Conheça a batalha da P7, que coloca o hip hop em destaque no centro de BH
Brasil de Fato
“BH é quem? BH é nóis”. Essa frase marca o cenário do rap na capital mineira, que recebe anualmente um dos principais eventos de batalhas de rimas do país, o Duelo de MCs, realizado no Viaduto Santa Tereza.
A poucos quarteirões de distância, na Praça 7, acontece a Batalha da P7, todas as quintas-feiras, a partir das 19 horas. O evento reúne centenas de pessoas, para ouvir, duelar e aprender sobre o rap e também sobre diversas questões que envolvem a cidade e são abordadas nas rimas. Criada em 2021, a ideia surgiu quando Diego Evandro, mais conhecido como Dieguin D7, produtor da batalha, trabalhava como camelô e sentiu falta de uma atividade que levasse cultura para o local, onde milhares de pessoas passam diariamente de forma apressada.
“É um local que não tem muita visibilidade, do ponto de vista da cultura, por ser muito discriminado. Eu resolvi fazer a batalha ali e deu certo, está dando certo. Hoje, sou um grande sonhador e creio que esteja possibilitando o sonho de outras pessoas também”, destaca Dieguin.
Para quem é de Belo Horizonte, a Praça 7 causa uma mistura de sensações. Ao mesmo tempo em que é o principal ponto de referência e o mais movimentado do centro da cidade, sendo escolhido para que torcedores comemorem os seus títulos e movimentos sociais façam suas manifestações, é também marcado por um alto índice de criminalidade.
As pessoas transitam em ritmo acelerado, entre gritos de “foto na hora, foto”, “compro e vendo ouro”, e os sons do trânsito local, sempre muito intenso.
Porém, nas noites das quintas-feiras, a pressa e os ruídos que compõem a paisagem sonora do cartão postal belo-horizontino dão espaço a centenas de pessoas, em sua maioria jovens negros, que gritam palavras de ordem e saúdam o rap feito na capital mineira.
Gabriela Stephanie, conhecida na cena como Theybs, conta que o Viaduto Santa Tereza é o coração do hip hop em BH, mas, hoje, a Batalha da P7 é, inclusive, certificada como movimento cultural. Ela destaca a importância da Família de Rua, responsáveis pelas batalhas do viaduto, nesse processo.
“Já tivemos situações com a polícia abordando MCs que estavam lá rimando, mas nunca aconteceu, de chegar a polícia lá e, por ser um movimento preto, eles falarem ‘sai daqui ou não vai acontecer’. Não tivemos esse problema por causa de outros que vieram antes e deram um passe para que isso não acontecesse”, relata.
Vidas transformadas
A ideia de levar cultura para um local já marginalizado, surge de pessoas também marginalizadas e socialmente invisibilizadas. Dieguin é um homem negro, pobre e morador de favela. Theybs é uma mulher negra e favelada.
Samai, conhecida como Colombiana, é a terceira personagem que ajuda a contar essa história. Ela é mãe de dois filhos e já chegou a morar na rua. Todos eles tiveram as suas vidas transformadas pelo rap, de alguma forma, como conta a artista.
“Eu conheci o hip hop e descobri a história dele. Descobri que é um movimento político, preto e de quebrada. É um movimento das minas e das monas. É um movimento que luta pelo que a gente é e, mesmo que a gente não saiba que ele está ali, ele existe há 50 anos e revoluciona cada espaço que ocupa”, destaca Samai.
Assim como Heráclito afirma que “não se pode banhar duas vezes no mesmo rio, pois, na segunda vez, já não é o mesmo rio nem o mesmo homem”, nas batalhas, acontece a mesma coisa. Ainda que sejam os mesmos corpos, no mesmo lugar, nunca é a mesma batalha. O rap afeta, muda, transforma, contagia e salva, diz Colombiana.
“No termo mais básico, o rap te ensina a não ser alguém idiota, a não ser babaca e preconceituoso. Então, por que não estar nesse espaço? A gente se permite estar em tantos lugares onde nos tratam mal, por que não estar em espaços que pautam a nossa luta”, indaga.
Mulheres na cena
Além de ser um meio estigmatizado por ser negro e periférico, o rap ficou marcado por ser masculinizado. Se engana quem pensa que ser mulher no rap é tranquilo e pacifico. Colombiana e Theybs falam sobre as dificuldades, mas citam que o cenário em BH é diferenciado, pela forma como as mulheres aprenderam a se impor.
“Ser mulher no rap é bater a cabeça na parede várias vezes, todos os dias, mas o hip hop te dá espaço para lutar. É mais difícil pela sociedade que vai assistir do que pela própria galera que compõe”, relata Colombiana.
Sonhos
Viver de rap pode ser um sonho, muitas vezes alimentado pela ostentação, vertente que canta ganhos milionários, carros de luxo e itens de marcas caras que foram conquistados por artistas da cena. Theybs explica que, ainda que quem cante não possua tais itens, é uma forma de sonhar com o que é negado a essa parte da população.
“A gente é preto. A gente já nasce sem perspectiva de nada e, muitas vezes, esses vários MCs cantam aquilo que eles não vivem, aquilo que eles que eles não têm, mas estão emanando para o universo que eles pretendem ter”, explica.
Por outro lado, Colombiana se atenta ao risco desse discurso. Ela cita a música Desostenta, do cantor Igor Kannário.
“É legal, mas, muitas vezes, quem está cantando não tem nem água na geladeira. A maioria dos manos aqui da quebrada, que eu conheço, que cantam ostentação, às vezes estão até sem trabalho. Então, eu acho que pode, mas vamos trabalhar com a sua realidade primeiro”, defende.