Bem Viver, pesquisa de Andressa Soares e das jornalistas Michele do Caminho e Anaiara Ventura, curadoria histórica de Luana Rocha e fotografia de Mirella Rabaioli. O livro será escrito por Anaiara Ventura.
“A Farmacinha é um movimento que transformou e ainda transforma a realidade social, política e territorial das mulheres rurais e sua essência, a partir de sua fundadora Rafinha Duarte, teve papel fundamental na reorganização política do sistema de saúde pública no Brasil”, firma Anaiara.
Ela cita como exemplo, que Rafinha junto ao então Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), atual Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), elaborou e participou do Projeto Plantando Saúde do Governo Olívio Dutra em 2006, o qual gerou recursos para implantação de 42 farmacinhas caseiras no RS, com a finalidade de gerar renda para as mulheres rurais em 40 municípios. “A Farmacinha também é uma importante referência na luta contra os agrotóxicos na agricultura familiar”, acrescenta.
Resistência e Resiliência
“Em toda a sua história, a Farmacinha Comunitária Filha da Esperança carrega junto a luta e resistência por meio da ternura e do cuidado. E por meio dessa história, vemos que simplesmente o fato das mulheres reivindicarem o que é seu por direito, passarem a ser mais livres e terem mais autonomia, gera conflitos. Mostra como esse patriarcado está enraizado, em todos os lugares, mas vemos por meio dessa história algumas particularidades rurais: o fato das mulheres saírem pouco de casa, não terem acesso a estudos nem a transporte, ficarem responsáveis por cuidar da casa, da roça, dos filhos, do marido, da família como um todo”, destaca a pesquisadora do projeto e integrante da Farmacinha, Michele do Caminho.
Conforme pontua a pesquisadora, todo o cuidado costuma recair sobre as mulheres como uma obrigação. E elas ficam sem ter quem as cuide. Isso sem falar na violência doméstica. “A Farmacinha ajuda a abrir outras janelas para essas mulheres rurais. E, mesmo para as que vêm da cidade em busca de uma vida com mais sentido e mais equilibrada em meio às matas, também é importante se reunir, se cuidar, tecer redes e se organizar”.
A tendência, prossegue Michele, em uma cidade como Maquiné, relativamente pouco habitada e com grande extensão territorial – e sem transporte público – é as pessoas, e principalmente as mulheres, ficarem isoladas nos cantos, nos seus fundos de vale.
“São algumas histórias de mulheres que por meio da Farmacinha conseguiram estudar, conheceram movimentos, passaram a obter renda com o Laboratório, com projetos e com reformas. A Farmacinha tem sido importante inclusive, no que diz respeito a trabalho para mulheres – algumas idosas, algumas com pouca escolaridade, algumas construtoras e algumas mães. Também para pesquisadoras: são muitas as pesquisas acadêmicas que tiveram a Farmacinha como tema”, conclui.