Enquanto gasta em asfalto, gestão Nunes deixa de executar orçamento para parques e praças na cidade de São Paulo
Brasil de Fato
Balanço quebrado. Uma gangorra sem suporte para as mãos. Cordas estouradas. Remendos com fita. Do outro lado, uma pista para ciclistas com buracos e vegetação crescendo entre o concreto.
Esse é o estado do Centro de Esportes Radicais, no bairro de Bom Retiro, em São Paulo. Um cenário que surpreende até quem trabalha por lá, como a auxiliar de limpeza Dayne dos Santos Machado.
“Pode melhorar as pistas que têm muito buraco, entendeu? Melhorar as grades, porque tem muitas grades que estão desniveladas. Tem umas pistas que estão mais altas, outras mais baixas. O pessoal quando fica andando de bicicleta, skate, eles caem bastante. Entendeu? De noite o pessoal quer usar as pistas, fica horrível, eles não conseguem enxergar”, revela Dayne
“Tem as madeiras, que tá tudo fora do lugar, entendeu? Você não pode andar na ponte porque está quebrada. Não pode andar no escorrega direito, tem que tirar os parafusos, estão todos enferrujados”, completa a trabalhadora, sobre a situação do parquinho das crianças.
Sua colega, Ione Jorge Gonçalves, vive no Jardim Peri, na Zona Norte, e há 5 meses trabalha no parque. Ela também chama atenção para o estado do local. “Criança sempre machuca, porque tem muitas coisas que precisam ser reparadas”, revela.
Apesar de não reclamar das condições oferecidas pela empresa terceirizada que a contrata, Ione também lamenta o espaço reservado pela prefeitura para que elas descansem, que antes também era usado para fazer as refeições.
“A gente fica debaixo da escada, então assim, não é um lugar adequado para a gente ficar. É insalubre, porque ali ficam os produtos de limpeza, então a gente comia junto no espaço onde ficavam os produtos”, conta.
A falta de reforma e manutenção dos parques urbanos e equipamentos desportivos afeta toda a cidade. No orçamento municipal, estavam previstos mais de R$ 278 milhões para a ampliação, reforma e requalificação de Parques Urbanos, Lineares, e esportivos. Deste total, cerca de R$116 milhões foram liquidados até o final de setembro, o que corresponde a 42% do total.
O montante inclui o que foi destinado ao Fundo Especial de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infra Estrutura, o Fundo de Desenvolvimento Urbano, a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer e a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiental.
O Brasil de Fato também checou o que foi gasto pelas 32 Subprefeituras em intervenção, urbanização e melhoria dos bairros. Dos mais de R$982 milhões previstos, pouco mais de R$129 milhões foram gastos, apenas 13% do total.
Em subprefeituras como Guaianases, Ermelino Matarazzo, Brasilândia e Freguesia, Jaçanã e Tremembé, Mooca, Parelheiros, Pinheiros e Sapopemba, nada foi gasto. No orçamento, constam mais de R$ 208 milhões voltados para intervenções no setor nos 8 distritos citados.
Carlos Alberto Silva de Oliveira trabalhou na construção de 3 dos 103 parques para cães da prefeitura. No Cambuci, na Barra Funda, e nesta última, na Praça Olavo Bilac, na região dos Campos Elíseos.
Hoje, sem manutenção da prefeitura, os próprios moradores do entorno pagam para que o trabalhador cuide do local onde brincam os pets. “A lâmpada está queimada há mais de três meses. A gente liga para o 156, e ninguém vem”, desabafa Oliveira.
“A prefeitura fez a praça na Gurgel, roubaram até o portão, porque ninguém toma conta. Eu ia embora daqui, mas os moradores falaram que iam pagar meu aluguel, para cuidar dar praça. Se deixar pra prefeitura, vai virar o que é a Marechal”, completa.
Asfalto caro e improvisado
Enquanto o orçamento de parques é pouco executado, a prefeitura de Nunes movimenta muita verba para fazer asfalto. E essa tem sido uma de suas principais bandeiras eleitorais. Para se ter uma ideia, de 2013 a 2020, antes do início da gestão de Ricardo Nunes, foram investidos R$ 2,2 bilhões em programas de recapeamento de ruas e avenidas. De 2021 para cá, o prefeito da capital triplicou esse valor.
Segundo dados da Secretaria Municipal da Fazenda, foram mais de R$ 6,7 bilhões investidos para reparar 15 milhões de m² da malha viária da cidade, o que equivale a 8% da área total. Desde junho de 2022, 790 contratos foram firmados pela gestão de Nunes, com o metro quadrado de asfalto refeito variando de R$ 135 a R$ 957.
Mas todo esse investimento não se reflete na melhora da qualidade de vida dos paulistanos. Na Vila São José, na zona sul, uma obra de recapeamento na rua Santa Aurélia, tem atormentado a vida de Tony da Silva Rubinho, já que as máquinas funcionavam em plena madrugada.
“O barulho era imenso e perturbador. Como é que você consegue trabalhar de manhã com uma obra na porta de casa Até acionei um aplicativo que eu já tinha e estava acima de 85 decibéis”, aponta o professor de dança.
A Lei do Silêncio em São Paulo para áreas residenciais estabelece como limite de barulho em caso de obras um limite de 59 decibéis no horário entre 19h e 7h.
A obra começou há duas semanas e ainda tem alguns acabamentos por fazer, como o recolhimento de entulhos e as marcações de trânsito. “Ainda não terminaram, não colocaram nem as faixas. Não terminaram a pista direito e acontece que não sei se vão terminar”, lamenta Rubinho.
Segundo o Datafolha, 84% dos moradores na cidade reclamam de buracos no asfalto. O transtorno é o campeão de queixas da população em todas as regiões da cidade, com exceção do Centro.
“Toda vez eles fazem isso, né? A cada quatro anos quando vai terminando o período eleitoral eles começam a fazer um monte de tapa buraco, começam a fazer pista e reformas que normalmente não auxiliam tanta população”, finaliza o professor.
Outro lado
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer (Seme) informa que a reforma do Centro de Esportes Radicais está prevista para iniciar ainda este ano e que, em setembro, reparos foram feitos no entorno da ciclovia para nivelação da pista.
Informa também que a praça Olavo Bilac recebe serviço de varrição três vezes ao dia, lavagem às terças, quintas e sábados pela Subprefeitura Sé e operação Cata Bagulho às sextas-feiras, além de um mutirão mensal, com o próximo programado para 31 de outubro. Quanto a pavimentação na Rua Santa Aurélia, a gestão informa que a obra está prevista para terminar no final desta semana e que a empresa já foi notificada, e fará a remoção do entulho.
O Brasil de Fato também questionou à Prefeitura de São Paulo quanto aos valores liquidados, conforme a Lei Orçamentária Anual, para a Ampliação, Reforma e Requalificação de Parques Urbanos e Lineares e Ampliação, Reforma e Requalificação de Equipamentos Esportivos.
Em resposta, a Secretaria Municipal da Fazenda informa que os números apresentados pela reportagem estão incorretos. Porém, para justificar o argumento, a Prefeitura toma como base os valores empenhados e não liquidados em ações de Ampliação, Reforma e Requalificação de Parques Urbanos e Lineares e Ampliação, Reforma e Requalificação de Equipamentos Esportivos.
Valores empenhados são aqueles que a gestão reserva para aplicar em determinada ação, mas ainda não o fez. Liquidados são valores que já estão sendo efetivamente aplicados em uma obra ou reforma, por exemplo.
Segundo a gestão, até 2 de outubro, foram empenhados R$ 191 milhões dos R$210 previstos no orçamento. Quanto à rubrica Intervenção, Urbanização e Melhoria de Bairros, o orçamento atualizado, segundo a gestão Nunes, é de R$ 1,239 bilhão. Deste, R$ 781 milhões “já foram usados na contratação de obras e serviços”.