Mercado paralelo desvaloriza bolívar e governo da Venezuela tenta controlar inflação com injeção de dólares

Brasil de Fato

O Banco Central da Venezuela anunciou nesta terça-feira (15) ter injetado US$ 180 milhões (pouco mais de R$ 1 bilhão) na economia do país por meio da venda da moeda aos bancos. O objetivo é controlar a recente desvalorização do bolívar frente ao dólar.

Para economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a alta do dólar chamado oficial é consequência da alta do dólar paralelo. A moeda paralela começou o mês custando 44 bolívares, e no dia 15 de outubro já estava cotada a 48 bolívares, o que pressionou o mercado oficial. Nos últimos 5 dias, a cotação do dólar oficial aumentou 5%, passando de 36,5 bolívares para 38,9. A moeda local ficou estável ao longo do ano e foi um dos trunfos do governo venezuelano para controlar a inflação.

Agora, o Banco Central tem como objetivo controlar o preço do dólar paralelo colocando mais dólares em circulação e fazendo o movimento inverso: diminuir o preço do câmbio extraoficial a partir de uma baixa no preço da cotação oficial. Essa foi a segunda vez em outubro que o BC injeta dólares na economia. No total, U$ 260 milhões já foram vendidos pela autoridade monetária em duas semanas.

De acordo com Franco Vielma, sociólogo e mestre em economia política, o aumento do dólar paralelo pode ser explicado por diferentes motivos, mas se dá fundamentalmente por especulação. De acordo com ele, agentes econômicos usam a instabilidade política da Venezuela para manipular no mercado paralelo.

“Esse aumento pode ter acontecido por diferentes motivos. Pode ser uma maior demanda por dólares gerada pela instabilidade política, incerteza sobre um conflito ou a aplicação de mais sanções pelos Estados Unidos, o que dificultaria a entrada de dólares. É possível também ter havido um aumento pela longa estabilidade que o bolívar estava”, afirmou ao Brasil de Fato

O Banco Central é praticamente o único agente que oferece dólares em um mercado que demanda a moeda dos EUA. Pela alta entrada de dólares no mercado petroleiro, o Estado é responsável por mais de 90% da oferta de divisas no mercado, que é pouco explorado por empresas privadas nacionais e internacionais. 

A insegurança em relação ao controle da moeda, em uma economia que usa o dólar junto com a moeda local como a Venezuela, leva ao aumento imediato dos preços. Como os produtos são cobrados em dólares, um aumento no valor da moeda estadunidense faz com que o poder de compra do venezuelano que recebe em bolívares caia. 

Juan Carlos Valdez é mestre em Economia Política. De acordo com ele, outro fator que torna a Venezuela ainda mais vulnerável à alta do dólar é o fato de ser um país que depende da importação de produtos industrializados. 

“Por ser uma economia importadora, o dólar afeta diretamente o preço dos produtos. A variação do tipo de câmbio atua nessas duas frentes e é uma ferramenta de ataque político e de chantagem contra o governo”, disse.

O pesquisador em economia Arles Gomes afirma que essa é a intenção do governo ao tentar controlar a alta do dólar: segurar a alta dos preços. Para ele, no entanto, essa é uma maneira equivocada de lutar com um problema que não é estritamente cambiário, mas também político.

“Não dá para tentar combater a inflação a partir de uma competição entre a cotação oficial e a paralela. O ideal seria impedir ou minimizar o efeito desse processo, trabalhando sobre a inflação. É preciso uma política monetária para impedir que a inflação destrua o bolso do venezuelano, e essa política cambiária só busca uma competição com o dólar. Toda essa corrida especulativa acaba empurrando os preços para cima, já que os comerciantes vão sempre tentar compensar a diferença do dólar oficial para o paralelo”, afirma.

Para todos eles, a especulação promovida por agentes que controlam páginas e sites que fazem a cotação paralela tem origem política. Por serem grupos ligados a setores empresariais, há o interesse também em aumentar a instabilidade econômica depois da eleição de Nicolás Maduro, contestada pela oposição venezuelana. 

Juan Carlos Valdéz afirma que o componente político gera insegurança em relação ao comportamento do dólar no médio prazo, o que faz com que os empresários cobrem mais pelos produtos.

“Quando a demanda supera a oferta os preços sobem, mas aqui a demanda cai e os preços seguem subindo. Como se explica isso? Pela expectativa de empresários. Os comerciantes seguem aumentando os preços esperando que o dólar continue subindo, para repor o inventário quando isso acontecer. Isso não tem sentido porque o dólar estava estável em 36 bolívares”, afirma.

Outra saída 

Garantir a estabilidade e controlar eventuais valorizações e desvalorizações do bolívar é função do Banco Central. Para os pesquisadores, no entanto, o controle da inflação não pode ser feito por uma política cambiária. Aumento nos salários e um controle dos preços são saídas apresentadas como possíveis. 

“É preciso subir os salários de maneira importante, para cobrir as necessidades. Se possível, indexar os salários à inflação, para evitar que o trabalhador perca poder de compra”, afirma Valdez. 

O salário mínimo do país não sofre alterações há 2 anos. O último reajuste do foi em abril de 2022, quando o governo subiu para 130 bolívares, que hoje equivalem a pouco mais de US$ 3 (R$ 17). Os trabalhadores, no entanto, recebem também auxílios que chegam a US$ 130 (R$ 735 aproximadamente).

Para Arles Gomes, é preciso não só que haja um reajuste salarial, mas uma indexação para que os salários acompanhem a inflação e evitem o poder de compra do venezuelano. Ele destaca também a importância de haver formas de neutralizar a subida do dólar paralelo pelos agentes especulativos. Uma dessas ferramentas seria o controle dos preços. 

“Na Venezuela não há controle de preços que converta a inflação em um imposto que desloque a renda de quem tem para quem não tem. Por isso acontecem essas coisas. A inflação é um imposto que os ricos cobram aos pobres, porque é quem define os preços e afeta diretamente quem não tem dinheiro e não tem capacidade de reduzi-lo”, afirmou. 

Da Redação