Horário de verão é ‘cortina de fumaça’ para problemas do setor elétrico, diz especialista

Brasil de Fato

A seca severa no Norte, Centro-Oeste e Sudeste do país vem causando transtorno para as populações dessas regiões, e para o restante do Brasil que está pagando mais caro pela energia elétrica desde a última terça-feira (1), quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu aplicar a bandeira vermelha nas contas de luz.

A justificativa é a seca histórica, mas há controvérsias. Como explica o ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu. “Do ponto de vista hidrológico, nós estamos vivendo a maior crise na bacia amazônica, porém, a bacia amazônica não é representativa, do ponto de vista da instalação de hidrelétricas no Brasil. A principal bacia é a bacia do Paraná, que não está com os reservatórios vazios”, argumenta. 

Sob o argumento de tentar reduzir o consumo de energia nesse período, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) recomendou ao governo o retorno do horário de verão em 2024, quando os moradores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste devem adiantar seus relógios em uma hora por um período determinado. O governo federal estuda a medida, que divide opiniões. 

 

 

“Quando eu trabalhava, era muito ruim, porque o horário de verão, ele só atinge realmente quem trabalha, quem se levanta muito cedo para vir trabalhar”, opina Lindamar, dona de casa, de 53 anos. Ela chama a atenção para outros problemas gerados pela medida. “Você vai acordar 4h30 e cadê o policiamento? Cadê a segurança que você não tem? Então é nesse período que as pessoas acabam sendo assaltadas, tem mais homicídio. Por isso eu acho que horário de verão não deveria voltar de jeito nenhum”, critica. 

Já a auxiliar de auditoria Raissa Ohana, de 19 anos, vê vantagem no horário especial. “Eu acho o horário de verão bom porque a gente tem a percepção que passa mais rápido o tempo. A gente entra mais cedo no serviço e acredita que sai mais cedo”, afirma. “Mas para mim não faz nenhum tipo de diferença”, completa. 

Preferências à parte, para o ex-presidente da ANA, a decisão sobre a volta do horário de verão deve obedecer a evidências científicas e às projeções sobre os possíveis resultados da adoção da medida. “O ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] fala em uma economia, nos meses de adoção desse mecanismo, de outubro a fevereiro, de menos de R$ 400 milhões. R$ 400 milhões é muito, mas quando você vai olhar para a receita do setor de geração no Brasil, que é de cerca de R$ 8 bilhões por mês – e nós estamos falando em 400 milhões em 5 meses, ou seja, cerca de 80 milhões de reais por mês. Estamos falando em uma economia de 0,01%, ou seja, nada, absolutamente nada” afirma o ex-presidente da ANA, que defende ainda campanhas de redução voluntária de consumo, para evitar o aumento das tarifas.   

Para o especialista em energia e dirigente do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Gilberto Cervinski, a proposta de retorno do horário de verão é uma cortina de fumaça para os verdadeiros problemas do setor elétrico brasileiro. “Está se falando que precisa do horário de verão para poupar energia, certo? Ao mesmo tempo que estão falando isso está acontecendo, na realidade, está sendo jogada energia fora, de eólica, de solar e de hidrelétrica”, denuncia. 

Segundo dados do ONS, apenas a usina de Jupiá, no rio Paraná, tem vertido, ou seja, deixado de usar, cerca de dois mil e trezentos metros cúbicos de água por segundo nos últimos dias. Além disso, Cervinski lembra que enquanto a conta está sendo paga pela população, mais de R$ 30 bilhões já foram concedidos em subsídios pela Aneel em 2024, dos quais cerca de 75% beneficiam a grandes empresas, como mineradoras e indústrias. 

“A outra questão é que se tem seca no Norte, e é real, isso é verdadeiro, e tem uma seca como nunca na história, nós deveríamos poupar água. Nós deveríamos poupar o vento, usá-lo de uma forma eficiente, não jogar fora o que está pago. Nós deveríamos poupar o sol e não jogar fora e deixar desligadas as usinas de sol, as usinas eólicas e as usinas hidrelétricas. Não deixar jorrar água pelas comportas. Isso quem tem que explicar é o operador nacional do sistema. E quem é o operador nacional do sistema Quem é que manda no operador? É uma reunião dos empresários do setor elétrico”, questiona Cervinski, que diz ainda haver fortes evidências de que se está tentando forjar uma crise, que poderia impactar as próximas eleições presidenciais.  

A expectativa é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tome uma decisão sobre o retorno ou não do horário de verão até o fim da próxima semana. 

A reportagem entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia (MME) e com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mas até o momento não teve retorno.  

Da Redação